Artigo | Mulheres egressas do sistema prisional debatem punição, gênero, raça e classe em curso universitário

Em encontros virtuais, alunas com passagens por penitenciárias femininas de todo o país discutem o dia a dia no cárcere, participam de oficinas de escrita e práticas jurídicas, compartilham experiências sobre trajetórias de vida e se aproximam de universidade pública

Imagem da Cadeia Pública de Franca (SP), em 2016 | Foto: Divulgação do filme “Amor Só de Mãe”

A percepção de Elani de Sousa Moreira é de que mulheres são rotuladas como “sexo frágil” mesmo tendo de acordar às 5h, pegar ônibus lotado, frequentar reuniões escolares, educar e criar filhos. Já Rosely Toledo de Souza diz que lutou contra o abandono, o uso de drogas e a exclusão para conseguir contar sua história. Tempestade gosta de se lembrar de como ajudava outras mulheres presas em São Paulo a denunciar precariedades de uma penitenciária feminina da capital por meio de cartas.

Os três relatos têm em comum o fato de terem sido compartilhados em um curso universitário sobre punição, classe, raça e gênero para mulheres egressas do sistema prisional e familiares de pessoas que passaram pela prisão em todo o país.

Coordenado pela professora da Universidade Federal do ABC (UFABC), a socióloga Camila Nunes Dias, o curso “Educação Transforma, Liberta e Emancipa Vidas” tem 30 alunas inscritas que se reúnem quinzenalmente para debater temas como punição, raça, classe, além de participar de oficinas de escrita jornalística e práticas jurídicas. “Os encontros buscam colocar a universidade como uma realidade para essas mulheres e um caminho para que possam continuar estudando”, afirma a coordenadora. “Muitas têm trajetórias marcadas por um distanciamento em relação à educação. Do ponto de vista simbólico e como um horizonte de possibilidades é muito impactante.”

Nova consciência

Dividido em oito encontros virtuais, o curso, que teve início em julho, é organizado por alunos de graduação, pós-graduação professores e pesquisadores da UFABC. Para a coordenadora da cooperativa de costura Libertas, voltada para mulheres que vivenciaram o dia a dia no cárcere, Geralda D’Ávila, a informação pode transformar vidas.

“Isso é um marco, é a oportunidade que elas precisam, o único caminho para mudar”, afirma. “O abolicionismo penal se constrói dessa forma, munindo as pessoas de conhecimento. Falar sobre direitos é muito importante porque o cárcere é um ambiente muito obscuro.” A aluna do curso e representante do coletivo Nós Por Nós, Batia Jello, ressalta que mulheres que passam pelo cárcere enfrentam uma série de discriminações que as impedem de acessar a educação. “Para nós, mulheres pretas e periféricas, a comunicação e a leitura sempre foram proibidas. Esse tipo de formação é o que estamos esperando há muitos anos.”

O perfil das alunas é composto tanto por mães de pessoas privadas de liberdade quanto por mulheres cujos companheiros cumprem pena no sistema prisional. “A maioria tem filhos e mora majoritariamente em áreas periféricas em São Paulo e em outros estados. Muitas poderão ter novas percepções sobre os lugares que ocupam, vontade de fazer mais e continuar estudando”, afirma Camila.

É o caso de Elani, que, ao longo das aulas, passou a ter uma nova consciência sobre a divisão sexual do trabalho. “Nós, mulheres, somos responsáveis por educar, criar e responder por nossos filhos, muitas vezes, fazendo o papel de pai e mãe. Somos o sexo frágil que acorda às 5h para pegar um ônibus lotado, se desdobrar para ir em reuniões escolares, consultas dos filhos, lutar por direitos e provar que somos mais fortes do que muitos homens”, diz. “É uma luta diária para vencermos o machismo da nossa sociedade.”

A coordenadora do curso explica que as alunas não tiveram dificuldades para compartilhar problemas ou experiências dolorosas nos encontros. “Elas trouxeram relatos ligados aos temas de violência doméstica, gênero, racismo. Houve uma identificação quase imediata com as aulas, não houve dificuldade em relacionar os assuntos trabalhados com as trajetórias de vidas”, diz Camila. “Em uma das aulas, uma das alunas comentou que leu o texto sobre gênero e começou a discutir dentro de casa pela primeira vez.”

