Ativistas lésbicas comentam agressão sofrida por Karol Eller, youtuber bolsonarista que foi agredida no último domingo (15/12) ao lado da namorada, no Rio de Janeiro
Nenhuma pessoa LGBT+ deve ser agredida por ser LGBT+. É o que dizem ativistas lésbicas à Ponte sobre a agressão sofrida pela youtuber Karol Eller, 32 anos, apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e que gerou diversas de manifestações de repúdio à violência e apoio à youtuber do lado progressista da militância LGBT+ vieram à tona.
A youtuber foi agredida, a socos e pontapés, no último domingo (15/12) quando passeava com a sua namorada na Orla da Barra da Tijuca, bairro rico na zona oeste do Rio de Janeiro. A agressão desfigurou o rosto de Karol, que é lésbica. O caso foi registrado na 16ª Delegacia Policial, localizada no mesmo bairro.
A Ponte procurou a youtuber em suas redes sociais, mas não recebeu retorno ao pedido de entrevista. À Época, Karol Eller contou o ocorrido. Ela afirma que achou que ia morrer, e que levou uma sequência de chutes e socos no rosto. Apesar de afirmar que a agressão foi LGBTfóbica, a youtuber afirma que qualquer pessoa poderia ter passado por isso.
“Ele teve sim uma atitude homofóbica. Mas não bateu em mim somente por isso. Tenho certeza que ele faria o mesmo com outra mulher (que não fosse gay) ou até mesmo outro homem”, disse a youtuber à Época.
Além de apoiadora do governo de Jair Bolsonaro, Karol é amiga da família Bolsonaro. A youtuber é famosa por criticar o movimento LGBT+ e falar que a LGBTfobia é “mimimi” e vitimismo. No vídeo, Eller fala que “todo dia morre um policial, todo dia morre um hétero, todo dia morre um gordo, todo dia morre um negro, todo dia morre uma pessoa assassinada, para de vitimismo”.
A advogada Marina Ganzarolli, presidenta da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) e co-fundadora do deFEMde (Rede Feminista de Juristas), explica que agressão sofrida por Karol Eller é um retrato da violência contra LGBTs no Brasil.
“A gente lamenta e sente muito que isso aconteça. Isso não tem que acontecer nem com ela e nem com ninguém, independentemente da posição política que a pessoa tem “, argumenta Ganzarolli . “Que isso seja usado para conscientizar mais e mais pessoas sobre essa violência que é específica e acontece contra LGBTs todos os dias”.
“Não sabemos o quanto isso acontece porque não temos política pública de estado, inclusive aquele que ela ajudou a eleger, que garanta o mapeamento desse tipo de agressão”, completa a jurista.
Marina Ganzarolli explica que a notificação de agressão contra LGBTs é pouco notificada porque a Polícia Civil, no momento da abertura do Boletim de Ocorrência, não preenche o campo “orientação sexual”, criado há apenas dois anos.
“A Polícia Civil não preenche porque entende que é algo privado, que não tem relação com as ocorrências e não pergunta. Então ainda que tenha sido criado um campo para essa ocorrência, que não existe em todos os estados do Brasil, ainda assim a gente não consegue garantir o seu preenchimento”, critica a presidente da OAB Diversidade.
Para Camila Marins, ativista lésbica e editora da Revista Brejeiras, feita por e para mulheres lésbicas, nenhum ativista de direitos humanos deve consentir com nenhum tipo de violência. “Não podemos cair nessa armadilha, até porque esse tipo de violência também traz gatilhos para nós mesmas, que tanto já fomos agredidas, psicologicamente e fisicamente”, argumenta Camila.
A ativista comenta as contradições da população minoritária em direitos em defender o governo de Bolsonaro, excludente para essas pessoas. “Essas pessoas, que também são LGBTs, acabam reproduzindo não apenas os discursos de ódio como também projetos de país baseado em discursos de ódio contra a população LGBT, negra, indígena e as mulheres”, critica.
“O que temos que fazer é mostrar que essa realidade que a Karol passou agora é realidade machista e LGBTfóbica que precisa ser transformada todos os dias. E a gente só transforma isso coletivamente, com lutas, não a partir de projetos que são ultraliberais que descendem projetos de ódio”, continua.
Marins lembra que o próprio governo reforça essas narrativas de ódio, mas que isso não pode servir para que agressões sejam comemoradas. “Não podemos defender em momento algum, temos que questionar e entender que não faz parte do projeto de país que pensamos, que é um projeto de país que é baseado na igualdade, na solidariedade, em outros princípios que não sejam essas narrativas de ódio”, crava.
Até o momento de publicação dessa matéria, o presidente Jair Bolsonaro não havia se pronunciado sobre a agressão sofrida por Karol Eller. Camila comenta o silêncio do chefe do executivo, que, segundo a ativista, também silencia sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, outra mulher LGBT+ e brutalmente assassinada em 14 de março de 2018.
“O silêncio já vemos do presidente desde a execução de Marielle Franco. Ele só se manifesta para falar que é o tal ‘mimimi’ da luta LGBTI. É um silêncio que traz todas as violências LGBTI, das mulheres, e também mostra a falta de políticas públicas para LGBTs, representando aí um projeto que não tem qualquer comprometimento com as nossas vidas”, aponta Marins.
Camila explica que falar de luta LGBT+ é falar de preservação da vida. “Vemos a ausência completa do estado brasileiro em relação às políticas da população LGBT, da população negra e de mulheres”, finaliza.
Repercussão
Em um post no Instagram, a youtuber disse que gostaria de lembrar do seu rosto antes da agressão e pediu a todos que orassem por ela. Karol Eller também disse que no momento não tem condições de falar ou postar vídeos sobre o assunto.
A revista Brejeiras lançou uma nota de repúdio contra a agressão sofrida por Karol. Intitulada “Contra todo tipo de lesbofobia”, a nota criticava a violência. “Lutamos contra todo tipo de lesbofobia, e é com pesar que recebemos a notícia da agressão lesbofóbica sofrida por Karol Eller. As violências que sofremos acontecem em muitos níveis”.
Parlamentares se manifestaram nas redes sociais repudiando a agressão sofrida por Karol. Do Psol, os deputados federais David Miranda e Talíria Petrone fizeram tweets de apoio à youtuber. “A violência não faz distinção por preferência partidária e atinge a todos nós”, disse David Miranda.
Talíria Petrone lembrou que o Brasil é o país que mais mata LGBT+ em todo o mundo. “Toda mulher deve ter a liberdade de amar outras mulheres livremente. Toda pessoa deve ter o direito de amar quem quiser livremente”, argumentou a deputada estadual.
A cantora lésbica Zélia Duncan também se manifestou sobre o caso. Zélia citou que a homofobia é um fato cotidiano e que muitos LGBTs morrem diariamente. “Menosprezou o sofrimento dos LGBTs e agora, infelizmente, experimentou essa dor na pele”, lamentou Duncan.
Até o momento de publicação desta matéria, apenas o deputado federal Eduardo Bolsonaro se manifestou sobre o caso, mais ninguém da família Bolsonaro. “Lésbica e apoiadora do Presidente Bolsonaro, ela já superou muitas situações difíceis, oro pra que logo se recupere”, disse Eduardo.
A Ponte questionou a Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre o caso e recebeu a seguinte nota: “De acordo com a 16ª DP (Barra da Tijuca) o caso foi registrado como lesão corporal e injúria por preconceito e está sendo investigado. O autor da agressão já prestou depoimento e diligências estão em andamento”, diz a pasta.