Vídeo mostra GCMs prendendo homem em flagrante forjado no centro de São Paulo

Abordagem truculenta foi registrada na tarde desta segunda (30); Justiça concedeu liberdade ao homem nesta terça (31) após imagens mostrarem irregularidades. Para especialista, GCM tem atuado de forma militarizada

No início da tarde desta segunda-feira (30/5), por volta das 14h15, um homem* negro, de 56 anos, em situação de rua, foi abordado de forma truculenta por guardas civis metropolitanos na rua Ana Cintra, no Campos Elíseos, região central de São Paulo, e preso em flagrante acusado de tráfico de drogas. No entanto, um vídeo gravado por testemunhas mostra que os quatro agentes da Inspetoria de Operações Especiais (Iope), da Guarda Civil Metropolitana (GCM), envolvidos na ação forjaram uma suposta apreensão de drogas e foi usado para provar a inocência do homem.

Nas imagens, o homem aparece já imobilizado por dois guardas que o pressionam com força contra o chão e tentam algemá-lo. Em seguida, uma viatura da GCM encosta na calçada e outros dois guardas aparecem, um deles carregando uma porção de uma suposta substância ilícita. O pacote é passado para outro GCM que, após abri-lo, dá voz de prisão em flagrante contra o homem. “Não tinha nada, filhão? Não tinha nada?”, questiona um dos guardas no vídeo.

O caso foi registrado no 02º DP (Bom Retiro) e a substância foi levada para testes no Instituto de Criminalística, onde foi identificado 203,7 gramas de cocaína. A versão dos guardas Pedro Paulo José Marião e Genilson Ferreira Torres Junior, relatada na delegacia, porém, contradiz ao que as imagens mostram.

Ambos afirmaram em boletim de ocorrência, assinado pelo delegado Felipe Barretto de Oliveira, que estavam fixados na esquina da Rua Helvetia com a Av. São João quando avistaram um homem com “volume chamativo na cintura”. Ao ser chamado pelos agentes, o homem teria corrido e sofrido uma queda. Na abordagem, os guardas indicaram que encontraram duas pedras grandes e uma pequena porção de drogas e uma balança.

Na tarde desta terça-feira (31/5), durante a audiência de custódia, o homem negou ser dono dos entorpecentes, da balança, e alegou que foi agredido pelos guardas da Iope. Apesar disso, a promotora Ana Paula Freitas Vilela Leite se manifestou a favor da prisão e a juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) converteu a prisão em flagrante em preventiva.

Assim que tomou conhecimento do vídeo que circula nas redes sociais, o defensor público Diego Rezende Polachini entrou com o pedido de revogação da prisão em flagrante pela “violência na abordagem, incompetência da autoridade, ausência de fundada suspeita e ausência de indícios mínimos de autoria” sobre o crime de tráfico de drogas. No início da noite desta terça a juíza Gabriela Bertoli concedeu o alvará de soltura ao homem, que vai responder em liberdade provisória.

Ao analisar as imagens, a magistrada entendeu que pode ter ocorrido abuso por parte dos guardas, em relação à força contra o homem que já estava rendido, e que possivelmente as drogas foram colocada ao lado do acusado: “o último guarda civil a se aproximar do autuado, já rendido e revistado, sai da viatura com uma sacola branca em mãos, onde aparentemente foram apreendidos os entorpecentes”.

À Ponte, o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos, segurança pública e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, lamentou o caso. “Aparentemente temos uma situação de abuso de autoridade e até tortura, pelas agressões que o homem abordado é tratado pelos GCMs”, criticou. “As guardas municipais sequer possuem poder de polícia para se envolverem nessas ocorrências de policiamento ostensivo. Deveriam atuar na proteção de bens públicos”, apontou.

O advogado avalia que os abusos cometidos pelos guardas são constantes e há um direcionamento para que isso aconteça. “Com essas atuações relacionadas à ‘Cracolândia’, a GCM está assumindo cada vez mais o papel de polícia e atuando de forma militarizada”.

O que diz a GCM

A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Urbana (SMSU) para saber o posicionamento da Guarda Municipal sobre a abordagem violenta:

“A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informa que a Corregedoria Geral da Guarda Civil Metropolitana vai instaurar uma sindicância para apurar os fatos e todas as circunstâncias relativas à ocorrência citada pela reportagem. A SMSU não compactua com desvios de conduta e todos os casos são rigorosamente apurados e, comprovadas irregularidades, os autores são punidos conforme a legislação vigente.

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Os agentes envolvidos na ocorrência relataram que, durante patrulhamento, identificaram um indivíduo que, ao avistar os guardas, teria dispensado um pacote e fugido. Os guardas informaram que conseguiram aborda-lo e encontraram uma sacola arremessada pelo homem, que teria substâncias análogas a entorpecentes. Eles também apresentaram uma balança de precisão na ocorrência registrada no 77º DP (Santa Cecília), que investiga o caso. Todos os relatos serão apurados tanto na investigação da polícia quanto na sindicância da Corregedoria da GCM.”

*O nome do homem foi preservado a pedido do defensor.

ATUALIAZAÇÃO: matéria atualizada às 15h57 do dia 1/6 para acrescentar mais detalhes da decisão que revogou a prisão em flagrante.

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