Segundo a professora, outra participante relatou que aprendeu a palavra racismo durante a aula. Ela contou, explica a coordenadora, que, ao pegar ônibus, muitos veículos não paravam para ela e, por isso, começou a pensar em estratégias para conseguir usar o transporte como a roupa que deveria usar e o bilhete único sempre nas mãos. “Na aula, ela relacionou essa situação ao racismo. Para muitas dessas mulheres as discussões abrem os olhos, revelando significados para experiências que antes não eram percebidos.”

Classe, raça e gênero

Se até pouco tempo as discussões sobre feminismo interseccional estavam mais disseminadas entre movimentos sociais, intelectuais e pesquisadores universitários, o curso propôs levar a discussão às egressas do sistema prisional.

A economista e professora da UFABC, Josiane Brito, afirmou que a aula sobre classe social e punição contribuiu para evidenciar as origens e razões das desigualdades. “Esse entendimento nos permite identificar nosso lugar no mundo, enquanto corpos marcados pela classe, raça e gênero, desconstruindo discursos hegemônicos e mostrando que o estado de coisas em que vivemos não é natural e pode ser mudado.”

Com isso, as alunas compreenderam como a criminalização está relacionada às classes sociais. “O tráfico não é criminalizado de ponta a ponta, é criminalizado por setores, atravessado por questões econômicas e políticas”, disse Cynthia Corvello. “Quem está preso são aqueles que estão na base, em funções subalternas. As mulheres sempre ocuparam essas posições. No presídio, elas têm um menor acesso aos direitos. A prisão tem classe e raça”, afirma.

Ana Paula relata que durante a infância foi vítima de violência doméstica, sexual e diversas discriminações. “Perdi minha mãe aos 13 anos e fui entregue a uma família. Meu pai achou que por eles terem me batizado, seriam bons para mim. Foi uma das experiências mais tristes da minha vida”, lembra. “Criei algumas regras de defesa e de sobrevivência. Uma nova família me acolheu: o mundo do crime. Logo passei a traficar.”

Tempos depois, seu ex-companheiro foi preso. “Eu tive que segurar o rojão sozinha”, diz. Foi então que começou a consumir uma quantidade ainda maior de drogas. “Foram anos de escuridão, uma luta entre quem eu era e quem estava me tornando.”

Somente quando se viu diante da necessidade de cuidar do filho, conseguiu deixar o tráfico e o consumo. Ainda assim, relata ter enfrentado preconceito e discriminação para conseguir um emprego. Hoje, cursa o 7º ano da faculdade de Serviço Social.

“Eu sonhava com isso, mas achava que por ter vivido tudo o que vivi jamais poderia conquistar”, afirma. “Apesar das lutas, me considero uma mulher de sorte, gosto de ser quem eu sou, tenho muitos planos, meus filhos sentem orgulho da minha história. Lutei contra o abandono, o vício e a exclusão e hoje estou contando minha história.”

Para a socióloga e doutora em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC Rosângela Teixeira, compreender como o gênero estrutura o sistema prisional ajuda as alunas a ressignificar suas experiências e criar estratégias coletivas de enfrentamento.

Escrever para resistir

A experiência das mulheres no cárcere, explica ela, é marcada por práticas diferentes daquelas vivenciadas por homens. “As vivências nos presídios femininos são caracterizadas por hipermedicalização, menor tempo para a visita íntima, entrada de agentes do sexo masculino na presença do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) em São Paulo, entre outros aspectos”, diz. “Entender como o aumento exponencial do encarceramento de mulheres, que vêm apresentando maiores taxas do que para os homens, origina-se a partir de práticas patriarcais opressivas é fundamental.”

No sistema prisional, a escrita é uma poderosa ferramenta para as mulheres narrarem o que observam no dia a dia das unidades.

