Homem foi assassinado em motim no Presídio de Varginha em 2018, quando presos quebraram parede da cela e o golpearam na cabeça; desembargadores argumentaram que falta de fiscalização e controle da unidade prisional culminaram na morte
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou o governo do estado ao pagamento de R$ 25 mil de indenização por danos morais para cada um dos dois filhos de um detento que foi morto dentro do Presídio de Varginha durante um motim, em 2018.
A 8ª Câmara Cível também determinou que a jovem de 20 anos e o adolescente de 12 anos recebam, cada um, pensão no valor de 1/3 de salário mínimo, a contar do dia da morte do pai, até completarem 21 anos de idade.
Os desembargadores reformaram a sentença de primeira instância, proferida pelo juiz Paulo Cássio Moreira. Essa previa, além do fornecimento de pensão, o pagamento de R$ 50 mil para cada um dos autores do pedido de indenização. O valor dessa indenização foi reduzido pela metade, sob o argumento que o dano causados aos filhos não era compatível. Por outro lado, mantiveram o reconhecimento de que houve responsabilidade do Estado, uma vez que Reginaldo Ferreira da Silva, 38, conhecido como “Nadinho”, estava sob custódia da unidade prisional no momento em que foi assassinado.
“Assim, o simples fato de um dos Agentes Penitenciários ter indagado ao detento se ele teria inimizade ou rixa com outros presos – e recebido resposta negativa – não é suficiente para afastar a conclusão de que a ineficiência dos mecanismos de fiscalização e controle no Presídio de Varginha foi decisiva para o falecimento da vítima”, escreveu a relatora Ângela de Lourdes Rodrigues.
A Advocacia Geral do Estado (AGE), que representa o governo, argumentou no processo que o Estado não poderia ser responsabilizado por “briga de facções”. “Ora, apesar dos esforços dos Agentes de Segurança de se fazer presente nos focos de maior número de registro de ocorrências, seria impossível acompanhar todos os movimentos dos detentos e amainar ânimos pessoais, não se tratando, nesse caso, de ausência ou falha do serviço por parte dos servidores que trabalham nos Presídios Estaduais”, justificou o órgão público.
Os magistrados argumentaram, tanto na primeira como na segunda instância, a tese de repercussão geral proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) durante o julgamento do Recurso Especial 841.526, na qual a tese é de que “em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento”. Ou seja, o Estado é responsável ao não assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral.
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De acordo com o inquérito da Polícia Civil, Reginaldo cumpria pena no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, no município de Contagem, desde fevereiro de 2017 cujas condenações somaram em 25 anos de prisão em regime fechado em fevereiro do ano seguinte, dentre crimes de receptação, tráfico e homicídio. Em 28 de abril de 2018, ele foi levado ao Presídio de Varginha porque participaria de uma audiência de instrução e julgamento, referente a um processo por tráfico de drogas, na Comarca de Paraguaçu agendada para o dia 30 daquele mês. Porém, a audiência foi cancelada.
A direção da unidade informou que Reginaldo ficou custodiado em Varginha, mas aguardava escolta, já que seria de responsabilidade do presídio de origem, o Complexo Nelson Hungria. Um agente penitenciário que o recebeu disse que o questionou se ele teria problema com algum preso e Reginaldo teria dito que não. O agente informou que o detento ficou dois dias na cela íntima e depois foi encaminhado a cela 02 que seria “a cela que ficam os presos em trânsito e os condenados, pois são mais acessíveis e teoricamente mais seguras”.
Por volta das 23h de 3 de maio de 2018, segundo um informe do presídio, os agentes disseram que ouviram barulhos “semelhantes a quebra de estruturas físicas” e que viram se tratar de “uma briga generalizada” oriunda da cela 02. O texto diz que os agentes foram recebidos com pedras e demais objetos ao tentar conter o motim e que fizeram dois disparos de advertência. Ao menos 10 presos foram identificados nesse tumulto, mas ao menos 45 teriam se envolvido. Com a chegada do diretor geral da unidade, coordenador de segurança e demais agentes, os presos foram retirados e realocados para revista, momento em que visualizaram um corpo embaixo de lençóis e colchão com ferimentos, sendo de Reginaldo. Também havia um buraco na parede que dividia as celas 02 e 03.
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De acordo com o laudo da perícia, Reginaldo faleceu de traumatismo craniano, ao ter sido agredido várias vezes na cabeça com pedaços da parede que foi quebrada. Também tinha sinais de enforcamento e sinais de agressão nas costas, antebraço e perna. No relatório da Polícia Civil, esses presos identificados foram ouvidos, mas ninguém assumiu participação no homicídio e o inquérito foi concluído sem apontar autor do crime. As unidades prisionais enviaram ofício de que teriam “relatos” de que Reginaldo foi assassinado por supostamente ter envolvimento com a morte de um integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital) na cidade de Alfenas.
Outro lado
A Ponte procurou a defesa de familiares de Reginaldo, a AGE e a Sejusp. A primeira não respondeu a tempo dae publicação. A Sejusp se manifestou, dizendo que informações sobre transferências internas de presos e de gestão prisional não são divulgadas por razões de segurança. Também que “presos identificados ou autodeclarados como pertencentes a organizações criminosas são separados dos demais detentos”.