Morte ocorreu no final de 2018 no interior do Mato Grosso. Família criou campanha para acompanhar o caso e criar rede de apoio entre mulheres que sofreram violência doméstica e tentativas de feminicídio
O médico Fernando Veríssimo de Carvalho será julgado nesta quarta-feira (10/11) em Rondonópolis, interior do Mato Grosso, acusado de matar a namorada, Beatriz Milano, que estava no quarto mês de gravidez. O crime ocorreu em novembro de 2018 e desde então a família da vítima vem fazendo uma campanha para mobilizar e apoiar pessoas e parentes vítimas de violência doméstica e feminicídio.
Fernando foi detido semanas depois da morte da namorada e está preso na cidade matogrossense. Ele foi capturado pela polícia na casa dos pais, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Do dia em que se conheceram até a morte da jovem de 27 anos, o casal passou apenas 11 meses juntos.
Por conta do trabalho, Beatriz morava sozinha no litoral de São Paulo, enquanto o resto da família vivia na capital paulista. Ela conheceu Fernando em dezembro de 2017 e logo os dois passaram a namorar. “Era uma relacionamento muito intenso e muito tumultuado desde o início. Ela era uma pessoa muito independente e estava apaixonada por ele. Hoje a gente consegue perceber que o Fernando já era uma pessoa desequilibrada”, comenta a madrinha de Beatriz, Cilene Marcondes.
De acordo com os parentes da vítima, seis meses depois do início da relação, o casal separou-se após uma briga onde Fernando teria tentado agredir Beatriz. Nesse mesmo período, a veterinária foi transferida pela empresa onde trabalhava e foi morar em Rondonópolis. Pouco tempo depois de chegar na cidade, ela descobriu que estava grávida. “O sonho da Beatriz, desde criança, sempre foi ser veterinária e ser mãe”, conta a madrinha.
Ao saber que a ex-namorada estava grávida, Fernando chegou a questionar se ele seria realmente o pai, mas depois teria demonstrado muita felicidade com a notícia. O médico pediu a Beatriz que pudesse acompanhar a gestação em Rondonópolis. Nesse momento, segundo a família da vítima, eles reataram o namoro e pouco tempo depois estavam morando juntos. “Ela estava sozinha, grávida e em outro estado. O Fernando fazia um jogo psicológico com ela muito cruel”, relata Cilene.
“A gente não teve tanta intimidade para ter um julgamento sobre essa pessoa. Mas era inimaginável que chegaria a esse ponto. A gente tinha entendido que essa relação não era tão legal”, diz Bárbara Milano, irmã de Beatriz.
Os familiares contam que Fernando voltou uma época para Ribeirão Preto para contar aos seus pais sobre a gravidez da namorada. Quando retornou a Rondonópolis, depois dessa viagem, ele teria mudado de comportamento e passado a ficar mais desinteressado em relação ao bebê. “Ela mandava mensagens para mãe comentando sobre essas mudanças de humor do Fernando que deixava ela muito preocupada”, revela Cilene.
No dia 23 de novembro de 2018, data em que comemoravam 11 meses de relação, Fernando levou Beatriz para jantar e a pediu em casamento. No depoimento que a polícia deu, o médico diz que ao chegarem em casa, os dois teriam discutido por questões financeiras. A namorada teria ido dormir e ele ficou bebendo até às três horas da manhã. Ao voltar ao quarto, diz ter percebido restos de vômito na boca e nas mãos da companheira.
A princípio, a causa da morte foi dada como não identificada. Fernando chegou a ir, junto com o seu pai, para o velório de Beatriz. Poucos dias depois saiu o laudo da perícia feita no corpo da vítima. “Morte provocada por “traumatismo crânio encefálico causado por instrumento com ação contundente”, descreveu no documento o médico legista Márcio Landi.
O laudo e o testemunho do perito são as principais provas que o Ministério Público do Mato Grosso usará na acusação contra Fernando, afirmando que ele se utilizou dos conhecimentos de medicina para golpear Beatriz em pontos específicos da cabeça que não deixassem sangramentos ou hematomas que pudessem comprovar que ela foi morta de forma violenta e não natural.
A Ponte procurou a defesa de Fernando, mas não teve contato até a publicação desta reportagem.
#PorTodasAsBias
Diante da tragédia, a família e amigos de Beatriz Milano lançaram a campanha #PorTodasAsBias, movimento que busca acolher e dar voz para vítimas e parentes de pessoas que sofreram violência doméstica ou morreram por conta do feminicídio. “A gente usar o caso da Bia como exemplo significa não ter medo ou se humilhar na condição de vítima. Quando a gente expõe isso, trazemos uma pauta importante da questão de gênero”, explica Bárbara Milano.
“Tenho recebido muitos relatos fortes de pessoas que sobreviveram a tentativas de feminicídio. As histórias e as imagens são sempre muito dolorosas. Todas essas mulheres têm um desejo angustiante por justiça”, relata a irmã de Beatriz Milano.
Foi aprovado em maio deste ano, na Câmara dos Deputados, que o feminicídio passe a figurar como um tipo específico de crime no Código Penal, aumentando a pena mínima de reclusão de 12 para 15 anos.