Para a aluna Tempestade, como gosta de ser chamada, escrever cartas é um caminho para sobreviver à prisão. “A escrita dentro do sistema é a maior resistência que existe”, diz ela, que, enquanto cumpria pena, passou a escrever para mulheres presas que não haviam sido alfabetizadas. “Dentro do cárcere a comunicação com o mundo exterior é por carta. As cartas são uma visita, são aguardadas todos os dias, à noite. Elas servem para denúncias. Através de uma carta que escrevi, a juíza autorizou a entrada da Defensoria Pública no sistema. Em menos de dois meses, a Defensoria fez um mutirão.”

Para Tempestade, que participou da oficina de escrita jornalística e artística, as cartas ajudam a aliviar a dor. “Você pode ler e reler várias vezes… o papel, a letra, o perfume. (Elas) passam sabonete nas folhas, fazem desenhos, corações e borboletas, muito carinho. Isso a tecnologia não traz nas visitas remotas”, explica ao se referir aos encontros virtuais que ocorreram no estado de São Paulo durante o período de restrições sanitárias em decorrência da Covid-19.

Conhecimento sobre direitos 

Além da escrita, Tempestade acredita ainda que a presença de profissionais como psicólogos, assistentes sociais e advogados ajudaria pessoas privadas de liberdade a conhecerem seus direitos. Pensando nisso, o curso da UFABC organizou duas oficinas de práticas jurídicas.

“Dúvidas relacionadas à política de drogas no país apareceram de forma constante. A primeira é a forma como se decide o que é tráfico e o que é o consumo, e a segunda em relação às multas”, diz Alice Quintela, advogada e professora do curso. As multas decorrentes da lei de drogas, explica ela, são elevadas e podem ter seu valor multiplicado em até dez vezes.

“O não pagamento faz com que a pessoa privada de liberdade não recomponha seus direitos jurídicos, impedindo o exercício da cidadania política por completo, muito embora já se tenha cumprido a pena privativa de liberdade”, afirma Alice. “A pessoa sai pela porta da frente da penitenciária, mas enfrenta dificuldade em tirar documentos, como carteira de trabalho, encontrar um emprego registrado. Então, a cidadania acaba ficando como de ‘segunda categoria’.”

Pensada para potencializar conhecimentos e dar condições de argumentos para mulheres que viveram em situação de cárcere, a oficina uniu estudos jurídicos aos relatos e experiências de vidas das participantes.

“Elas sabem muito bem como a polícia se comporta, como o juiz vai lidar com determinados tipos de réus. Esse conhecimento é intuitivo por parte delas, o que queremos é tentar aumentar a caixa de ferramentas teóricas, ajudando na construção conceitual e tirando dúvidas sobre algo cotidiano”, explica a advogada. “Assim, consequentemente, elas poderão enfrentar processos pessoais, familiares, realizar defesas e demandar seus advogados.”

Ajude a Ponte!

Para a coordenadora Camila, a universidade pública deve encontrar meios de chegar às populações vulneráveis. “É fundamental mostrar as potencialidades que essas pessoas podem encontras no ambiente universitário”, diz.

Um dos momentos mais marcou a professora durante as aulas foi o relato de uma das alunas, vítima de racismo por parte da polícia. “Ela disse que havia sofrido uma abordagem e que, quando o policial viu uma mensagem referente ao curso no celular dela, questionou, e diminuiu a violência. A partir desse relato, fizemos uma declaração oficial de matrículas”, lembra Camila. “Nós, que estamos em vidas mais estáveis sequer imaginamos como é ter o celular revistado por autoridades, percebemos a dimensão da vulnerabilidade dessas pessoas.”

Para a aluna Tânia Souza o curso tem ajudado a entender, sobretudo, o que são diferenças e violência de gênero. “Abriu bastante a minha mente e me mostra as desigualdades, as corridas das nossas vidas.”

