Ari Friedenbach critica os apoiadores do deputado do PSL por se aproveitarem politicamente do assassinato de sua filha, Liana, em 2003: ‘me sinto triste e usado’
O advogado e ex-vereador em São Paulo Ari Friedenbach anda irritado. É assim que ele define a sensação frente ao cenário político brasileiro às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Para ele, política é dialogar com todos, inclusive opositores, mas há um limite. “É até o cara ser pró-Bolsonaro, aí eu não consigo ter diálogo”, dispara, entre um cigarro e outro. “Bolsonaro destampou o que há de pior nas pessoas”, aponta, pedindo desculpas por ‘às vezes chorar’. Há motivos para tal reação: apoiadores do capitão da reserva do exército têm usado o assassinato de sua filha em prol da campanha.
Em 2003, Liana Friedenbach foi estuprada e morta na Grande São Paulo quando ia acampar com o namorado, Felipe Caffé. Feitos reféns, acabaram assassinados. Um dos envolvidos era Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, então com 16 anos. O caso ganhou repercussão, segundo Ari, pela brutalidade em si e também pelo fato de Liana ser branca, de olhos claros, uma “menina linda”. “Morrem ‘Lianas’ todos os dias, mas não são filhas da classe média”, diz. A perda motivou a entrada na política. Na eleição de 2018, ele concorreu a deputado estadual pelo PDT em SP, mas, apesar dos mais de 10 mil votos, não conseguiu uma cadeira.
Seguidores de Bolsonaro usam e abusam da trágica história da família Friedenbach. Em uma montagem disparada em grupos de Whatsapp, o rosto de Liana aparece com a frase “Eu fui estuprada por cinco dias e depois degolada com um facão”. Abaixo, uma foto do presidenciável dizendo que “Bolsonaro quer impedir que isso aconteça novamente”. O advogado se revolta: “Eu me sinto triste, usado. Usaram a história da minha filha e eu não admito, ainda mais como fazem: distorcendo como argumento de forma burra”, critica.
Ele ainda é atacado nas redes. “Ari, tua filha morreu na mão da marginália que o PT, PCdoB, PSOL e PDT apoiam. Tu é uma vergonha para o mundo”, escreveu um rapaz de Porto Alegre, em mensagem privada no Facebook. Ari respondeu em público na mesma rede social, acusando-o de covarde e canalha, adjetivos que tem usado repetidamente ao se referir ao candidato de extrema direita. “Eu tenho raiva do Bolsonaro, mas tenho mais raiva de quem vota nele. Agora é plebiscito. Não tem mais essa de PT ou PSL. É fascismo ou democracia“, sentencia.
Ponte – Você tem se posicionado bem diretamente contrário ao candidato Jair Bolsonaro. Como analisa o cenário político polarizado?
Ari Friedenbach – No tempo em que cumpri mandato, estive na Câmara dos Vereadores, sempre procurei me dar bem com todo mundo. Do PSOL até o DEM, me relacionava com todo mundo, até com o PSDB, com quem tenho diferenças, guardo respeito. Entendo a posição de uma pessoa que não pensa como eu. Mas eu tenho um limite que é até o cara ser pró-Bolsonaro. Aí eu já não consigo ter diálogo.
Ponte – Por quê?
Ari – Porque eu acho assim, quem vota no Bolsonaro não merece meu respeito. É falta de caráter. Eu até tenho raiva do Bolsonaro, mas eu tenho mais raiva de quem vota nele. Quem vota no Bolsonaro mostra falta de caráter, falta de cultura, falta de conhecimento. Falta, no mínimo, de leitura de história. Sabe, eu não sou um judeu religioso, mas, por exemplo, essa mistura que tem acontecido de política com fé. No final das contas, quando o cara vai na igreja de domingo, na mesquita, na sinagoga, no terreiro, qualquer coisa que o valha, no fundo todo mundo está buscando a mesma coisa por caminhos diferentes. É um Deus, uma força maior, mas o destino é o mesmo. É uma coisa de respeito ao próximo, ética, o objetivo é o mesmo. Agora, eu acho inadmissível que a pessoa vá na igreja, coma a hóstia e, quando sai, dali pra frente, da porta para fora, é um filho da puta. É uma coisa antagônica. E faço essa comparação porque no fundo é isso. O cara quer ter essa pureza evangélica, judaica, ou seja lá o que for, e é um canalha. Porque para mim quem vota no Bolsonaro é como ele: canalha.
