Júri absolve ex-PM que matou jovem negro com tiro pelas costas

Câmera registrou Claiton Marciano dos Santos disparando contra Nadson Miranda na zona leste de São Paulo, em 2020; promotor que acusou ex-cabo por homicídio qualificado mudou de ideia e pediu absolvição nesta quinta (1)

O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu, nesta quinta-feira (1/6), o ex-cabo Claiton Marciano dos Santos, 48, pela morte do motociclista Nadson Igor Rodrigues de Miranda, 23. Em julho de 2020,  imagens de uma câmera de segurança registraram o policial atirando pelas costas da vítima em frente à 2ª Companhia do 29º Batalhão da PM Metropolitana (BPM/M), na Vila Americana, em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo.

A Ponte apurou que os jurados seguiram o entendimento da defesa e da acusação, já que o promotor Ricardo Brites de Figueiredo, que havia denunciado Marciano por homicídio qualificado, mudou de ideia e argumentou que o ex-policial agiu em legítima defesa putativa, ou seja, quando a pessoa acredita que está em uma situação de risco e atua para se defender. Essa também era a tese dos advogados do ex-cabo.

Em dezembro de 2022, Marciano foi expulso da Polícia Militar em procedimento administrativo disciplinar. O comando da PM havia sustentado que ele cometeu a transgressão disciplinar grave de “disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente” e praticou “ato atentatório às Instituições, ao Estado e aos direitos humanos fundamentais”.

Mauro Ribas, um dos advogados que representa o ex-PM, disse à Ponte que conseguiu convencer o promotor e os jurados porque juntou uma reprodução simulada feita pela defesa sobre o possível ângulo que Marciano teria quando fez os disparos. “A partir desse estudo, o Ministério Público entendeu a questão da visão do Marciano e requereu a absolvição”, disse.

A assessoria do Ministério Público disse à reportagem, por nota, que “a prova produzida em plenário foi favorável ao réu”. Não conseguimos localizar familiares de Nadson.

Relembre o caso

De acordo com a família, Nadson saiu para uma festa com alguns amigos na madrugada de 25 de julho de 2020 e nunca mais voltou para casa. O pai dele, Nedson Rodrigues de Miranda, disse à Polícia Civil que ficou sabendo da morte do filho por conhecidos, que disseram que o jovem pediu para dar uma volta em uma moto de um rapaz na festa, que a emprestou. O veículo, contudo, era roubado.

Os policiais militares Washington César Pereira e Pedro Candelária Junior disseram que estavam fazendo o acompanhamento de uma viatura quando suspeitaram de um jovem que estava sem capacete em uma moto saindo de uma comunidade próxima à Estrada Dom João Nery. Relataram que deram ordem de parada, mas não foram obedecidos e que, ao pesquisarem a placa, viram que o veículo tinha sido roubado horas antes.

A dupla tentou perseguí-lo, mas acabou perdendo a motocicleta de vista quando Nadson furou um bloqueio de viaturas. Depois, quando chegaram na Avenida Nordestina, em frente à sede da 2ª Companhia do 29º BPM/M, viram o jovem e a motocicleta caídos no chão na presença do cabo Claiton Marciano. Outras viaturas chegaram ao local, foi acionado o resgate, mas Nadson não resistiu.

Marciano disse na delegacia que estava a serviço dentro da 2ª Companhia e ficou acompanhando por rádio sobre a perseguição a uma moto roubada pelos colegas do mesmo batalhão, mas da 1ª Companhia, e que, em determinado momento, ouviu a informação de que o veículo havia entrado na via que dava acesso ao 22º DP (São Miguel Paulista) e também à lateral da companhia do batalhão que trabalhava.

Com isso, declarou que “sentiu-se no dever de intervir e auxiliar na abordagem” e saiu para a Avenida Nordestina. Ao ouvir o barulho da moto, subiu na rua da delegacia com pistola em punho e viu o veículo na sua direção, informando que disse várias vezes “para, polícia”, mas não foi atendido.