Leia a produção de algumas das alunas

Tchau amore…

Eu fui presa em outubro de 1998. Era um dia lindo, quente. Usava um vestido cor de avelã, que comprara no mesmo dia pois dormira fora de casa e ainda usava a roupa do dia anterior. Na noite que antecedeu minha prisão, materializou-se na minha pele um romance iniciado semanas atrás. Meu corpo, marcado pela noite com ele, guardava vestígios de um amor incrível que me acompanharia – na modalidade solo/abandono – para dentro das grades. 

Quando eu fui presa eu sabia que iria morrer – de certa forma sempre se morre entre grades. Eu desci as escadas para o andar térreo do shopping onde trabalhava como quem caminha em um cadafalso e observei, por alguns segundos, com a respiração entrecortada, os policiais que me aguardavam na filial da loja onde trabalhei por meses. Minhas pernas me levaram a eles, estava cansada de fugir.

Eles me levaram a um carro. Me lembro que ofereceram um lanche de uma grande rede de fast food avisando que estava sendo encaminhada a uma delegacia e poderia demorar, sendo melhor que me alimentasse. Estranho imaginarem que algo poderia passar pela minha garganta… nem o ar conseguia passar. Eu observava a paisagem pela janela sabendo que era uma despedida. Eu ouvia o que eles diziam e aquilo ricocheteava na minha cabeça e não assumia um sentido. Eu pensava na minha mãe e no meu pai. Pensava na minha mãe e no meu pai e em seus corações que seriam partidos. Pensava na minha mãe, seu sorriso desaparecendo e dando lugar ao pranto. Pensava no meu pai, seu rosto tornando-se púrpura e a raiva explodindo por todos os poros. Pensava na minha irmã, minha carne e alma. Pensava na minha irmã aflita, com as mãos trêmulas e o peso no peito. Pensava no meu sobrinho. Raio de sol, luz da minha vida que surgira há pouco tempo – meu único sobrinho. Pensava nas descobertas que eu iria perder, nos primeiros passos que eu não iria testemunhar. Desejei morrer na carne, porque o peito falhava e alma se despedia.

No IML, desnuda, tive o corpo percorrido pelo olhar DELES. Violada pelo olhar… Deboche sobre meu corpo… insinuações de futuros possíveis estupros na cadeia….

Enfim, me encaminharam à primeira jaula em uma delegacia em São Paulo. Uma cela pequena com 28 mulheres e 6 pedras. Dormi de valete na pista, em frente ao banheiro, entre uma senhora que morria de câncer e uma mulher com escabiose e pediculose. Isso é o que os cientistas sociais chamam de conviver com corpos contaminados. Ela exalava morte. Seu hálito nos avisava que logo ela partiria. Suas dores, vômitos com sangue, olhos fundos e tez amarelada não produziam nenhum movimento por parte dos carcereiros. As mulheres presas – bandidas, proscritas e amaldiçoadas pelos homens de bem – cuidaram do corpo que, em vida, apodrecia. Somente após ela sofrer uma crise extrema e suas parceiras de cela ameaçaram de denunciar o abandono da mulher pelo Estado é que houve a internação… ela se libertou com a morte.

Quinze dias nessa jaula. Regras rígidas, ânimos explosivos, relações delicadas. Quinze dias de aprendizado. Quinze dias até uma transferência para o Ceará. Transferência não comunicada, no final de semana. Quinze dias nessa jaula e a certeza de poder confiar nas parceiras de cela para avisarem a minha família sobre essa súbita transferência. Na cadeia é assim: Você precisa confiar na sua parceira, ela pode te salvar ou te matar. É quem te socorre se passar mal depois da tranca, é quem pode te matar depois da tranca. Minhas parceiras na jaula de quinze dias me salvaram, dividiram seu colchão, seu pão e feijão. Me acalmaram, me ensinaram as regras da cadeia. Me ensinaram o valor do coletivo, do cuidar da outra. Contaram suas histórias, aguentaram meu pranto e meu silêncio. Descobri que a jaula não foi onde passei quinze dias ou onde vivi os anos que se seguiram enquanto presa, de fato, as feras estavam/estão soltas e circulavam/circulam além dos muros. 

Cynthia Corvello


Dentro do cárcere

Dentro do cárcere a comunicação com o mundo exterior é as “cartas”.