Ponte – O que te faz classificá-lo dessa forma?
Ari – Um cara que fala que não aceita gay, negro, qualquer pessoa diferente dele. Outro dia minha mãe falou de algo que leu, que era uma provocação assim: vamos trocar gays por judeus? Fiquei pensando nisso, porque eu tenho um problema muito sério com a comunidade judaica, porque muita gente acha que sou comunista. Eu não sou comunista. A questão é que não aceito as diferenças sociais que a gente tem no Brasil. Aí, se isso é ser comunista, então beleza, eu sou comunista.
Ponte – Como se define politicamente?
Ari – Uma pessoa com uma visão social. Eu não sou comunista, ser esquerda não quer dizer comunista. Penso que ser esquerda é ser uma pessoa que tem uma visão social, que não aceita desigualdade, que não aceita a pirâmide social que a gente tem no Brasil. Por exemplo, eu sou bem nascido, nasci em Higienópolis, tenho uma vida bem tranquila, privilegiada, não preciso da política para viver. Eu podia, com toda minha história, com toda a história da minha filha, pegar meu chapéu e ir pra casa e foda-se. Ou virar como a maioria dos caras que perderam filhos como eu perdi, que eu conheço toneladas, e virar um louco, um matador. Eu nunca defendi isso. Nunca aceitei isso.
Ponte – Por que não seguiu esse caminho?
Ari – Eu sempre digo o seguinte: o cara vai preso, só que ele vai sair. A gente tem que tratar bem o preso. Não é que vai “fazer carinho em bandido” como esses bolsominions falam: “Ah, porque a [deputada do PT] Maria do Rosário defende bandido!”. Não é. Eu conheço ela muito bem, ela nunca defendeu o Champinha nem estuprador nenhum. Isso é uma grande distorção de tudo que ela falou. O tempo todo eu sou amigo dela e ela nunca falou isso! Muito pelo contrário. Ela é minha amiga porque ela defende exatamente o que eu defendo que é punir quem deve ser punido.
Ponte – Aliás, nos grupos de apoiadores do Bolsonaro é até comum ver menção ao caso da sua filha, montagens…
Ari – É o tempo todo. Eu já cansei de brigar. Existe um monte de vídeos que fazem menção a minha filha.
Ponte – Como se sente?
Ari – Eu me sinto triste. E usado. Usaram a história da minha filha e, aí, é um pouco o que já escrevi naquela carta pública, há alguns anos. Acho revoltante usarem a historia da Liana, eu uso muito pouco. Na minha campanha não tem uma linha. Claro, vez ou outra as pessoas dizem: “Ah, o Ari, pai da Liana”, até como referência. Mas eu não uso, então não admito que esses caras usem, ainda mais usarem como usam. Ou seja, distorcendo e de uma forma burra. Tenho uma proposta que não é nada disso de “fazer carinho na cabeça de bandido”, como dizem. É muito dura minha proposta, mas é dura para quem precisa ser dura. Não vou prender todo mundo. O cara que estupra, que mata, óbvio que tem que prender, que tem que ser punido. Mas a gente não pode passar a régua e pronto: 16 anos todo mundo em cana como esses canalhas querem fazer. Isso é uma irresponsabilidade. É apresentar uma solução ridícula, burra, que já está comprovado no mundo que não dá certo, para um problema complexo. Como se prender todo mundo fosse solução. Não é assim que se resolve. Há experiências no mundo todo mostrando isso.