Vídeo mostra momento que PM atira pelas costas de Nadson Miranda | Foto: Reprodução/Câmera de segurança

O cabo relatou que a motocicleta passou muito próximo a ele, quase o atingindo, e que deu um pulo para trás. Em seguida, afirmou que o motociclista virou o veículo e passou a fugir, momento em que Marciano disse que fez “dois ou três disparos em direção à parte de baixo da motocicleta, visando atingir as pernas do indivíduo ou os pneus ou carenagem da motocicleta, com o intuito de encerrar aquela perseguição”.

Nadson parou e Marciano disse que se aproximou e mandou o jovem deitar no chão, momento em que teria ouvido “um estampido aparentando tratar-se de disparo de arma de fogo, motivo pelo qual, visando resguardar sua integridade física, efetuou um disparo contra o indivíduo, que caiu ao chão”. O PM disse que não conseguiu enxergar com clareza a mão direita de Nadson, acreditou que ele estava armado e disse que não tinha intenção de matar.

No entanto, não foi encontrada arma de fogo com a vítima. Ao localizar as imagens de uma câmera de segurança que registrou a ação, a Polícia Civil entendeu que a dinâmica aconteceu de maneira diferente, já que Nadson não aparece jogando a motocicleta em direção ao cabo nem fazendo “movimento que pudesse aparentar o uso de arma de fogo” contra ele, já que a gravação mostra o rapaz saindo da moto e não tira as mãos do guidão do veículo. O delegado Ivan Moyses Elian, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), indiciou Marciano em flagrante por homicídio doloso (com intenção de matar).

O PM foi preso, mas liberado dois dias depois após audiência de custódia, já que a juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 4º Vara do Júri do TJSP, entendeu que Marciano tinha bons antecedentes, era réu primário, tinha boa conduta na PM, possuía residência fixa e fazia parte do grupo de risco do coronavírus por ter bronquite. Ele tinha 24 anos de trabalho na corporação.

O Ministério Público Estadual (MPSP) seguiu o entendimento da Polícia Civil e acusou o cabo por homicídio qualificado com recurso que dificultou a defesa da vítima, e a denúncia foi aceita pelo tribunal paulista. “A vítima foi atingida quando desembarcava da motocicleta e ainda estava com as mãos no guidão, ou seja, utilizou-se o denunciado de recurso que dificultou a defesa do ofendido, que naquele momento não esperava os disparos e não tinha meios de se defender”, argumentou o promotor Ricardo Brites de Figueiredo.

O laudo do corpo de Nadson também indicou que ele recebeu dois disparos: um tiro no peito e outro perto da axila. O perito indicou o direcionamento do disparo com flechas, mostrando que o segundo tiro foi de trás para frente, de baixo para cima.

Reprodução do croqui do corpo de Nadson Miranda com indicação do alvo dos disparos feito pela Polícia Técnico-Científica | Foto: reprodução

Pouco mais de um ano do crime, em janeiro de 2022, a juíza Giovanna Christina Colares acatou a solicitação do MPSP e determinou que Marciano seja pronunciado, ou seja, levado a um júri popular. A Constituição Federal prevê que os crimes dolosos contra a vida (com intenção de matar) sejam julgados por um Conselho de Sentença, que é formado por sete pessoas da sociedade civil.

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A magistrada sustentou que existiam indícios suficientes para que o caso seja decidido pelo júri e aplicou o entendimento in dubio pro societate, que significa “na dúvida, a favor da sociedade”. A defesa do policial tentou recorrer da sentença de pronúncia, mas não conseguiu reverter o resultado.

À Ponte o advogado Mauro Ribas disse na época que a determinação do comando de expulsá-lo da corporação antes de uma decisão do júri foi “vergonhosa”, “prematura” e “abusiva” e que os praças, categoria mais baixa da corporação, sofrem “os maiores abusos” no âmbito administrativo. Após o julgamento desta quinta-feira, ele declarou que ainda não conversou com Marciano para saber se ele quer voltar a trabalhar como PM.

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