Rio de Janeiro tem 593 chacinas policiais em 14 anos

Levantamento do Grupo de Estudos de Novas Ilegalidades da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) aponta que massacres estão se tornando regra em operações policiais no RJ: “inadmissível em um regime democrático”, diz pesquisadora

Blindado durante ação policial no Rio de Janeiro | Foto: Reprodução / Voz das Comunidades

O Rio de Janeiro vive uma sequência de chacinas promovidas pelas policiais nos últimos anos. A mais recente ocorreu nesta terça-feira (24/5) no Complexo da Penha, zona norte da capital fluminense. Ao final da tarde haviam sido confirmados 23 mortes, na que, até o momento, é a segunda operação mais letal realizada por forças de segurança no estado.

Para a coordenadora do Grupo de Estudos de Novas Ilegalidades da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), Caroline Grillo, é assustador que esse tipo de ação sangrenta ocorra em pleno período democrático. Para a doutora em ciências sociais, além das mortes, as operações policiais são falhas pois afetam a vida de toda uma comunidade.

O local onde ocorreu a chacina, segundo Grillo, é onde está uma das maiores contenções armadas do Rio de Janeiro e onde as principais lideranças do Comando Vermelho, uma das organizações que dominam o comércio de drogas na cidade, moram.

Ponte – Até o momento, como a gente pode avaliar essa operação no Complexo da Penha?

Caroline Grillo – O que na nossa base a gente já pôde observar é que essa foi a terceira operação mais letal da história do Estado, a segunda mais letal da cidade, perdendo apenas para a chacina do Jacarezinho. A gente tem trabalhado com essa ideia de [chamar] chacina policial, se referindo a chacinas que ocorrem em operações policiais A nossa base, no período que foi de 2007 até até 2021, a gente identificou 593 chacinas policiais, considerando ocorrências de operações policiais com três ou mais mortos. Lembrando que a gente está em maio e já foram registradas 16 chacinas na nossa base, com 71 mortos no total. A gente nem está incluindo essa chacina, porque a gente nem tem um número de mortos ainda.

Ponte – Só no governo Cláudio Castro (PL), que assumiu o executivo do RJ durante um mandato que já estava em curso, a polícia matou 50 pessoas em apenas duas operações. Como se analisar um número tão alto de chacinas policiais em tão pouco tempo?

Caroline Grillo – Assusta é perceber que cada vez mais as chacinas vão ser chacinas. Operações policiais vão despontando como uma marca da nossa democracia. Isso é inadmissível no regime democrático.

Ponte – O governo alega que as ações são para o combate ao tráfico de drogas. Isso de certa forma daria alguma vantagem para outros grupos criminosos do RJ?

Caroline Grillo – O que a gente têm observado, de fato, é que as operações são mais frequentes nos territórios em disputa ou nas áreas de Comando Vermelho, e muito menos frequentes nas áreas de milícia. A gente tem esse dado no nosso relatório sobre milícias, sobre bases políticas e econômicas. Essa operação em particular nem se colocou como uma operação de combate ao tráfico de drogas. Ela se propôs como uma operação para cumprimento de mandado de prisão e judiciais que estavam indo ser executados e estavam procurando criminosos. Supostas lideranças do Comando Vermelho de três estados que estariam escondidas al. 

Ponte – Quais as características da área onde foi realizada a ação desta terça?

Caroline Grillo – Posso falar do Complexo da Penha, Vila Cruzeiro, Chatuba, favelas da Penha. Elas são, de fato, o local de maior concentração de armas do Comando Vermelho, onde tem uma contenção armada oferecida pelo tráfico de drogas, uma resistência muito maior oferecidas e por isso, é sim, um local onde lideranças do Comando Vermelho há muitos anos moram. Se escondem mesmo até donos de outros morros da cidade onde não se tem essa mesma contenção armada que se tem da Penha e no Alemão. Então, é comum que donos de morros e ou gerentes, frentes de morro de favelas menores acabem passando boa parte do tempo dentro do Complexo da Penha para dormir com maior segurança, porque é um lugar onde as operações são menos frequentes.

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Ponte – O quanto essas ações prejudicam a vida dos moradores da comunidade?

Caroline Grillo – Existem outras formas de sufocar a ação de uma organização criminosa sem produzir custos tão altos para a população. Foram quatro escolas que deixaram de funcionar hoje. Todos os moradores da região foram impedidos de ir para o trabalho. E aí você fica imaginando que são regiões que já são pobres e acabam sendo ainda pauperizadas por causa das operações policial. “A primeira vez que uma dessas pessoas faltar ao trabalho, porque teme uma operação policial, dependendo do seu trabalho, não existe margem para alguém de vez em quando ter que faltar de uma maneira imprevisível. Então, as pessoas perdem o seu emprego porque elas não conseguem comparecer ao trabalho. Porque teve a operação, a criança não foi para a escola e assim eu preciso ficar tomando conta da criança. Eu não posso passar porque tem tiro. É assim que se contribui para que esses espaços fiquem ainda mais pobres, mais marginalizados e criminalizados.

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