Ponte – Como lida com estas críticas ao Bolsonaro em meio à ascensão de seus apoiadores?
Ari – O mundo inteiro está falando que Bolsonaro não presta. Só aqui no Brasil se recusam a entender. Eu falo: não quer acreditar em mim? Tudo bem. Olha as notícias do mundo inteiro. A extrema direita francesa falou que ele é um canalha. A Alemanha disse que ele não presta. De onde esse povo pode ser tão burro? Tão ingrato? Porque o PT cometeu erros? Cometeu. Mas quem cometeu tem que ir preso. Só que a questão não é PT, é ideologia. A proposta do PT é uma proposta que melhorou o país, isso é inegável. Eu não sou PT e falo com tranquilidade. Só que o projeto de melhorar o país do PT, de olhar para os pobres é do PT e isso é uma realidade. Você vai no Nordeste e tem luz para todo mundo hoje. Pobre viaja de avião, tem celular, usa aparelho, financia carro, vai para a universidade e isso é graças ao PT. Ou esses filhos da puta acham que é mérito próprio? As pessoas estão querendo dizer que o PT inventou a corrupção no país. As pessoas e a imprensa, que também tem parte nisso. O PT não inventou a corrupção. O Lula está preso sem prova nenhuma, é inadmissível ele estar preso. Eu não acho que o Lula é bonzinho, não. Eu acho até que ele roubou, mas é o crime perfeito. Sinto muito, amigo, não tem provas. Vai dormir com esse barulho.
Ponte – E em nome do antipetismo, a candidatura do PSL subiu muitos degraus…
Ari – As pessoas não têm a dimensão do risco que o Bolsonaro representa. Outro dia briguei com um cara na internet, discuti, tinha a ver com isso tudo que estamos falando, com Lula, situação do país, e ele é eleitor do Bolsonaro. Eu falei para ele: “Você é pobre de direita. Nunca vi isso. Se enxerga”. Porque você hoje vê pobre de direita e eu falo pra chocar: “Se meu filho for abordado, a polícia vai chamar de ‘sim, senhor. Eu sou rico. Ele não anda na periferia. Eu não tô preocupado comigo, eu to preocupado com você, que é pobre. Seu filho que vai levar tapa na cara. A Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM de SP] vai matar o teu filho, não o meu”. E eu falo isso apesar de ter acontecido a merda que aconteceu com minha filha, e que deu a repercussão que deu porque bateu na porta da classe média. Menina linda, de olhos azuis. Quantas meninas lindas de olhos azuis da classe média morrem? Morrem “Lianas” todos os dias, mas não são filhas da classe média. Eu sou judeu e uma das vezes que fui para Israel em uma excursão com outros vereadores, foi muito interessante, porque eu sou judeu, mas tem os palestinos. Só não vai ter outro Holocausto enquanto existir o estado de Israel. Agora, a política de ocupação é uma maluquice. Eu acredito na coexistência. Mas, enfim, a gente foi para a Cisjordânia, para o outro lado da fronteira, conversar com os palestinos. Na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Afeganistão não morre tanta gente como aqui. A gente vive uma situação pior do que muito lugar de conflito internacional. Só que agora está cada vez pior, porque com essa história de Bolsonaro destampou o pior das pessoas.
Ponte – Em quais circunstâncias vê isso?
Ari – Antes tinha gente que era racista e tinha vergonha de falar. Agora você vê nas redes e nas ruas o que esta acontecendo. Vai um desgraçado e corta a barriga de uma menina com uma suástica e aí vai o o delegado e fala que é o símbolo da paz. Aí então pode fazer se for símbolo da paz? Faz na cabeça do delegado então. A que ponto chegamos? O pior das pessoas destampou. O que mais me deixa impressionado é que a gente tem hoje a maioria de apoio para esse cara, mais de 50% da população. A gente vive em um país de pessoas violentas. O brasileiro é extremamente violento e é isso que está se mostrando. O brasileiro não é bonzinho, é agressivo. Estamos vendo isso. Destampou o racismo, a homofobia, veio tudo a tona e o Estado está deixando.
