Governo do Rio alega que performances que aconteceriam no domingo (13/1) “não estavam previstas em contrato”; é a segunda vez que exposição sofre censura na Casa França-Brasil e artistas convocam manifestação
“Supresa, decepção e revolta” são as palavras que definem o sentimento do publicitário e curador Alvaro Figueiredo após receber um comunicado, na manhã de domingo (13/1), que informava que, por ordem do governador Wilson Witzel, a exposição coletiva “Literatura Exposta” está cancelada na Casa França-Brasil, ligada à Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. Desde 4 de dezembro, a exposição reúne instalações artísticas e performances baseadas em textos de 10 autores periféricos. A liberdade de expressão de uma delas, do coletivo “És Uma Maluca”, foi colocada novamente em cheque.
A instalação do grupo, intitulada “A voz do ralo é a voz de Deus”, com base no conto “Baratária”, de Rodrigo Santos, tinha dispostos 6 mil insetos de plástico saindo de um bueiro e continha áudios de declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro, que foram proibidas na semana de inauguração e tiveram que ser substituídas por receita de bolo, uma alusão à época da ditadura militar. A obra conta a história de uma mulher torturada na época do regime com a introdução de baratas na vagina.
De acordo com o curador, há uma semana, o coletivo pediu para realizar uma performance de encerramento, em que duas artistas se apresentariam nuas interagindo com os insetos. “Nós combinamos tudo direitinho, explicando o conteúdo da performance e enviamos para a direção da Casa França-Brasil para não ter nenhum tipo de problema”, relata Alvaro. A resposta, segundo ele, veio na sexta-feira (12/1), por e-mail, em que, a Casa França Brasil afirma que o espaço deve ter um controle de acesso, permitindo somente a entrada de maiores de 18 anos e que o local “não se responsabiliza por qualquer incidente que possa ocorrer durante e após a performance”. A programação da exposição terminaria na segunda-feira (14/1).
No entanto, às 8h da manhã de domingo, quando aconteceria a apresentação, Alvaro foi surpreendido com o comunicado que aponta que a programação para o dia “não encontra-se presente no objeto de contrato previamente assinado”, o que culminaria com o cancelamento da exposição.
O documento também informava que o órgão, que tem expediente de terça a domingo, estaria fechado por conta disso. No site e nas redes sociais da Casa França-Brasil não havia comunicados ao público sobre o não funcionamento em 13/1. Até as 14h, a última publicação da página do Facebook era sobre a exposição. Horas depois, o texto foi editado sem explicações.
A Ponte ligou para a Casa França Brasil e um funcionário confirmou que o local estava fechado por ordem do governador. Questionado sobre o motivo, disse que o órgão se pronunciaria apenas da segunda-feira.
À reportagem, em nota, a assessoria da Secretaria de Cultura reafirmou o que está escrito no comunicado acerca do contrato assinado em 3/7/2018 ter sido descumprido e que a programação não estava prevista. “[O contrato] Também exige que as atividades sejam autorizadas pelo IPHAN, com pedido feito com 45 dias de antecedência, o que não ocorreu – impedindo, portanto, a realização do programa agendado para este domingo”, diz o texto.
Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é uma autarquia do governo federal, vinculado ao extinto Ministério da Cultura, que é responsável para proteger, fiscalizar e promover bens culturais do país.
Segundo Alvaro, em nenhum momento a autarquia solicitou esclarecimentos ou pediu autorização sobre o teor das obras, apenas a questão de estrutura. “Isso para mim não faz sentido. Não sou advogado, mas o que me foi passado na época é que tudo que teria que ser aprovado com o Iphan era sobre as montagem das instalações, se fosse pendurar alguma coisa no teto, por exemplo, porque o prédio da Casa França Brasil é patrimônio histórico tombado”, explica. “A Casa França Brasil também nunca enfatizou que toda a performance teria uma autorização prévia. Nós que tivemos esse cuidado de informar tudo direitinho e tivemos o ‘ok'”, prossegue.
“É péssimo porque interrompem um projeto que não era para ser interrompido. É censura. Qual o receio de uma performance como essa? Corpos nus ameaçam tanto assim uma instituição de arte? É frustrante e decepcionante”, desabafou Alvaro.
Em nota, o coletivo “És Uma Maluca” considerou uma “grave” violação de liberdade de expressão e convocou uma manifestação na segunda-feira (14), em frente à Casa França-Brasil. “A situação é grave pois indica mais um atentado à produção simbólica e cultural, dentro de todo o contexto no qual entramos, há apenas duas semanas. Mais uma tentativa de silenciamento de vozes que provocam crítica e convidam à reflexão”.
A Ponte tentou contato com a assessoria do Iphan, mas não teve retorno até a publicação.
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