As cartas é uma visita, são aguardadas todos os dias à noite.

As cartas servem para denúncias; através de uma carta que escrevei, quando estava na cadeia da Penitenciária Feminina de Santana, para a juíza autorizar a entrada da defensoria pública no sistema (…).

Menos de dois meses a defensoria fez um mutirão na P.E. de Santana.

Acredito que cartas, são muito importantes, principalmente no cárcere. Elas aliviam as dores, você lê e relê várias vezes… o papel, a letra, o perfume… Passam sabonetes nas folhas… fazem desenhos lindos, corações e borboletas… muito carinho.

Isto a tecnologia não traz que são as visitas remotas…

Atenciosamente,

Tempestade

21/08/2021

* * *

Desde que o mundo é mundo sempre o gênero masculino “dominou”.

As mulheres sempre olhadas como parideiras e objeto sem lugar e palavras.

Quanto a trabalho sempre ganhando menos em cargos que o homem ganham sempre mais.

A luta feminista se fortaleceu com a mulher votando, ocupando cargos que somente homens ocupavam.

Até o dia de hoje existe estas discrepâncias entre homens e mulheres.

Nos cárceres mulheres são abandonadas… Vemos até as visitas são raras. Direitos entre homens e mulheres nunca são respeitados.

No cárcere a palavra final em qualquer lugares são deles.

LGBTs são torturadas pelo fato de seguir outra opção sexual, discriminados nos tratamentos médicos (dificuldades para conseguir ir para um hospital da rua)

A aproximação de educação e cárcere é muito importante.

Acredito que se consegue resultados melhores se colocarem a educação dentro do cárcere.

Vejo esta luz no fundo do túnel colocando profissionais como: psicólogos, assistentes sociais, advogados(as), nutricionistas, médicos, dentistas…

Tratando o indivíduo de privação de liberdade como um ser humano que tem direitos dentro do cárcere.

Abrindo as portas da prisão para estes profissionais e estudantes do último ano de seus cursos interromperiam as torturas veladas dentro do sistema.

* * *

Dentro do cárcere o direito trabalhista é negado.

As firmas não registram a pessoa. Tem um trabalho escravo e ganham menos que 1 salário.

Firmas que aqui fora nem existe. Por exemplo: fazer bandeirinhas, costurar bolas, apertar parafusos.

Toda esta mão de obra, durante anos, quando ganha-se a liberdade onde encontraram trabalho semelhante pois não tem profissão.

Algumas prisões tem alguns cursos, com números reduzidos de vagas, mas é como uma gota no oceano.

O estado tem obrigação com a massa carcerária.

Tempestade (Regina Magda Becker)


Sempre Mulher

O que foi refletido, estudado?
Feminismo, mulher, moça, rapariga senhora
anciã?
O que queremos?
Respeito, proteção que nos foi fraudada?
Desfrutamos de beleza, charme
Somos mulheres de reprodução
Então…por que tratamento repressor, na prática e teoria?
Se na estatística somos maioria?
Mulheres encarceradas, reprimidas,
enfrentando racismo, sexismo, solidão
Duras penas a cumprir, de suas ações e decisões
Mas você mulher jamais exclui do seu coração
Aquela antiga e deliciosa paixão.

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Fazer parte do Grupo “Educação que liberta” é transitar nos corredores da dor, do amor, da solidariedade, da troca de aprendizado.

É sentar na cadeira dos oprimidos, excluídos, daqueles que perderam o sofá familiar viajaram nos devaneios, fábulas e ficção na busca de um futuro promissor. O mundo evolui se transforma a cada momento, todos conectados ao mundo digital/tecnológico, todavia falta o componente educação e as oportunidades de ressocialização.

Encarceramento sentimento de Segurança para a sociedade?

Liberdade na decisão dos legisladores, contradição social.

Nosso comportamento a adotar é não nos conformar, é lutar, questionar se fazer ouvir, e imitar os incansáveis percursos das formigas, é seguir as revoadas dos gafanhotos … mesmo sem um líder conseguem alcançar seus objetivos.