Ponte – A gente tem visto um apoio massivo dos evangélicos na candidatura do Bolsonaro. O que tem sentido da comunidade judaica?
Ari – Eu tenho brigado muito. Tem um artigo muito bom que saiu na Folha e quem escreve é um rabino da CIP [Congregação Israelita Paulista], o Michel Schelesinger [o artigo é intitulado O voto judaico e foi publicado em 1/10] e onde eu tenho uma relação de uma vida inteira. Eu frequentei o movimento juvenil judaico, que é um movimento de esquerda, mas 99% dos meus amigos viraram coxa, bolsominion. Esse rabino é um cara bem jovem. No artigo ele não cita o nome do Bolsonaro, mas ele fala sobre as coisas que o Bolsonaro defende, que são contrárias aos princípios judaicos, de justiça social, essas coisas. Há alguns anos fui na inauguração do Tempo de Salomão [sede da Igreja Universal do Reino de Deus e idealizado pelo bispo Edir Macedo]. É uma coisa inacreditável. Aquilo lá é um estelionato cultural, foi assim que defini, porque parece que você está em uma sinagoga em Jerusalém. Todas as pedras foram importadas de Israel, os símbolos são todos judaicos, os pastores usam paramentos semelhantes aos judeus. Aí tinha um bloco de cadeiras onde estava a elite do Judiciário brasileiro. Aí estava Dilma [presidente na época da inauguração], Alckmin [ex-governador de São Paulo, Haddad [ex-prefeito de São Paulo], os ministros e secretários. Depois tinha uma ala que era da elite judaica, dos que têm grana. A comunidade judaica apoia totalmente a Universal. E isso é uma coisa que eu bato faz tempo. Os caras estão loucos, porque daqui a pouco vão colocar os judeus para fora de Israel e vão falar que é deles.
Ponte – O que justifica esse apoio?
Ari – O respaldo é o seguinte: a Universal apoia Israel incondicionalmente, Bolsonaro apoia, nesse momento, Israel incondicionalmente. Nesse momento, até a hora que não interessar mais. É tudo uma grande mentira mesmo. Amanhã, quando estiverem na porta de um campo de concentração, que não venham me encher o saco. Está na cara que os alvos são todas as minorias.
Ponte – Tem um argumento bastante usado que é o seguinte: votar no Haddad é votar contra o Bolsonaro. Mas do outro lado o argumento é o mesmo. O que você acha?
Ari – Agora é plebiscito. Não é mais PT ou PSL, é fascismo e democracia. Semana passada eu entrei numa briga no diretório do PDT por causa do Cid Gomes [porque, durante evento político em Fortaleza, o senador exigiu que o PT pedisse desculpas ao povo brasileiro e chamou militantes petistas de babacas].
Ponte – O que achou da postura dele?
Ari – Acho que foi infeliz. Eu achei errado o Ciro, por exemplo, se ausentar, porque não era momento de se omitir e sim de tomar posição e não viajar. O momento da esquerda se juntar toda contra o Bolsonaro. Não é hora agora de dizer: apoio com restrições ou não apoio ou estou em cima do muro. Aliás, o judaísmo não permite ficar em cima do muro. O PT precisa fazer autocrítica? Sim, mas depois a gente discute. Agora é hora de se juntar contra o Bolsonaro, contra o fascismo, contra a ditadura. As diferenças da esquerda são enormes. Você pega um PSOL e um PDT, é um mar de distância, mas depois a gente conversa. Primeiro temos que extirpar esse mal.
Ponte – O Vladimir Safatle, filósofo, tem dito que existe um golpe em curso…
Ari – Já aconteceu. A gente que não percebeu.
