Adolescente de 16 anos conta que PMs invadiram sua casa sem mandado e o primo foi agredido e preso quando passou a gravá-los na comunidade, no centro de SP
Moradores da Favela do Moinho, a última favela do centro da capital paulista, denunciaram ação da Rota, a tropa mais letal da PM no estado, na tarde desta quinta-feira (20/5). De acordo com vídeos e relatos recebidos pela reportagem, os policiais apareceram no local por volta das 17h com toucas ninja e sem identificação e também usaram bombas de gás lacrimogêneo contra as pessoas. “Eles apareceram com truculência e agrediram e levaram um homem que estava no bar bebendo quando ele foi gravar a ação”, disse uma moradora à Ponte.
O homem detido é Deilton dos Reis Bispo, de 24 anos. A prima dele, de 16 anos, relatou à reportagem que estava dormindo na sua casa quando acordou assustada com o barulho e viu vários policiais pela varanda. “Os policiais entraram em casa, eu estava sem roupa, começaram a me gravar e não deixava ninguém entrar nem sair, daí o Deilton entrou e começou a gravar eles também”, afirma. “Eles não gostaram que ele começou a gravar e foram para cima dele, puxaram pelas costas, deram o mata-leão, pediram reforço e levaram ele para uma viela e começaram a agredir”, denuncia. O golpe de enforcamento, chamado de mata-leão, foi proibido pela corporação desde julho do ano passado.
Segundo a jovem, os policiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta para afastar os moradores e pegaram o celular de Deilton. Em um dos vídeos, um policial joga uma cadeira de plástico em direção às pessoas que estavam filmando os PMs. “Tinha criança na rua e não quiseram nem saber, jogaram spray, uma menina foi atingida no pé com a bomba”, afirma. Ela conta que em nenhum momento os policiais explicaram por que estavam invadindo a casa dela.
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De acordo com o boletim de ocorrência, Deilton relata que estava num bar bebendo com amigos quando os policiais entraram na casa dos seus parentes sem permissão e que começou a filmar a ação. Ele afirma que ficou “muito alterado e começou a xingar os policias” e que “não havia droga com ele e nem viu entorpecente em momento algum”. Segundo Deilton, os policiais disseram que iam relatar “falsamente” que ele estava portando um revólver e, em seguida, o agrediram e “tentaram desmaiá-lo”, momento em que o jovem mordeu a mão do PM Jackson Lima e foi algemado.
No 2º DP (Bom Retiro), os PMs Jackson Lima e Gabriel Marinho Gonçalves Pereira, ambos da Rota, disseram que estavam fazendo patrulhamento pela comunidade quando viram um homem arremessando “uma bolsa preta por cima de um portão de grade” e fugir em seguida. Eles afirmam que abriram o portão, que estaria destrancado, e encontraram uma bolsa com 62 invólucros de maconha e 52 invólucros de substância semelhante ao crack. Porém, em março deste ano, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendeu que descoberta de drogas não autoriza polícia a entrar em residência sem consentimento e é preciso registrar autorização em áudio e vídeo.
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Os policiais ainda alegaram que começaram a conversar com moradores sobre incidência de tráfico no local e que o homem que teria fugido, que seria Deilton, retornou “liderando um grupo com cerca de 40 pessoas e foi o responsável por incitar as pessoas contra os policiais durante o exercício de suas funções, com xingamentos diversos”, chamando o PM Gabriel de “filhas da puta, policiais de merda”. Nesse momento, afirmam que solicitaram reforço da equipe e que “foi necessário a utilização de granadas de gás lacrimogênio para dispersar as pessoas”.
Em seguida, o PM Jackson foi abordar Deilton e afirma que ele resistiu à prisão e o mordeu na mão e que teve de passar pelo pronto-socorro da Santa Casa.
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Na delegacia foi feita perícia da droga apreendida: seriam 171,2 gramas de maconha e 4,8 gramas de crack. O delegado Kaue Danillo Granatta entendeu pelo indiciamento em flagrante de Deilton por tráfico de drogas e resistência à prisão por ter sido detectada a droga e por ele ter assumido que xingou e mordeu um dos policiais, “ainda que cause alguma estranheza o regresso de Deilton após ter dispensado a bolsa contendo entorpecentes”. Ele foi preso.
À Ponte, o Núcleo de Ações Emergenciais e Defesa de Direitos Ameaçados da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP informou que recebeu chamado dos moradores da Favela do Moinho para acompanhar a ação junto com o ouvidor das Polícias Elizeu Lopes. De acordo com Arnobio Rocha, coordenador do Núcleo, moradores foram ouvidos e foi requisitada presença da Defensoria Pública para acompanhar Deilton na delegacia.
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Segundo a prima de Deilton, o rapaz ficou com o rosto machucado e essa não é a primeira vez que os policiais da Rota fazem ações no local. “Nessa semana mesmo eles apareceram invadindo casas, meu irmão foi agredido e se você tenta filmar, vão para cima”, denuncia.
À Ponte, o ouvidor Elizeu Lopes disse que está formalizando um requerimento à corregedoria da PM, juntando vídeos e os depoimentos dos moradores, para que o caso seja apurado e que a corporação explique por que estava realizando operação no local. “A meu ver é uma ação que não deveria ser feita da forma que foi porque os resultados colaterais acabam rescindindo sobre pessoas inocentes, expondo essas pessoas e também os policiais em plena pandemia”, declarou. “Tivemos notícia de que foi feita uma prisão ilegal que precisa ser apurada e que houve invasão de casas sem mandado e sem autorização das pessoas, sendo que não há nenhum ordenamento que autorize invasão de casas, barracos, em locais de vulnerabilidade social”, prosseguiu.
No final da tarde desta sexta-feira (21/5), em audiência de custódia, a juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli decidiu converter a prisão em preventiva (por tempo indeterminado) ao argumentar que o jovem traria “periculosidade” por ter resistido à prisão, pelo material encontrado se tratar de fato de entorpecentes e que ele havia sido detido por tráfico em janeiro do ano passado e não teria comprovado atividade remunerada e endereço fixo.
Sobre os vídeos e as denúncias de agressão, invasão da PM sem mandado e ter levado o celular de Deilton, a magistrada determinou exame de corpo de delito no rapaz e a apuração do caso. Ela entendeu que inicialmente o uso da força dos policiais “se limitou ao necessário para contenção do
flagranciado”.
O que diz a polícia
A Ponte solicitou um posicionamento para as assessorias da Polícia Militar e da secretaria de Segurança Pública a respeito das denúncias dos moradores e da prisão de Deilton.
A pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem e encaminhou a seguinte nota:
“Um homem, de 24 anos, foi preso em flagrante por tráfico de drogas, na tarde de quinta-feira (20). Durante a prisão, moradores da região investiram contra os agentes e foi necessário o uso de técnicas de controle de distúrbios civis. O homem resistiu à prisão e mordeu um dos policiais, que foi levado ao P.S da Santa Casa para atendimento médico. O indiciado foi encaminhado ao 2º DP, onde foi autuado e permaneceu à disposição da Justiça.”
*Atualização: às 15h14, de 21/05/2021, para incluir posicionamento do ouvidor.
**Atualização: às 19h39, de 21/05/2021, após recebimento da decisão da audiência de custódia.
Correções
*Reportagem atualizada às 15h14, de 21/05/2021, para incluir posicionamento do ouvidor. **Atualização: às 19h39, de 21/05/2021, após recebimento da decisão da audiência de custódia.
[…] FONTECom informações da Ponte Jornalismo […]
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