Túlio Custódio, sociólogo: ‘Mano Brown deveria estar na Academia Brasileira de Letras’

    Pesquisador de subjetividades e trabalho no neoliberalismo, o doutorando em sociologia na USP comentou da paixão pelo rap como música e conhecimento no Papo de Rap, série de lives da Ponte

    O convidado do Papo de Rap da última quarta-feira (29/04) conheceu a cultura hip hop para além das músicas. Túlio Custódio compartilhou suas vivências como sociólogo e amante do rap no sexto episódio da série de lives da Ponte comandada pelo editor Amauri Gonzo.

    Formado em História e Ciências Sociais, Túlio atualmente é doutorando em sociologia na Universidade de São Paulo (USP), com a linha de pesquisa sobre subjetividade no neoliberalismo, e é sócio e curador de conhecimento na Inesplorato. O sociólogo é pesquisador sobre questões de raça, gênero, masculinidades e trabalho, além de assinar textos em veículos como HuffPost, Revista Galileu e Jacobin Brasil.

    O rap esteve presente na vida de Túlio Custódio desde a adolescência, quando passava os dias ouvindo o programa Espaço Rap na 105 FM. A partir disso, a cultura hip hop entrou para sua perspectiva de mundo, em diferentes momentos diferentes da sua vida. “O rap foi no primeiro momento um contato com o mundo, porque eu vivia em Mogi das Cruzes, mesmo sendo num bairro que era tido como periférico, eu tinha uma situação muito restrita da minha vida”, contou o sociólogo. Na época, via os clipes de rap do Yo! MTV, ouvia o rádio, e andava de skate pela cidade descobrindo diversas realidades nas música e nas ruas.

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    Nas idas e vindas que fazia de Mogi das Cruzes para a capital paulista durante a faculdade, escutava Facção Central, Ndee Naldinho e principalmente Racionais MC’s e RZO, grupos de rap nacionais que formaram sua identidade. Túlio diz que seu deslocamento para São Paulo, passando pela zona leste, fez ele se reconhecer na letra de O Trem do RZO. “É a primeira grande referência afetiva da minha conexão com o rap. Tinha um olhar ali que me remetia a ideias, a conexões e traços de realidade, um olhar para aquilo que estava fora de onde eu estava”, comenta.

    Na época que cursou ciências sociais na USP, o rap se apresentou para o sociólogo como um leitor da realidade. Ao participar dos debates sobre questões da classe trabalhadora, percebeu o mundo ao seu redor nas referências das letras de artistas como Cassiano, Tim Maia e Mano Brown. Em um terceiro momento, Túlio passou meses estudando nos Estados Unidos sem deixar de ouvir o rap nacional. O “rap como conexão diaspórica”, como se refere ao período, fez o sociólogo analisar o que estava escrito nas entrelinhas das rimas.

    Rap e masculinidade

    Uma das linhas de pesquisa de Túlio, a masculinidade se refere ao comportamento e ao papel que o homem exerce socialmente. O sociólogo explica que essa discussão é muito atrelada ao capitalismo e, dentro da cultura hip hop, os rappers refletem nas suas letras, performances e estética as representações de masculinidade hegemônica presentes na nossa sociedade.

    “Esse fazer-se homem nesses espaços, que é um espaço colado como denúncia, com olhar para a realidade, com a ideia de superação das condições de adversidades estruturais de racismo, segregação, questões de classe e sociais que essas pessoas estão colocadas, é um empoderamento do macho que é dono da verdade e da razão porque tem dinheiro.”

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    Túlio cita Tupac Shakur, um dos maiores nomes do gênero na história, como exemplo do poderio financeiro exacerbado, fazendo chuva de dinheiro nos clipes. A estética da masculinidade no hip hop se reforçou na virada dos anos 90 para os 2000 e tem ligação direta com as questões raciais. “O capital durante o século XX organiza as relações de trabalho de maneira muito específica, no caso dos Estados Unidos, numa relação de estado de bem-estar social que o homem negro esteve apartado. O dinheiro se torna o lugar direto, claro e explícito da possibilidade de exercer poder”, comenta.

    Segundo o sociólogo, o lugar de status e prestígio dos artistas, com a figura do cafetão e do traficante, os aproximam de um perfil empreendedor e de um discurso neoliberal. Esse estilo se reflete nas músicas, nos clipes e trejeitos de muitos rappers, e muda o discurso de identidade racial. “Não é possível a gente continuar nesse assunto se a gente não tocar na questão do capitalismo, se a gente não tocar na questão do sistema”, pontua.

    Analisando rappers internacionais, o pesquisador percebe como o consumo e autoestima se misturaram nas performances dos artistas. “Esse é um discurso conectado com a masculinidade hegemônica patriarcal de um vencedor só, que é um dos problemas do projeto que se encontra com a racionalidade instrumental do capitalismo, o projeto de um vencedor”, comenta.

    O olhar crítico no rap

    No Brasil, o rap apresentou diversos artistas periféricos em ascensão desde o anos 90. Os Racionais MCs pautaram em suas letras diversas questões presentes na periferia, no dia a dia de pessoas negras e a violência de Estado.

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    Apesar do retrato que a cultura hip hop brasileira apresenta da sociedade, ela ainda é pouco discutida dentro da academia. Segundo Túlio, isso acontece devido à pouca presença de pessoas negras nos espaços universitários e como pesquisadores. Os intelectuais negros estão produzindo em outros espaços, mas não são reconhecidos da mesma forma.

    Mano Brown é um dos rappers que o sociólogo enxerga como intelectuais que não estão necessariamente na academia. “Eu super acho que ele deveria ser reconhecido nesses lugares e, ao mesmo tempo, eu penso em como é difícil a gente estabelecer outros lugares de reconhecimento para a produção que esses caras têm”, afirmou. Para ele, a valorização de artistas que trazem uma reflexão crítica ainda não é suficiente: “o lugar que ele [Mano Brown] deveria estar é com uma cadeira na Academia [Brasileira] de Letras, enquanto letrista”.

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    Artistas que fazem sucesso atualmente, como Baco Exu do Blues, Emicida, Djonga e Kendrick Lamar, são as referências de Túlio como “instrumento de produção teórica da realidade”. Todos eles representam intelectuais, para o sociólogo, com a interpretação do que acontece nas ruas e nas relações da sociedade por meio da música, seja na letra ou na melodia.

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