Ponte – Não é exagero?
Ari – Claro que não. Ele [Bolsonaro] é muito claro. Acabar com direitos humanos? Isso é uma loucura. O mundo está olhando para o Brasil como república das bananas. Nunca foi tanto a república das bananas.
Ponte – No discurso após o término do primeiro turno, ele disse: “vou botar um ponto final em todo tipo de ativismo”.
Ari – É um grande risco. É a ditadura total. Acabar com a questão dos direitos humanos é uma maluquice. Assim como tem uma coisa muito burra, esse ranço da direita em relação aos direitos humanos, acho que tem uma coisa burra da esquerda, por exemplo, com relação à educação, moral e cívica, que é importante. Não aquela coisa da ditadura, “organização, social e política”, que é uma coisa de controle social. Eu falo de ensinar desde cedo, por exemplo, o que é o Estado, o que faz um deputado, um vereador, a diferença do governador para o prefeito. As pessoas não sabem isso. Acho importante as crianças saírem da escola com a noção da formação do Estado, com noções de respeito. Isso não é regime militar. A gente precisa equilibrar as coisas.
Ponte – Você acha que é por causa dessa falta de entendimento que há o chavão “brasileiro não sabe votar”?
Ari – A elite brasileira sempre se preocupou em ter uma massa de ignorantes. Não dá educação para o povo, para o povo não pensar, não questionar. E a gente tem visto só retrocesso. O congelamento dos investimentos de educação é novamente a tentativa de acabar de vez com qualquer possibilidade de o povo pensar. Não querem que questionem, que assumam posições. Eu vivia na ilha da fantasia e como vereador acabei indo para a periferia. É outra realidade. Tem muita gente que não sabe o que ocorre. E isso explica por que tem pobre de direita, pobre que volta no Bolsonaro. Afinal, a gente não tem 50%, ou melhor, quase 60% de gente rica, branca, da elite [a estimativa do percentual de votos do candidato do PSL de acordo com pesquisas de intenção de voto]. E é um contrassenso porque esse cara é a primeira vítima. Mas, ao mesmo tempo, eu consigo entender essa dualidade.
Ponte – Qual a explicação?
Ari – O cara pobre está muito puto porque ele vê uma notícia de um ladrãozinho que assaltou um cara que é como ele, que trabalhou o mês inteiro, pegou três horas de condução e foi assaltado na porta de casa. Ele fica indignado. Aí o que ele fala: “quero a Rota”. O cara está revoltado e acha que a solução é a Rota. Ele fica nesse meio fio: eu quero a polícia que deveria me proteger, mas é a polícia que vai me agredir, matar. Esse cara não tem para onde correr, porque ele vai ser vítima de qualquer jeito.
Ponte – Falando em violência, você entrou na política apenas por causa da morte da Liana?
Ari – Apenas por isso, nunca tive essa pretensão. Logo depois que a Liana morreu, eu acabei começando a conhecer outros pais que perderam filhos e acabei sendo cooptado pela coisa de redução da maioridade. A Liana morreu em novembro de 2003, e algumas semanas depois me chamaram para ir até Brasília. Era um convite do senador Magno Malta [hoje apoiador de Bolsonaro]. Eu nem sabia quem ele era, eu estava zureta ainda com tudo. Cheguei no gabinete do cara, começamos a conversar por alguns minutos, aí ele pegou um papel e disse: “vamos até a mesa do Senado que eu vou apresentar um projeto de Emenda Constitucional com o nome da sua filha”. Eu nem sabia direito do que se tratava, mas na hora fiquei orgulhoso. Quando eu olho com mais atenção, era um projeto de redução da idade penal para 12 anos. O caminho da redução da idade penal parece o mais fácil, mas não é o meu.
Ponte – Como mudou?
