Justiça manda soltar PM acusado de matar artista plástico Nego Vila em SP

Juíza entendeu que manter prisão do sargento Ernest Decco Granaro não se justificava. Júri que aconteceria nesta quarta-feira (16) foi adiado para abril porque uma testemunha não compareceu; artista foi morto por policial em 2020

Em sequência: o sargento Ernest Decco Granaro e o artista plástico Nego Vila | Fotos: reproduções/redes sociais

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mandou soltar o sargento Ernest Decco Granaro, 35 anos, que foi preso em flagrante e acusado pela morte do artista plástico e montador de palcos Wellington Copido Benfati, conhecido como Nego Vila, 40. A decisão foi proferida nesta quarta-feira (16/3), quando aconteceria o julgamento do caso, mas o júri acabou adiado para 19 de abril por conta da ausência de uma testemunha.

A juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 5ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, argumentou que “a manutenção da prisão do acusado não se justifica, por excesso de prazo na formação da culpa”. O alvará de soltura foi expedido no mesmo dia. O PM estava preso preventivamente no Presídio Militar Romão Gomes desde novembro de 2020, quando o crime aconteceu.

De acordo com os amigos da vítima em depoimento à Polícia Civil e durante as audiências, também ouvidos pela Ponte na ocasião, eles estavam com Wellington em uma adega na Rua Deputado Lacerda Franco, no bairro da Vila Madalena, na zona oeste da capital paulista. O artista e o sargento teriam iniciado uma discussão por causa de um violão de um amigo de Ernest, tendo sido apartados por pessoas que estavam no local. Segundo eles, em determinado momento, o policial sacou a arma e disparou para cima, o que fez com todos corressem.

As testemunhas disseram que viram Wellington cair no chão “muito provavelmente pelo susto” e que Ernest se aproximou dele e fez um disparo contra o seu peito. De acordo com elas, o sargento só não fez um outro disparo porque uma terceira testemunha se jogou contra o corpo do artista. Nego Vila chegou a ser socorrido com vida, mas não resistiu. De acordo com o laudo necroscópico, ele foi atingido com um tiro entre o peito e a axila esquerda.

No termo de interrogatório feito na delegacia, Ernest afirmou que teria evitado que alguém furtasse o violão de um amigo que o acompanhava, com quem diz formar uma dupla de música amadora que se apresenta em bares da região. Depois de desfeita a confusão, pessoas teriam voltado à falar com o PM, perguntando se ele seria advogado do amigo.

Ele também alegou ter sido agredido fisicamente na sequência, indo ao chão após tomar uma “gravata” ou golpe de enforcamento. O PM disse que foi cercado por várias pessoas que bateram em sua cabeça e tentaram pegar sua arma. O laudo do Hospital da Polícia Militar identificou lesões leves na cabeça, cotovelo esquerdo e punho direito. O sargento declarou que Nego Vila o atacou e que atirou para “repelir a agressão”, informando ainda que não saberia precisar se atirou para cima ou para baixo e que não sabia quantos disparos deu. O boletim de ocorrência informa que outras duas testemunhas confirmaram essa versão.

Além da acusação de homicídio, também havia sido registrada resistência à prisão, uma vez que os policiais que levaram o caso ao 14º DP (Pinheiros) informaram que Ernest se recusou a cumprir as ordens para largar a arma e colocar as mãos na cabeça, dizendo que era policial militar. Ele acabou desarmado e algemado.

O sargento foi acusado, ainda na época, por homicídio com qualificação por ter sido cometido com recurso que dificultou a defesa da vítima e pelo crime ter ocorrido durante uma situação de calamidade pública (pandemia), cuja denúncia foi acolhida pelo Tribunal de Justiça.

Em novembro do ano passado, a juíza Michelle Carreiro determinou que Ernest seja julgado por um conselho de sentença (sete pessoas da sociedade civil que formam um júri popular). Ela argumentou que “os depoimentos colhidos e o interrogatório do réu apresentam mais de uma versão dos fatos, sua dinâmica restou nebulosa, não se podendo dizer ao certo, ainda mais nessa fase de cognição sumária, o que se passou” e que a “versão do disparo acidental” e a possível intencionalidade de matar não ficaram claras.

O Ministério Público Estadual ainda havia acusado o policial por resistência, mas a magistrada decidiu não submeter esse crime a julgamento porque os depoimentos dos PMs que atenderam a ocorrência denotam que “não houve violência e nem ameaça, sendo certo que o réu apenas teria se identificado e pedido o cumprimento do procedimento previsto nas normas da Polícia Militar para a prisão de superior.”

A família de Nego Vila atua como assistente de acusação do caso. Em abril de 2021, de acordo com o G1, os parentes entraram com uma ação judicial com pedido de indenização por danos morais em R$ 200 mil e pagamento de pensão à filha do artista até ela completar 25 anos. Hoje, ela tem 10 anos e vive com a mãe, que já era separada da vítima. A Ponte procurou a família, mas não teve retorno.

O que diz a polícia

A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública se o sargento voltaria para as atividades de patrulhamento ostensivo bem como sobre as investigações de ocorrências anteriores envolvendo o policial em serviço e aguarda uma resposta.

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O advogado Alexandre Taveira, que representa Ernest Decco, declarou que o sargento atuou em legítima defesa:

Considerando que não houve o julgamento por circunstâncias alheias a vontade do Réu a Defesa requereu a imediata soltura dele, o que foi aceito pela Nobre Magistrada. O Réu não pode permanecer preso por excesso de prazo na formação da culpa, razão pela qual a Magistrada acertou de fio a pavio na decisão de colocar o Sargento Decco em liberdade. Muito em breve teremos a realização do julgamento, nessa oportunidade, nós advogados, teremos o imenso prazer em demonstrar que o Sargento Decco agiu dentro das excludentes de ilicitude previstas em nossa legislação penal.

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