4 PMs são presos por matar jovem no RN, mas para associação de oficiais o problema são os desenhos

    Associação aprovou em assembleia processar escola que usou charges sobre violência policial em prova; dois meses antes, PMs do mesmo estado mataram Gabriel de Souza, 18 anos, segundo investigação

    Charge de Antonio Junião usada em prova e jovem morto no RN | Fotos: Arte/Ponte / Reprodução/Facebook

    No dia 5 de junho deste ano o jovem Giovani Gabriel de Souza Gomes, 18 anos, saiu de casa para ir de bicicleta visitar a namorada, em Parnamirim, cidade potiguar a cerca de 20 km de Natal. Ele desapareceu e, nove dias depois, seu corpo foi encontrado. Segundo as investigações, ele foi executado por três cabos da Polícia Militar, agindo com o conhecimento de um sargento. 

    O sargento da PM, que é o pivô da história, foi preso no dia 19 de agosto. Os outros três policiais foram detidos na última quinta-feira (17). Todos alvos da operação Romanos 12:19, do DHPP (Divisão de Homicídio e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil do Rio Grande do Norte. 

    Mesmo assim, o que causa a “indignação” da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, conforme nota publicada na semana anterior, são as charges sobre violência policial aplicadas em uma prova do 8º ano do ensino fundamental do Colégio Marista de Natal. 

    As artes que os oficiais potiguares consideram ataques à Polícia Militar são uma do ilustrador Antonio Junião, diretor de arte e projetos especiais da Ponte, feita em 2013 e intitulada “Cenas do cotidiano”; e duas do ilustrador Carlos Latuff, ativista de direitos humanos, feitas em 2013 e 2014. 

    “Com grande irresponsabilidade e tendência ideológica, o referido colégio impôs aos alunos perguntas os induzindo a pensamentos que destoam, completamente, do trabalho desempenhado pelos militares”, escreveu a associação em nota publicada no dia 2 de setembro, logo depois o conteúdo da prova ter se tornado público. 

    No último dia 10, a associação publicou nova nota dizendo que, após realização de assembleia com os oficiais, decidiu processar o colégio. “A Associação dos Oficiais Militares do Rio Grande do Norte, em assembleia convocada, decidiu por processar o Colégio Marista de Natal. A ação de dano coletivo recairá sobre provas aplicadas pela escola onde foram praticados os crimes de calúnia, injúria e difamação conta a categoria de policiais militares”, escreveu a associação nas redes sociais.

    Para o tenente-coronel Adilson Paes de Souza, policial militar da reserva de São Paulo, a ameaça de processo da associação trata-se de uma “atitude antidemocrática, que não respeita o livre exercício de manifestação”. O coronel ainda destaca que “o empenho que tem para impedir o direito manifestar deveria ser aplicado em combater as ilegalidades que acontecem dentro da própria polícia”. 

    A violência policial expressada na arte, de certa forma, representa também o ataque sofrido por Gabriel. Conforme noticiado em jornais locais, o jovem teria sido morto após uma confusão entre as equipes policiais que caçavam de forma não-protocolar suspeitos de roubaram o carro do irmão do sargento que, dias depois, foi preso. 

    De acordo com a Tribuna do Norte, policiais de diversas regiões foram acionados para sair de suas respectivas áreas de patrulhamento para auxiliar na busca pelo carro do irmão de um PM. Como o veículo possuía rastreador, os agentes conseguiram localiza-lo. Com a aproximação das equipes policiais, os suspeitos teriam corrido para dentro de uma mata. 

    Durante a ocorrência, Gabriel passou pelo local, que era o caminho para ir à casa da namorada. O jovem foi abordado por uma equipe policial e, após responder aos questionamentos, os PMs teriam constatado que ele não tinha envolvimento no roubo e o liberaram. 

    Quando Gabriel seguiu seu caminho, moradores da região teriam avisado outra equipe policial sobre a presença do jovem na mata. Novamente Gabriel foi abordado, desta vez por essa equipe que estava chegando no local. O rapaz teria tentado avisar que já tinha falado com outros policiais. No entanto, foi em vão, conforme apontam as investigações da Polícia Civil publicadas na Tribuna do Norte. 

    Essa segunda equipe que abordou Gabriel, formada pelos três cabos que foram presos, colocaram o rapaz no porta-malas da viatura. Ele só foi encontrado nove dias depois, em 14 de junho, em uma região de mata da comunidade Pau Brasil, no município de São José do Mipibu, a cerca de 30 km de Natal. 

    Conforme as investigações, os três cabos que estavam na viatura que abordou Gabriel por último, apontados como responsáveis por matar o jovem, mantiveram constante comunicação com o sargento que organizava a busca por suspeitos de roubarem seu irmão. Posteriormente, o sargento teria agradecido o apoio dos cabos. 

    Os policiais devem cumprir prisão temporária até, pelo menos, a conclusão do inquérito da Polícia Civil, que deve acontecer em meados de outubro. Serão incluídos no inquérito os laudos periciais e a análise dos dados para finalizar os trabalhos da polícia e encaminhar para o Poder Judiciário.

    Para o advogado Hélio Miguel, que acompanha a família, a prisão dos quatro policiais atende a expectativa, “mas se tem muita especulação e isso causa apreensão” nos familiares. Isso porque, segundo ele, como o caso está sob sigilo, não se sabe o nome dos envolvidos no caso, por exemplo.

    Devido ao sigilo, a Ponte não identificou os policiais militares presos e, portanto, não conseguiu contatar a defesa para se posicionarem.

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