Ari – Uns 4 meses depois da perda da minha filha, comecei a pensar, estudar, conversar com pessoas e mudei meu pensamento: o caminho não é esse. O pessoal de esquerda começou a ficar próximo de mim, justamente porque eu tinha uma proposta decente. Aí, quando eu já era vereador, acho que 2014 ou 2015, estava super bombando a história da maioridade penal, eu fui convidado para apresentar meu projeto, minha proposta. Fui nas comissões em Brasília, foi muito legal mesmo, um ponto alto na minha carreira porque todo mundo, esquerda e direita, pode ouvir a proposta e ficaram entusiasmados. É uma proposta consistente e efetiva. Com exceção, claro, da bancada da bala, que não gostou. O que fica é a redução da idade penal porque é o mais fácil de população em geral entender. O pessoal da redução da idade penal acabou começando a me odiar, ficaram bravos comigo porque eu não usava a camiseta da Liana, eles usavam sempre a camiseta com o rosto dos filhos. Eu tenho uma camiseta com o rosto da Liana, mas não uso.
Ponte – Por quê?
Ari – Porque não gosto de usar a imagem, acho uma exploração da imagem, acho sacana. Eu usei uma vez, em Israel, em uma data importante que é o dia das vítimas da guerra. É uma data muito triste e por um acaso estava lá com minha ex-esposa, a mãe da Liana , e foi o único dia que eu usei essa camiseta. Foi muito louco, porque a gente entrou no cemitério e uma moça soldada me viu com a camiseta e me disse: “nossa, que menina bonita!”. E eu disse: “minha filha”. Ela perguntou o que havia acontecido e se chocou: “mas como assim sequestro de civil?”. Não conseguia fazê-la entender, não entrava na cabeça dela.
Ponte – Queria voltar ao tema da maioridade penal. Qual sua ideia sobre o tema, afinal?
Ari – Eu defendo a responsabilização do menor. O projeto que construí ao longo dos anos foi fruto de muita conversa com especialistas, criminalistas, psiquiatras forenses. Não considero a ideia fechada, mas já tem corpo. Acho que sempre pode mudar, melhorar. Por exemplo, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) tem que ser melhorado. É uma lei importante, mas tem que ser aperfeiçoado. Não sou como o Bolsonaro que acha que tem que jogar no lixo. O mundo muda e a lei tem que se adaptar a isso. Eu tenho propostas, inclusive no sentido de alterar o ECA. A proposta de redução da maioridade de 18 para 16 anos certamente vai passar dependendo do quadro que se definir para o ano que vem. A minha luta é contrária a isso. Você não pode colocar o cara que roubou uma bicicleta em cana, porque é uma insanidade. Você acaba com qualquer possibilidade desse cara ter uma vida.
Ponte – Qual a sua proposta?
Ari – O que eu proponho é manter o ECA do jeito que é em termos de penalização de adolescentes em conflito com a lei. Mas só para os casos de estupro, latrocínio, sequestro e homicídio, só para esses quatro casos, um tratamento diferenciado, que seria a responsabilização pelo ato cometido independentemente da idade. Tem alguns contra-argumentos burros de gente que diz: “ah, você vai prender a criança no berçário”. Não, porque criança no berçário não estupra, não mata. Isso é um argumento que não aceito também. O cara que cometeu o estupro, um homicídio, ele vai para o juiz da Vara da Infância e Juventude, é recebido por uma junta interdisciplinar (advogado, psiquiatra, assistente social), vão examinar o caso individualmente, cada caso é um caso, para entender o que aconteceu. A primeira coisa que essa equipe vai ter que analisar é se o cara tem o não consciência do que ele fez. Não tem? Caso psiquiátrico. Tem? Recebe punição pelas leis do nosso Código Penal, com uma redução em função de não ser maior de idade, a proporção de vida dele é outra. Dez anos para um cara de 30 anos é uma coisa, para um cara de 15 é outra. Então precisa ser proporcional ao tempo de vida dele. E o mais importante é aplicar a pena. E sendo condenado, fazer o adolescente cumprir a pena em alguma unidade da Fundação Casa. Em hipótese alguma jogar esse menor em um presídio comum. A Fundação Casa faz um trabalho mais decente e pode ter condição de ressocializar esse jovem. É muito melhor do que jogar esse adolescente na mão do PCC. Ou seja: penalizar quem tem que ser penalizado e não passar a régua e sair prendendo todo mundo.
