Deputado estadual da Bancada da Bala declarou que equipamento “não serviu para nada” em casos de policiais mortos em janeiro. Antes de ser parlamentar, ele atuou por mais de um ano como fiscal do contrato em batalhão da capital
O deputado estadual Capitão Telhada (PP), mais conhecido com Telhadinha (por ser filho do deputado federal Coronel Telhada [PP-SP]), usou a tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para, assim como outros parlamentares bolsonaristas, tecer críticas ao projeto de câmeras da Polícia Militar nesta quarta-feira (7/2). O trecho foi compartilhado no perfil do Instagram dele, em que dizia:
Vou falar uma coisa aqui que é polêmica. Falam assim ‘ah, mas a câmera no peito do policial foi boa, né? Porque identificou o marginal, porque filmou’. Primeira coisa: quem vazou as imagens? A câmera no peito do policial é feita para ficar vazando toda a ocorrência que tem? Ficar vazando na imprensa, na rede social, no WhatsApp. Primeira coisa: responsabilidade. Quem ficou vazando imagem e vazando procedimento de polícia em favela? Porque isso não tem que ficar sendo mostrado. Quem tem que ficar sabendo de procedimento de polícia é polícia. Segundo ponto: a câmera é boa. É boa para quê? Boa para quê? Salvou a vida do Cosmo? Salvou a vida do Reis? Salvou a vida da Sabrina? Salvou a vida do sargento Ruas lá no 16 [batalhão]? ‘Ah, mas identificou o bandido’. Vocês acham que esse bandido já não estaria identificado, já não está identificado pela Polícia Civil? Se tivesse a câmera não seria identificado da mesma maneira? Então a câmera não serviu absolutamente para nada. Pra nada.
O vídeo era acompanhado da seguinte descrição: “As opiniões de ‘especialistas em segurança’ que nunca sentaram em uma viatura, que não sabem a realidade dos policiais, e vem com papo de que as câmeras protegem o policial, são apenas FALÁCIAS!”.
Um primeiro ponto é que a própria Polícia Militar costuma fazer divulgação de algumas ocorrências que realiza em seu perfil oficial com as imagens gravadas pelas COPs (câmeras operacionais portáteis), não havendo regulamentação em lei ainda sobre que casos podem ou não ter as filmagens publicizadas e quais critérios a corporação adota para expor essas ocorrências em redes sociais.
O próprio deputado, antes de ingressar na Alesp, também já participou de programas televisivos sobre operações policiais em que eram televisionados procedimentos da corporação, como abordagem de pessoas. Além disso, se a população não sabe como funciona uma abordagem policial, ela não vai saber como identificar abusos e fazer denúncias à Corregedoria, à Ouvidoria ou ao Ministério Público.
O parlamentar também evoca o mesmo discurso dado pelo secretário Guilherme Derrite nesta quarta-feira (7/2), durante coletiva em Santos, no litoral paulista, para onde o gabinete da pasta foi transferido. Ao ser perguntado sobre o uso das câmeras, Derrite disse que “a câmera não serve para nada” pois não salvou a vida dos policiais em serviço que foram mortos nesta semana. Telhadinha e Derrite são amigos e já foram colegas quando estavam na Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a força especial da PM paulista.
No último semestre, o assassinato do soldado Samuel Wesley Cosmo durante patrulhamento em Santos, em 2 de fevereiro, se tornou o segundo da Rota em serviço em um período tão curto de tempo, já sob gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Derrite.
O último que havia sido morto durante o trabalho no batalhão foi em 2000, como lembrou o UOL. Em julho do ano passado, o soldado Patrick Reis foi assassinado durante um patrulhamento no Guarujá, também no litoral paulista. As edições da Operação Escudo, criadas em resposta a casos de violência contra PMs, têm sido as mais letais contra civis após os assassinatos dos integrantes da Rota: entre julho e agosto, foram 28 mortes, das quais uma já tem acusação formal de homicídio qualificado contra PMs; já na primeira semana de fevereiro, ao menos 10 mortes foram computadas, sendo uma delas revelada pela Ponte de um catador de latinhas que implorou pela própria vida, segundo a família. Essas operações são consideradas de vingança pelas mortes de policiais.
