Críticas de policiais militares levaram curadoria a censurar ilustração do livro ‘Castanha do Pará’, premiado com Jabuti, em exposição no Parque Shopping Belém
Castanha é o nome de um menino que vive no Mercado Ver-o-Peso, tradicional cartão postal de Belém (PA), em busca de abrigo, alimentos e diversão. A ilustração de capa do livro premiado que conta a sua história, Castanha do Pará (2016), mostra-o saltando e tentando escapar do cassetete de um policial militar. E foi justamente a pedido de policiais militares que a imagem foi retirada de uma exposição do Parque Shopping Belém, no Pará.
“Fiquei sabendo da remoção por meio de pessoas que me mostraram uma imagem preta no lugar do meu desenho”, contou à Ponte Gidalti Moura Júnior, autor do livro, que no ano passado ganhou o prêmio Jabuti na categoria história em quadrinhos, incluída pela primeira vez na premiação. Segundo o autor, houve uma conversa sobre a situação com a administração do evento, mas a imagem acabou retirada antes de ser acordada alguma decisão.
Gidalti afirma que a pressão para censurar a imagem da exposição partiu de comentários no Facebook de policiais militares, que teriam se sentido ofendidos com a ilustração. “Eu vi pessoas de certa relevância dentro da Polícia Militar que se manifestaram nas redes sociais. Foi um grupo pequeno, mas um grupo um pouco radical em seus comentários e em suas opiniões, com um conhecimento muito superficial do contexto e do que se trata o projeto”, diz.
Para Gidalti, a retirada da obra foi claramente uma censura. “Para mim, representa a vitória de uma minoria que oprime, que quer impor suas percepções de mundo a partir do medo e da intimidação. Não entendo porque essas forças estão tendo êxito no contexto atual do país. É a vitória de um novo formato de censura que se configura por meio de ameaças”, afirma.
Na segunda-feira (16/4), quando ficou sabendo da remoção, o autor repudiou a atitude da curadoria do evento em sua conta no Instagram, afirmando que “a obra é ficcional, tem caráter lúdico e expõem situações rotineiras nas metrópoles brasileiras”.
Já a coordenação do evento, também em nota, afirma que outra obra de Gidalti foi colocada na mostra e que a mudança ocorreu “diante de manifestações de frequentadores do shopping que se sentiram incomodados com a cena de violência, no espaço que é frequentado por crianças”. Já o Parque Shopping Belém se limitou a esclarecer que apenas cedeu o espaço em sistema de comodato para a montagem da exposição.
Primeiro trabalho do autor, que tem Belém como “musa inspiradora”, a comédia dramática Castanha do Pará levou três anos para ser finalizada, entre a elaboração do roteiro e a produção da arte, produzida em aquarela. A produção foi independente: para financiá-la, o autor recorreu a um financiamento coletivo.