Ponte – Já que citou o sistema prisional, como você analisa?
Ari – A primeira coisa: o Estado precisa tomar conta dos presídios. A gente tem o crime organizado que manda nos presídios e esse é um grande e gravíssimo problema. A partir do momento que você entra no sistema prisional, você não tem escolha, você precisa de associar ao crime organizado. O que eu quero dizer com isso? O Brasil não tem prisão perpétua, o cara vai sair e ele vai devolver para a sociedade o que ele recebeu. Se tratar ele como animal, ele vai ser um animal. E é o que a gente assiste. O sistema prisional é uma masmorra. Antes que falem alguma coisa, não é pra tratar o cara com caviar, mas tratar com decência, humanidade. Por isso que falo da Fundação Casa. É perfeito? Não. Mas tem estrutura para estudo, todo dia tem aula, eles têm curso profissionalizante, eles dormem com mais decência, não enfrentam superlotação, é mais organizado. A Fundação Casa é presídio também, só que mais organizado, mais controlado. Outra coisa: não adianta você colocar o adolescente na fundação casa e não atender a família dele, porque quando ele sair, vai voltar para esse mesmo lugar. Acredito que enquanto ele está lá cumprindo medida, precisa tratar da família, entender qual o problema, arrumar emprego para mãe, pai, ver o que esta faltando, porque ele tem que voltar para um meio consertado, entendeu?
Ponte – Houve um bate-boca recente entre você e um usuário do Facebook. O sujeito escreveu que ‘você era uma vergonha para o mundo’ por criticar Bolsonaro mesmo com o que aconteceu com sua filha. Se a Liana estivesse viva hoje, você acredita que ela se orgulharia do que você se tornou?
Ari – Eu digo pelo meu filho. Ele foi embora, não aguentou. Mora no Canadá e tem um baita orgulho de mim. Vou te falar: eu entrei na política porque eu acredito no que eu faço, fiz coisas legais e por isso fiquei chateado quando não fui reeleito. Arrasado. Porque fiz legal, fiz bonito. Eu sempre pensei: entrei nessa coisa por causa da Liana então não vou fazer de sacanagem, vou honrar. [Pausa. Ari chora] Eu fui correto, tive boas posturas. Ela teria orgulho de mim, sim. Eu não mudaria nada, não mudaria o que eu penso, o que eu faço. Às vezes eu extrapolo na minha raiva, eu ando muito nervoso com a situação atual e tenho brigado muito com todo mundo. E isso me incomoda. Mas acho que sou uma pessoa com uma linha decente, sabe? Eu podia ser um cara que foda-se o mundo, mas eu tenho orgulho do que me tornei. Poderia ter virado um reaça. Eu luto pelos direitos humanos, mas não vou morrer por causa do Bolsonaro. Se é a maioria que não quer o cara, eu vou pra luta. Mas se a maioria quer, não vou morrer por isso. Tem 60% da população que quer o cara. Talvez ele entrar seja educativo para esse povo entender a gravidade do que ele representa. Eu estou apavorado e deprimido, por ver quanta gente apoia isso.
Ponte – E os planos para a política?
Ari – Tenho falado com minha esposa e ela tem dito para mim sobre estar mais nos bastidores, que poderia ser bom. Mas o problema é que eu sempre tomei frente das coisas. Não sei ainda o que vai ser, o que vai acontecer. O que sei é que seguirei lutando pelos direitos humanos e por uma discussão qualificada sobre segurança pública, que sempre foram minhas bandeiras.
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