Apesar de estudos realizados identificando a redução da letalidade policial e também da vitimização de policiais durante o serviço, Telhadinha declarou que os equipamentos não servem “para nada”. Ele cita o assassinato da soldado Sabrina Freire Romão Franklin, que não foi morta durante o serviço, mas sim quando estava voltando para casa em janeiro e, por isso, não usava câmera corporal.
Pesquisadores, especialistas e o próprio idealizador do programa dentro da PM, o coronel Robson Cabanas, já declararam que sozinha a câmera não faz milagre, havendo necessidade de regulamentação, protocolos claros e atuação efetiva de outros órgãos.
A Ponte mostrou que policiais militares morrem mais na folga, ou seja, quando não estão usando câmeras, e em situações que precisam ser melhor apuradas pelo governo pois envolvem desde a vulnerabilidade de o policial estar sem a estrutura da equipe quando tentam reagir a algum crime contra si ou contra terceiros a situações de “bico”, ou seja, fazendo o trabalho de segurança particular, que é ilegal.
No caso do sargento Ruas, o deputado faz referência à morte do sargento Ronaldo Ruas Silva, que era da Força Tática do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), e foi baleado durante um patrulhamento em 2019. Na época, o programa de câmeras da PM ainda não estava estruturado e não há informações de que ele estava usando algum aparelho quando foi morto.
O assassinato dele, inclusive, desencadeou uma operação “saturação” na comunidade de Paraisópolis, algo semelhante com o que a Escudo vem fazendo ao empregar muito efetivo policial com a alegação de busca de prováveis suspeitos, e também antecedeu o massacre na comunidade no mesmo ano, quando nove jovens foram mortos por asfixia ao não conseguirem ter rotas de fuga durante uma dispersão provocada pela PM contra um baile funk. Esse foi um dos motivos de o então governador João Doria (PSDB) ter investido no programa de câmeras da PM.
Porém, antes de disputar as eleições, Telhadinha foi fiscal do contrato do programa de câmeras justamente no 16º BPM/M, de 10 de fevereiro de 2021 a 24 de novembro de 2022, onde atuava na Força Tática que Ruas trabalhou.
Cada batalhão contemplado pelo programa tem um fiscal de contrato designado por um superior. Ele é “responsável pelo controle e fiscalização do fornecimento de materiais e execução dos serviços, inclusive pela regularidade da documentação pertinente”, conforme o decreto estadual 42.857/1998. Ou seja, é uma pessoa que sabe os propósitos do projeto, como serve, o que pode e não pode ser feito, além de garantir que o programa funcione.
O parlamentar recuou ao ser questionado pela Ponte sobre o seu posicionamento na tribuna, já que havia tido essa função de fiscal dentro da PM. “Na minha opinião, o recurso público é limitado, e o investimento deve ser priorizado na segurança do policial e na melhoria das condições de trabalho, como equipamentos pessoais, viaturas e manutenção adequada. Tecnologia é muito bem-vinda desde que esteja nessa mesma esteira, ajudando na execução do serviço que prestam à sociedade, o que não é o caso da Câmera Corporal, que só serve como fiscalização e controle”, disse por meio de nota via assessoria de imprensa.
De acordo com a Plataforma Justa, os recursos empregados no programa de câmeras nas fardas da PM representaram apenas 0,02% do orçamento total do estado de São Paulo em 2022. No ano seguinte, o governo Tarcísio deixou de investir R$ 57 milhões no projeto que já tinha orçamento específico de R$ 152 milhões, como a Ponte mostrou. Em 2024, não há previsão expressa de recursos para o programa e a Secretaria de Segurança Pública afirma que a verba está inserida dentro do Programa Muralha Paulista, que é direcionada a investimentos em tecnologia.
A reportagem também procurou a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar para saber se houve alguma ocorrência ou problema envolvendo a fiscalização do programa durante a atuação do Capitão Telhada quando estava lotado no 16º BPM/M, mas não teve retorno até a publicação.