PM de folga mata jovem na zona sul da cidade de SP

Policial diz que foi chamado por amigo para ajudar em um caso de acidente de trânsito. “Está tudo mais difícil depois que ele morreu”, diz mãe de Ronald Evangelista

Ronald Evangelista, de 21 anos, morreu após ser atingido por três tiros dados pelo policial militar Davi Sales Peres | Foto: Arquivo pessoal

Ronald Evangelista dos Santos, de 21 anos, morreu após ser atingido por três tiros dados pelo policial militar Davi Sales Peres, 24 anos, no final da noite do dia 28 de novembro. Esse foi o desfecho trágico de uma história que, segundo consta no boletim de ocorrência lavrado pelo 16º DP (Vila Clementino), teve início com um acidente entre dois veículos ocorrido na rua Madre Emilie Villeneuve, na Vila Santa Catarina, zona sul da capital paulista.

Após colisão entre um Chevrolet Celta e um Honda Fit, que tinha sido roubado no mesmo dia, os ocupantes do segundo veículo teriam fugido do local. Dois homens teriam descido do carro e fugido a pé, enquanto um terceiro fugiu conduzindo o automóvel. O proprietário do Celta, Gabriel Lucca Santos Marcolino, 20 anos, ligou para o irmão, Samuel Abner Santos Marcolino, de 25 anos, para informar do ocorrido. Segundo o depoimento de Samuel, o PM Davi Sales estava junto com ele no momento em que recebeu a ligação e os dois foram juntos até o lugar onde aconteceu o choque entre os carros.

Ainda segundo o documento, Gabriel entrou no carro do irmão e juntamente com Samuel e Davi passaram a fazer buscas pela região atrás do veículo e das pessoas envolvidas no acidente de trânsito. Em meio à procura, o trio encontrou a policial militar Natali Silveira da Silva, que estava de moto voltando para casa depois de um dia de trabalho, diz o BO. Questionada por Davi se tinha visto o Honda Fit ou algo diferente na região, informou que viu dois homens suspeitos dentro de um carro roxo.

Em seu depoimento na delegacia, Davi disse que depois de receber a informação de Natali, mesmo de folga, continuou a fazer a busca pelos homens e ligou para o soldado PM Rocha para pedir apoio. Ainda de acordo com o relato de Davi, cinco minutos depois deste contato com o policial ele se deparou com o Corsa roxo onde estava Ronald junto com um adolescente.

Segundo a sua versão, ele desceu do carro onde estava e caminhou até o outro veículo, quando Ronald teria descido com uma arma na mão fazendo menção que iria atirar. Antes que o homem que estava dentro do Corsa roxo pudesse disparar ele efetuou três disparos contra Ronald, que chegou a ser socorrido para o hospital Arthur Ribeiro Saboya, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu.

O adolescente que estava com Ronald dentro do carro informou no seu depoimento que encontrou com um amigo na rua e que ele tinha pedido para guardar o revólver na sua casa, pois ele era menor. Ainda de acordo com o BO, a arma que estaria com Ronald é um revólver calibre 32 e estava sem munição.

O dono do Honda Fit reconheceu, através de foto, que Ronald teria sido um dos autores do roubo do seu carro. Ele também confirmou que o adolescente participou do assalto. O adolescente foi liberado pela Polícia Civil após o comparecimento da mãe na delegacia.

Família e defesa questionam versão do policial

Kátia Evangelista, mãe de Ronald, garante que o filho nunca teve arma e que ele era uma pessoa muito querida pelos amigos. “No dia que ele morreu mais de cem pessoas vieram aqui na minha casa lamentar a morte dele”, conta. O seu marido e pai de Ronald faleceu ano passado no início da pandemia e desde então, segundo ela, o filho vinha tomando conta da família. “Está tudo mais difícil depois que ele morreu. Ele era o homem da casa e usava o carro para me levar ao médico e para a fisioterapia”, relata Kátia Evangelista, que é cadeirante.

Para o advogado Antônio Macruz, que faz parte da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que está prestando auxílio jurídico e vai fazer a investigação defensiva para família de Ronald Evangelista, há uma série de buracos no boletim de ocorrência feito diante dos depoimentos feitos pelas testemunhas. 

“É estranho que o Ronald tenha puxado uma arma que estava sem munição. O acusaram de roubo e não foi encontrado nada fruto desse suposto crime em posse dele o do adolescente que estava com ele. O BO todo foca muito mais no roubo do veículo e no acidente de trânsito do que no homicídio”, diz Antônio Macruz.

A psicóloga e articuladora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio Marisa Feffermann afirma que esse trabalho de investigação defensiva é importante “para que a população saiba que o próprio território pode produzir provas em casos como esse”.

Ajude a Ponte!

A Ponte entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) pedindo um posicionamento do órgão sobre o caso e questionando se haverá uma da Corregedoria para a morte de Ronald Evangelista cometida pelo policial militar Davi Peres. Até o publicação deste texto não houve resposta por parte da SSP-SP.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas