Chacina na comunidade do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, provocou reação de entidades de direitos humanos. “Massacre desastroso”, diz Daniel Hirata, pesquisador da UFF
Cenas de corpos ensanguentados no chão de casas, nas vielas, nas ruas, a maioria deles negros, tomaram redes sociais durante a operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (6/5). Até a publicação desta reportagem, foram contabilizados 25 mortos e quatro feridos. É a maior chacina ocorrida durante operações policiais no período democrático no estado, de acordo com o Geni-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense).
O grupo enumerou 11 ações que tiveram mais de 10 mortes. Prestes a completar um ano, em maio do ano passado, operação do Bope (a tropa mais letal da PMERJ) em conjunto com a Polícia Civil deixou 12 mortos no Complexo do Alemão, no auge da pandemia. “Consideramos essas as ações mais desastradas no estado do Rio de Janeiro pelo número de mortes decorrentes dessas ações e é muito importante comparar esses massacres porque as operações policiais são ações estatais, não são ações de grupos criminais, de grupos armados, de paramilitares, são ações que têm a autorização política e policial para que ocorram”, explica o professor de sociologia e coordenador do GENI Daniel Hirata.
Desde o início da manhã nem a Polícia Civil nem o Ministério Público Estadual se manifestaram sobre a justificativa da operação. Desde junho do ano passado, liminar deferida pelo ministro Edson Fachin e referendada pelo plenário da corte do STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu operações policiais nas comunidades durante a pandemia da Covid-19, a partir da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. As operações só podem ocorrer em casos excepcionais.
Em abril deste ano, o Geni fez um levantamento em que apontou que a quantidade de mortos por intervenção policial no estado caiu 34% no comparativo entre 2020 e 2019, considerando nesse contexto da determinação do STF. Porém, desde junho de 2020 até março deste ano, o coordenador do Geni informa que 823 pessoas foram mortas em operações policiais. “Foram 150 mortes nos quatro primeiros meses em que havia razoavelmente um cumprimento à decisão do STF. O restante, ocorreu depois [de setembro para este ano]”, afirma Hirata. De junho de 2020 a fevereiro deste ano, foram realizadas mais de 400 operações policiais. Em março deste ano, segundo o pesquisador, foram 40 operações policiais, o que representa mais de uma por dia.
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“Por isso que a situação de hoje é efetivamente dramática”, critica o sociólogo. “É necessário um pronunciamento e eventual responsabilização das autoridades, do governador do estado, do secretário da Polícia Civil e do Ministério Público, que deve realizar o controle externo”, prossegue.
A determinação do STF prevê que as operações policiais sejam comunicadas e justificadas ao MP. “É imperioso que o MP se pronuncie sobre o que justifica no contexto em que o STF determina que só poderiam ocorrer operações em casos absolutamente excepcionais e hoje são mortas 25 pessoas”, questiona o pesquisador.
Entidades repudiaram a operação e exigem que as mortes sejam apuradas com rigor. “É inadmissível que violações de direitos humanos, como as ocorridas hoje, no Jacarezinho, sejam recorrentemente promovidas por agentes do Estado contra a população moradora de favelas que é em sua maioria negra e pobre”, afirma Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.
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A ONG Human Right Watch destacou que é “urgente” que o Ministério Público “garanta a preservação do local dos fatos, a não remoção de corpos sem perícia e o recolhimento de toda a evidência”. “É obrigação internacional do Brasil que mortes decorrentes de ação policial sejam investigadas por um órgão independente e diferente da força policial envolvida no incidente, neste caso a polícia civil”, diz em nota.
De acordo com nota publicada no início da manhã pela assessoria da Polícia Civil, a ação, intitulada “Operação Exceptis”, foi organizada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, com apoio de outras unidades do Departamento-Geral de Polícia Especializada, do Departamento-Geral de Polícia da Capital e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) contra a atuação de traficantes que estariam aliciando crianças e adolescentes para integrar o Comando Vermelho, facção que domina o território.
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Essa é mais uma ação que contabiliza um número já apontado em um levantamento feito pelo Geni, divulgado em reportagem da Folha, em que aponta que as polícias do Rio de Janeiro fazem quatro vezes mais operações em áreas controladas pelo tráfico de drogas do que em territórios dominados pela milícia, considerando o intervalo de junho de 2020 a fevereiro de 2021. Porém, a estatística, segundo Daniel Hirata, não é recente. “Olhando os dados dos últimos 15 anos do Rio de Janeiro, essas ações ocorrem muito mais em áreas controladas pelo Comando Vermelho do que controladas pela milícia”, pontua.
O pesquisador afirma que esse dado reflete “relação com o elevado grau de autonomia que as polícias têm no Brasil no geral e no Rio de Janeiro em particular, o que favorece sobremaneira a atuação de grupos que instrumentalizam as operações policiais em favor de interesses privados, muitas vezes criminais”.
Polícia nega massacre
Em coletiva na tarde desta quinta-feira (6/5), delegados da Polícia Civil afirmaram que agiram dentro da legalidade e que revidaram durante o confronto, alegando que a única execução que aconteceu foi a do policial André Farias, afirmando que as outras 24 seriam de “suspeitos” que estão sob investigação, mas não detalharam a relação das pessoas que foram mortas. “Quem não reagiu, foi preso ou fugiu”, declarou o delegado Antonio Ricardo Lima Nunes.
O delegado Felipe Curi, chefe do Departamento-Geral de Polícia Especializada, que a ação foi “excepcional”, sobre a decisão do STF, já que estavam cumprindo 21 mandados de prisão e que a operação começou às 6h. “Tudo seguiu os protocolos, o Ministério Público foi comunicado, a Justiça expediu os mandados”, declarou.
De acordo com os delegados, seis pessoas foram presas e houve a apreensão de 16 pistolas, 6 fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12. Também disseram que não houve invasão de residências e que “criminosos” que invadiram e a polícia atuou.
A Ponte procurou a assessoria do Ministério Público Estadual, mas não teve resposta. Ao G1, o órgão disse que foi comunicado da operação às 9h. “A Polícia Civil apontou a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação, elencando a ‘prática reiterada do tráfico de drogas, inclusive com a prática de homicídios, com constantes violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades’ como justificativas para a sua necessidade. Indicou, por fim, a existência de informação de inteligência que indicaria o local de guarda de armas de fogo e drogas”, diz a nota
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