Grupo do Ministério Público paulista havia iniciado a investigação de 12 mortes em 2012, 6 anos após os Crimes de Maio. Defensoria vai levar questão a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para cobrar responsabilização do Estado
O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) arquivou o Procedimento Investigatório Criminal relacionadas a 12 mortes corridos na Baixada Santista, litoral de São Paulo, ligadas aos Crimes de Maio de 2006. Os promotores Sandra Rodrigues de Oliveira Marzagão, Silvio de Cillo Leite Loubeh e Renato dos Santos Gama justificaram que as testemunhas ouvidas não apontaram com certeza os algozes e, por ora, não há demais diligências a serem feitas.
O Gaeco passou a atuar no caso em 2012, quando foram identificadas falhas e omissões nas investigações originais dos crimes. Os procuradores buscavam elementos que suscitassem a reabertura de investigações sobre mortes possivelmente praticadas por grupos paramilitares.
Mãe do gari Edson Rogério Silva dos Santos, uma das vítimas dos Crimes de Maio, Débora Maria da Silva, diz que o arquivamento é vergonhoso. “Agora, vergonhosamente, o Brasil enterra mais de 600 jovens, mesmo com todas as evidências, todas as pesquisas, em uma vala comum da impunidade”, fala.
Fundadora do Movimento Independente das Mães de Maio, Débora lembra da via crucis que o grupo de mulheres percorreu até aqui. As donas de casa atuaram como investigadoras, levantaram pontos a serem questionados. Queriam saber quem eram os policiais em serviço naqueles dias, que percurso fizeram, quais armamentos usaram.
A demora na investigação, aponta Débora, contribuiu para que provas acabassem deterioradas com o tempo. “Eles deveriam ter pedido a investigação logo no começo, quando nós vimos, e eles também, o massacre”, afirma.
A incansável Mãe de Maio quer que o Estado se curve diante das vítimas da violência. Peça desculpas. “Perdemos nossos filhos para a corrupção do Estado. O Estado brasileiro tem obrigação de pedir desculpas para nós, de dar reparação”, fala Débora.
Apesar de a decisão ser de agosto de 2023, o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH), da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, diz que só tomou conhecimento dos fatos nos últimos dias. Um pedido de informação sobre o andamento das apurações junto ao Gaeco foi feito em novembro do ano passado, mas a resposta só veio neste ano.
O arquivamento será comunicado pelo NCDH à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). O objetivo é que o Estado brasileiro seja responsabilizado pelas 425 mortes e quatro desaparecimentos entre os dias 12 e 21 de maio de 2006.
As mortes foram promovidas por grupos de extermínio paramilitares — que testemunhas e outros indícios apontam serem formados também por policiais. Os ataques continuaram após alguns dias, matando mais 80 civis. As mortes foram uma vingança contra os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que mataram 59 agentes públicos no período, entre policiais, guardas civis e agentes penais.
Para Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da ONG Conectas Direitos Humanos, o despacho do Gaeco reforça a falta de ação do Estado para esclarecer os Crimes de Maio. “O fato de um grupo como o Gaeco, tão especializado, dotado de tanta estrutura, não chegar à solução dos crimes que estão ali relatados é um sinal de ineficiência na atuação estatal”, aponta.
Em agosto de 2021, a Procuradoria-Geral da República arquivou o pedido de federalização das investigações sobre as mortes de 12 nos Crimes de Maio. A justificativa dada à época é que o Gaeco apurava os casos, levantando possíveis falhas nas investigações.
Apenas um caso relacionado aos Crimes de Maio está federalizado no momento. Em agosto passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que as investigações da chacina do Parque Bristol, em que cinco jovens foram mortos após serem baleados por homens encapuzados, na zona sul de São Paulo, em 14 de maio de 2006, seriam feitas pea Polícia Federal.
A decisão ocorreu seis anos depois que o então procurador-geral da República Rodrigo Janot entrou com um pedido para transferir a apuração do caso para a Polícia Federal, atendendo a uma solicitação feita em 2009, por familiares das vítimas, pela Defensoria Pública e pela ONG Conectas Direitos Humanos.
O que disse o Ministério Público
A Ponte procurou o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) questionando o arquivamento do procedimento investigatório criminal. Também foi solicitada entrevista com os promotores. Não houve retorno.