Rosely Toledo de Souza


Nós, mulheres

As mulheres que estão no cárcere sentem a diferença e até mesmo a exclusão de seus direitos ou ausência deles. Pois as visitas são completamente diferentes das visitas masculinas a qual o homem tem o direito a visita íntima e a família acesso a políticas sociais e públicas. No caso das mulheres podemos analisar alguns fatores sobre a dificuldade em acessar essas políticas uma vez que sua família em alguns casos não tem o direito ao auxílio reclusão, a dificuldade para aquelas que recebem bolsa família enquanto estão no cárcere não tem como continuar recebendo e não podem nomear algum parente para receber.

Mulheres as quais quando estão libertas não somente das cadeias físicas, mas também das cadeias que aprisionam o corpo, pois muitas delas se prostituem para conseguir o sustento da família, outras como em alguns relatos e fala de nossas companheiras acabam se envolvendo com o tráfico por amor ou necessidade.

Quando reconhecem a importância da luta por nós mesmas um leque de informações se abre, uma luta diária persiste dentro de cada uma para que venha vencer o machismo da nossa sociedade.

As desigualdades dos cargos exercidos, exercemos a mesma função mas o salário é absurdamente inferior.

Nós mulheres rotuladas como sexo mais frágil somos responsáveis por educar, criar e responder por nossos filhos muitas vezes fazendo o papel de mãe e pai. Sexo frágil que acorda as 05:00 da manhã pega um ônibus lotado, trabalha se desdobra para ir em reuniões escolares, consultas médicas dos filhos, estudar para lutar por seu direitos e principalmente provar que somos mais fortes do que muitos homens porque não abandonamos o barco quando ele aparentemente está afundando.

Elani de Sousa Moreira


RELATO

Escolher apenas um momento parece-me injusto com toda minha vivência, gostaria então de tentar fazer uma linha do tempo para que talvez pudesse falar sobre esse momento atual, que considero um dos mais sonhados e ao mesmo tempo desafiador.

Nasci em uma família humilde, meu pai pedreiro, nordestino, analfabeto e alcoólatra, minha mãe também nordestina e como a maioria das mulheres, sofria com o patriarcado, sobre o julgo do marido agressivo, apesar de todo sofrimento, ela tinha sonhos e mesmo com 11 filhos, fez mobral e aprendeu a ler e escrever, ela amava os livros, pena que a Bíblia era o livro que mais acessava. Nesse contexto eu cresci, era caçula dessa família, não foi uma infância fácil, violência doméstica e sexual, dificuldades para alimentação, brinquedos e roupas era muito luxo para essa família. Perdi minha mãe aos 13 anos de idade, fui entregue a uma família, meu pai achou que por eles terem me batizado seriam bons para mim, eu não fiquei lá, foi uma das experiências mais triste da minha vida, ser entregue a uma família cujo você mal convivia, logo após ter se tornado órfã de mãe, não é brincadeira.

Aos treze anos tive que aprender a cuidar de mim mesma, então criei algumas regras de defesa e de sobrevivência, ser valentona causa medo nas pessoas, achei essa regra boa, assim ninguém mexe comigo e assim fui aprendendo de certa maneira a sobreviver.

Uma nova família logo me acolheu, o mundo do crime, passei a traficar, arrumei um namorado que usava drogas e logo passei a usar também, engravidei duas vezes ele foi preso, eu tive que segurar o rojão sozinha, logo ele contraiu HIV, morreu algum tempo depois que saiu da cadeia, por Deus eu e meus filhos, não contraímos.

Tudo que é ruim piora quando se torna dependente químico, eu usava cocaína e através de uma colombiana que eu nunca tinha visto na vida, conheci as pedras o craque, aí já era, só ladeira abaixo. Foram anos de escuridão, uma luta entre quem eu era e quem eu estava me tornando. Meus filhos, principalmente o mais velho era tudo que eu mais amava na vida, e o conflito interno entre o vício e o amor estava intenso dentro de mim.

