Mulher preta, mãe e professora, Luciana Viegas relatou sua luta pela diversidade no movimento anticapacitista no oitavo episódio do Pluralidades, série de lives da Ponte
Idealizadora do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam, Luciana Viegas mergulhou na luta anticapacitista quando descobriu que ela e seu filho Luiz eram autistas. Ela contou sua trajetória como mulher preta, autista e professora para o repórter Caê Vasconcelos no oitavo episódio de Pluralidades, série de lives da Ponte, que aconteceu nesta quarta-feira (21/4). Luciana também é intérprete de libras e colunista da Revista Autismo.
Ao saber do diagnóstico do filho, ela começou a perceber que também tinha características do autismo desde criança e tinha passado por diversos tratamentos para ansiedade e depressão na adolescência. “A partir disso eu comecei a perceber que, talvez, em algum momento na minha história, eu estaria sendo negligenciada”, afirmou Luciana, que somente aos 25 anos soube que era uma mulher autista.
Vidas Negras com Deficiência Importam
A professora contou que entender-se autista foi um ponto chave na sua trajetória para perceber as violências que passava quando era mais nova. “Conversando com outras mulheres negras, comecei a perceber que nós somos lidas como pessoas agressivas, violentas… tudo, menos autistas”, explicou. Junto a esses questionamentos, ela procurou por referências para entender mais sobre as vivências das pessoas negras com o transtorno do espectro do autismo (TEA). Mas também se deu conta de como o movimento anticapaticista ainda é embranquecido.
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Inspirada nos protestos do movimento negro durante em 2020 após o assassinato de George Floyd nos EUA, Luciana e outros seis idealizadores adaptaram o Black Lives Matter às suas vidas e iniciaram em agosto de 2020 o Vidas Negras com Deficiência Importam. “As pessoas pretas com deficiência no Brasil são invisibilizadas, elas estão dentro de espaços extremamente marginalizados”, reiterou.
O movimento, que irá lançar um manifesto no próximo dia 13/5, pauta o anticapacitismo dentro de uma perspectiva da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e incorpora a luta antirracista, antimanicomial e a luta abolicionista penal. “Nós, pessoas pretas com deficiência, estamos muito vulneráveis a muitas violações de direitos humanos. Elas estão sofrendo dentro de cadeias, manicômios. Se a gente for olhar, a maior parte desses corpos são corpos pretos.”
Mulheres autistas
Luciana encontrou nos movimentos sociais uma forma de se conhecer e descobrir pessoas com histórias parecidas com a dela. A ativista faz parte da Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo), onde encontrou diversas pessoas que também lutam pelo seu espaço na sociedade. “Ainda falta acessibilidade, no contexto geral, além de libras, de braile, além de audiodescrição. Acessibilidade no sentido de entender, por exemplo, o conceito de neurodiversidade, entender a deficiência como parte da diversidade humana”, pontuou Luciana.
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Segundo ela, o autismo ainda é muito estereotipado por estar sempre ligado às pessoas brancas, homens de classe média alta, o que atrapalha até mesmo o diagnóstico de mulheres. “O autismo é um espectro que se apresenta de diversas formas e muitas mulheres são autistas. O que acontece com a gente é que não somos diagnosticadas por uma questão de machismo, sexismo, no sentindo de que nós autistas temos uma característica chamada ‘masking’ [mascarar o que é ou tentar ser o que não é]”, explicou lembrando dos relatos que já ouviu sobre médicos negando o diagnóstico autista às mulheres.
O espectro autista na mídia
Apesar de haver algumas representações de pessoas autistas em filmes e séries, como Atypical da Netflix, Luciana Viegas nota que esse retrato é muito estereotipado e falta essa representatividade feita por artistas negros. Ela conta que se sentiu realmente representada na animação Fitas, da plataforma de streaming Disney +, uma das poucas produções audiovisuais com uma protagonista negra dentro do espectro autista.
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Diferente do que a mídia apresenta, Luciana explica que autistas não são gênios e precisam de apoio. O espectro autista está em diversas pessoas, seja cis ou trans, e se apresenta de muitas formas pelas quais não são retratadas. “Essas representações [da mídia] contribuem para o capacitismo, elas não contribuem para disseminar a história e informações verdadeiras sobre autismo. Elas não ajudam a gente, pessoas que são verdadeiramente autistas, a entender que somos autistas e nos identificar”, afirmou.
Formada em pedagogia, Luciana teve mais atenção à educação inclusiva quando estagiou em uma escola da periferia no Jaraguá, zona oeste da capital paulista, e tinha uma aluna com síndrome de Down. Ativa nas redes sociais, a professora mantém um perfil no Instagram onde compartilha a educação anticapacitista, pensando na transformação desta realidade. Ela conta que palavras capacitistas continuam sendo utilizadas em reportagens jornalísticas pela falta de informação e empatia de quem escreve.
“A gente precisa, primeiro, normalizar as pessoas com deficiência, entender que deficiência não é deficiência, entender que deficiência faz parte da diversidade humana. Depois, a gente precisa entender a acessibilizar a leitura, a escrita, a maneira como é passada a notícia. Quando a gente não dá acessibilidade, a gente não garante direitos básicos de construção das pessoas com deficiência que é o direito à informação. Protagonizar debates, denúncias e a fala das pessoas com deficiência”, pontuou Luciana sobre a inclusão da luta anticapacitista na comunicação e na sociedade.