PM que matou jovem negro por achar que ele furtou celular é expulso da corporação

Silvio Pereira dos Santos Neto, 31 anos, foi condenado a 16 anos de prisão pela morte de Clayton Abel de Lima, 20, na zona norte de São Paulo. Ele está preso desde 2021

Em sequência: cabo Silvio Pereira dos Santos Neto e Clayton Abel de Lima | Fotos: reprodução/Polícia Civil/redes sociais

Silvio Pereira dos Santos Neto, 31 anos, foi expulso da Polícia Militar do Estado de São Paulo nesta quinta-feira (18/1). Preso desde 2021, ele foi condenado a 16 anos de prisão pela morte de Clayton Abel de Lima, 20. Silvio alegou ter agido em legítima defesa, mas a versão foi contestada por uma testemunha que afirmou que Clayton foi alvo de tiro após ter sido acusado de furtar o celular do então cabo. O aparelho foi achado mais tarde dentro do carro do agora ex-PM. 

A expulsão foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo desta quinta-feira (18/1) e justificada pelo compreensão de que Silvio praticou duas transgressões disciplinares: disparar arma por imprudência, negligência, imperícia, ou desnecessariamente e desrespeitar medidas gerais de ordem policial, judiciária ou administrativa, ou embaraçar sua execução (infrações 96 e 63 do artigo 12 do regulamento disciplinar da Polícia Militar estadual, respectivamente). 

O crime ocorreu em agosto de 2021 em um bar na Vila Medeiros, na zona norte da capital paulista. Conforme o boletim de ocorrência, policiais da 3ª Companhia do 5º Batalhão Metropolitano foram até o local acionados para atender uma ocorrência de disparo de arma de fogo. 

Ao chegarem ao local, os PMs afirmaram que encontraram Silvio “agitado” e “aparentando estar embriagado”. Ele teria dito aos policiais que sofreu uma tentativa de roubo e que reagiu contra o suspeito. 

A versão difere da que foi apresentada pelo dono do bar, que informou que Silvio e Clayton chegaram juntos ao local por volta de 3h da manhã, aparentando estar muito bêbados. A dupla teria pedido para passar o cartão de Silvio e pagar o restante em dinheiro, tendo passado R$ 50 duas vezes na máquina de cartão e recebido R$ 10. 

Depois do acerto financeiro, Silvio e Clayton teriam ido para o fundo do bar, onde existiam três máquinas caça-níqueis inoperantes. A testemunha contou ter ouvido o ex-PM perguntar ao jovem negro onde estava seu celular, que respondeu não saber. 

O cabo ainda teria ido até o dono e também perguntado sobre o aparelho, que disse desconhecer. Depois, viu Silvio retornar ao fundo do bar e ouviu um disparo. O dono do bar contou que viu Clayton ferido com um tiro e tirou a arma do ex-PM e pediu aos frequentadores do bar para chamarem socorro médico e da polícia. 

A equipe de perícia do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, identificou que Clayton estava apenas com seu documento de identidade e um cartão bancário em seu nome, sem nenhuma arma ou aparelho celular. Ele foi atingido por um tiro no tórax.

O carro de Silvio, que estava estacionado na mesma rua, foi periciado e nele foram encontrados o celular do ex-PM e pertences de Clayton (um cartão do SUS e um comprovante de banco no nome dele). 

O ex-agente público foi indiciado por homicídio doloso (quando há intenção de matar) pelo delegado Ricardo Lemes de Araujo, do DHPP. Para o investigador, o crime não teve relação com a função policial, conforme Silvio teria dito aos PMs que chegaram ao local. Ele também apontou que o caso “não é compatível com o instituto da legítima defesa”, pois a vítima não estava armada e Sílvio não tinha nenhum sinal de luta corporal. 

Condenado a 16 anos 

Em setembro de 2022, Silvio Neto foi julgado e condenado a 16 anos e quatro meses de prisão em regime fechado. A tese de legítima defesa apresentada por Silvio ao Conselho de Sentença foi rechaçada e acabaram acatados todos os pedidos do Ministério Público ao reconhecer que ele matou Clayton e praticou com crime por motivo fútil e com recurso que dificultou a defesa da vítima, qualificadoras que aumentam a pena de homicídio.

Durante as audiências, Silvio falou pela primeira vez sobre o caso, já que na delegacia ele permaneceu em silêncio. Ele contou que no dia do crime, por volta das 22h, estava de folga, havia ido a um bar com amigos onde bebeu cerveja, e foi para a festa de uma amiga em Guarulhos (Grande SP), onde ingeriu mais bebida alcoólica.

Duas horas depois, segundo ele, decidiu “tomar um ar” numa praça em frente à residência. Ao sentar-se em um banco, Clayton, que disse não conhecer, teria lhe oferecido droga.

Silvio disse que se levantou, colocou a mão na arma que estava na cintura, sem sacá-la, identificou-se como policial e declarou que Clayton seria preso. A vítima, segundo ele, teria pedido para não prendê-la e afirmou que o levaria até o traficante “que lhe vendeu e armazenava as drogas” em um endereço na região do Jardim Brasil, na zona norte da capital, a qual ele conhecia como ponto de tráfico de drogas.

Ao invés de prendê-lo, Silvio alegou que decidiu acompanhar Clayton para prender o suposto traficante porque estaria com maior número de porções de drogas. A juíza Fernanda Salvador Veiga, da 2ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, responsável pela sentença, destacou que esse tipo de ação não é previsto no procedimento operacional da Polícia Militar.

O cabo disse que Clayton “ingressou em seu carro, no banco do passageiro, indicando a rua em que deveriam parar” e, ao desembarcarem do veículo, Clayton entrou em um bar e Silvio ficou do lado de fora na calçada. Depois, “a vítima deixou o local, dizendo que estava procurando ‘Chiquinho’ e ingressou em um segundo bar, na mesma rua”, e Silvio disse que continuou na calçada.

Ainda conforme o policial, Clayton pediu o seu cartão para passar R$ 100 no estabelecimento comercial a fim de trocar a quantia por dinheiro em cédula para “simular a comprar de drogas”, o que foi acatado por Silvio. Em seguida, a dupla foi ao fundo do bar para combinar a compra da droga na viela, momento em que o cabo declarou que percebeu que havia máquinas caça-níquel no local “e decidiu prender a vítima, dizendo que pediria apoio da polícia”.

Nesse momento, na versão do ex-PM, Clayton teria se desesperado e empurrado Sílvio contra a parede com uma mão, na altura do pescoço, enquanto com a outra tentava tomar a posse da arma de fogo do cabo, que estava na cintura. Silvio disse que “para se defender”, conseguiu pegar sua arma e disparou contra Clayton, atingindo-o no peito com um disparo, e negou que houvesse o acusado de roubar seu celular.

Outro lado 

A Ponte procurou a defesa de Silvio, mas não obteve retorno. O espaço está aberto. 

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude
Inscrever-se
Notifique me de
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

mais lidas

0
Deixe seu comentáriox