Um dia tive uma overdose, meu filho estava dormindo acordou com os gritos dos meus irmãos me socorrendo, eu ouvia a vozinha dele “ELA é minha Mãe” eu pedi pra Deus, “não deixa eu morrer na frente dele, eu juro nunca mais usarei isso” acho que ele me ouviu, nunca mais usei. Posso afirmar com toda certeza do mundo, não é fácil lutar contra o vício, arrumar um emprego então! existe um mundo cruel que julga muito, mas não dão oportunidade para pessoas como eu. Poderia parar aqui, mas eu tenho outras coisas que marcaram minha vida, consegui parar com as drogas arrumei um trabalho, bem subalterno e consegui dar sustento aos meus filhos.

Conheci um rapaz, engravidei novamente, não foi gravidez planejada mais apesar de estar pensativa se levaria a gravidez adiante resolvi assumir essa nova fase, nasce uma menina linda eu estava tão feliz, pela primeira vez, parecia que eu estava brincando de boneca. Quando minha filha completou de 10 para 11 meses, pegou sarampo e faleceu, eu nunca senti tanta dor, pensei que morreria também, e a vida ficou muito difícil outra vez.
Arrumei um trabalho de balconista em uma lanchonete e com muita tristeza na alma ia vivendo, até que engravidei outra vez, nasceu outra menina, quase no mesmo dia e mês da minha filinha que faleceu, eu fiquei tão feliz, a vida voltou a ter cor.

Eu tinha medo de perder ela também, então eu só trabalhava em coisas que podia ficar perto dela, voltei a estudar, tinha parado na quinta série, terminei o ensino médio, fiz curso de cabelereira, tirei habilitação, tudo com ela ao meu lado, levava até para escola comigo, escondia ela na biblioteca com a ajuda dos colegas de turma.

Mas a vida é assim, quando tudo parece estar indo bem, eis que surge mais um problema, meu filho do meio passou a usar drogas, desde bebezinho fora criado pela avó paterna, trouxe-o para ficar comigo, mas logo ele se envolveu com uma turma e lá se foi pela primeira vez para fundação casa.

Claro que parei de estudar e me dediquei a lutar por ele, mas tudo foi se complicando, cada vez que saia da fundação casa não demorava e já voltava outra vez, até passar maior de idade e ir para cadeia, viciado em craque, já passou por diversas internações e hoje encontra-se preso no interior de São Paulo.

Meu filho mais velho e minha caçula, nunca tiveram envolvimento com nada disso, o mais velho a três anos foi embora pra França é yotuber, um filho tão amoroso eu acho que toda mãe merecia um filho desse, a mais nova é meiga, uma criatura maravilhosa, se formou em Farmácia em 2020, tão carinhosa, eu só posso agradecer a Deus, afinal, lembra como essa história começou? Tudo isso para dizer que: Depois de um processo doloroso de uma traição, meus dois filhos o mais velho e a mais nova me deram um apoio gigantesco e hoje estou cursando o sétimo semestre do curso de Serviço social, eu estou terminando a faculdade!! eu sonhava com isso, mas não tinha coragem, achava que por ter vivido tudo o que vivi, jamais poderia realizar esse sonho. Hoje escrevendo esse relato, eu me emocionei muito, relembrar tudo isso é doloroso, o meu filho do meio ainda está preso e nosso objetivo é conseguir ajudá-lo, para que nossa família possa seguir feliz e completa.

Enfim concluo que; cada etapa da minha vida, de alguma forma contribuiu para formar quem eu sou, me considero uma mulher de sorte, apesar das lutas eu sou feliz, gosto de ser quem eu sou, tenho muitos planos, meus filhos sentem orgulho da minha história, nunca escondi nada deles, eles são tudo de mais valioso na minha vida. Lutei contra o abandono, o vício, a exclusão e hoje estou aqui, contando minha história.

Ana Paula Aragão


A grafia e formatação original das obras foram integralmente respeitadas

(*) Fabíola Perez, jornalista, faz parte da equipe executora e é professora do curso Educação Transforma, Liberta e Emancipa Vidas

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