Promotoria havia acusado capitão Marcos Verardino e cabo Ivan Silva de atirarem contra Fabio Ferreira quando o homem estava rendido e de apagar imagens de câmera de segurança de uma casa em frente ao local da morte no Guarujá (SP)
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) absolveu dois policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a força especial da PM paulista, pela morte de Fabio Oliveira Ferreira, de 40 anos, ocorrida no dia 28 de julho de 2023, no Guarujá, litoral paulista. O homicídio aconteceu um dia depois de o soldado Patrick Bastos Reis, também da Rota, ter sido assassinado durante patrulhamento na cidade — fato que deu origem à Operação Escudo na região.
A informação foi divulgada na coluna Painel, do jornal Folha de S. Paulo. O processo está sob sigilo, mas a Ponte localizou trecho da decisão no Diário da Justiça Eletrônico, divulgado nesta segunda-feira (9/12). Esse foi o primeiro julgamento contra policiais acusados na operação que deixou 28 mortos entre julho e setembro de 2023.
Leia a cobertura da Ponte sobre a Operação Escudo
O juíz Edmilson Rosa dos Santos, da 3ª Vara Criminal do Guarujá, absolveu sumariamente o capitão Marcos Correa de Moraes Verardino e o cabo Ivan Pereira da Silva por entender que a dupla agiu em legítima defesa. O magistrado sustentou que “havia iminência de saque da arma de fogo portada pela vítima, o que tornou necessária a reação dos denunciados, visando a repelir injusta iminente agressão contra si e contra seus colegas de farda”.
Com a decisão, ele revogou o afastamento das funções de rua dos dois que havia sido determinada em agosto deste ano. Na época, o juiz havia acolhido o pedido da defesa de o afastamento ser apenas das ruas e não totalmente das funções públicas. O comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas, interferiu ao também requerer que os PMs não fossem suspensos.
À Ponte, a assessoria do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) disse que recorreu da sentença na segunda-feira (9/12) e aguarda avaliação do recurso. O órgão entende que os PMs devem ser levados a júri popular.
Leia também: 90% das vítimas removidas na Operação Escudo já chegaram mortas ao hospital
Os dois PMs tinham sido acusados por homicídio qualificado, com recurso que dificultou a defesa da vítima. Os promotores afirmaram que, apesar de a vítima estar rendida, o capitão Verardino, que coordenava a Operação Escudo na região, deu três tiros de fuzil que o atingiram no tórax e na mão direita. O cabo Silva ainda deu mais dois tiros de pistola em Fabio, quando ele já estava caído no chão. Parte da ação foi filmada por uma testemunha.
De acordo com a acusação, os PMs patrulhavam o bairro, sem utilizar câmeras nas fardas, quando avistaram Fabio, que caminhava a pé na rua Albino Masques Nabeto. Ele teria sido abordado, segundo os policiais, porque estaria com um volume na cintura e logo se rendeu, levantando as mãos para cima.
Os policiais também são suspeitos de terem apagado as imagens das câmeras de segurança instaladas em uma casa em frente ao local onde Fabio foi baleado. Segundo a denúncia, os policiais entraram na casa, retiraram os equipamentos de armazenamento das filmagens e, quando devolveram os aparelhos, vinte minutos depois, as imagens da violência haviam desaparecido — as câmeras estavam funcionando regularmente.
Leia também: Jovens, negros e sem antecedentes: quem são os presos na Operação Escudo
Os policiais não preservaram o local do crime, uma vez que houve fluxo de PMs sem isolamento e a perícia apreendeu apenas duas cápsulas de fuzil e duas de pistola, sendo que não foi encontrada a terceira de fuzil disparada pelo capitão.
Durante o período de audiências, o capitão e o cabo afirmaram que tinham matado mais de 25 pessoas na carreira policial, como revelou o UOL em agosto.
Como a Ponte mostrou, o TJ-SP arquivou 23 das 27 investigações sobre as 28 mortes ocorridas na Operação Escudo de 2023, a pedido do MP-SP.
Armas plantadas e obstrução de câmeras
Em abril deste ano, o tribunal tornou réus o sargento Rafael Perestrelo Trogillo e o cabo Rubem Pinto Santos, da Rota, pela morte de Jefferson Junior Ramos Diogo, 34, que vivia em situação de rua no centro da capital paulista, mas apareceu morto na Favela da Prainha, no Guarujá, em 28 de julho de 2023. A promotoria sustenta que os PMs “plantaram” uma arma no local do crime e mexeram nas câmeras das fardas que usavam para dificultar o registro da ação.
Acusação parecida também recaiu contra o sargento Eduardo Freitas de Araújo e o soldado Augusto Vinicius Santos de Oliveira, da Rota, pela morte de Rogério de Andrade Jesus, 50, também no Guarujá, em 30 de julho de 2023, no segundo dia da Operação Escudo. De acordo com o MP-SP, Eduardo disparou contra Rogério e Augusto o auxiliou ao “obstruir sua câmera operacional portátil (COP) para que nada fosse filmado e em forjar a existência de uma arma de fogo que estaria na posse da vítima”. Em setembro, o tribunal determinou que a dupla irá a júri popular.
Em agosto, o tenente Julio Cézar dos Santos e o cabo Maykon Willian da Silva, que estavam no 4º Batalhão de Ações Especiais (Baep), viraram réus pela morte de Wellington Gomes da Silva, 32, em uma favela do Sítio Cachoeira, no Guarujá, e por simularem a necessidade de socorro, prejudicando o trabalho da perícia, que foi realizada sem o corpo no local.
A Operação Escudo, que se desencadeou entre julho e setembro de 2023, durou 40 dias. Em meio às 28 mortes da operação, moradores denunciaram execuções, tortura, ameaças, invasões e derrubada de casas por policiais, conforme relatório preliminar do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que é vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Houve ainda denúncia internacional de organizações ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) por duas vezes, celebração de policiais pelas mortes, protestos encabeçados por movimentos sociais pedindo o fim da operação e prisões de pessoas majoritariamente negras sem antecedentes que não cometeram crimes violentos.
Instituídas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e pelo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, em reação às mortes de policiais, as Operações Escudo são consideradas ações organizada de vingança, criticadas por moradores de bairros pobres e por ativistas de direitos humanos pelas práticas de execuções, torturas e ameaças.
O mesmo modus operandi foi observado durante a Operação Verão, que aconteceu entre dezembro de 2023 e abril de 2024. Três PMs foram mortos no litoral e a violência aumentou quando o soldado Samuel Cosmo, da Rota, foi assassinado em 2 fevereiro de 2024, em Santos, quando estava em serviço. Logo após o assassinato de Cosmo, policiais da Rota mataram 17 pessoas em um único mês, como a Ponte revelou. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) divulgou um número de 56 mortos nessas ações, mas na região da Baixada Santista, no período, foram mais de 80 boletins de ocorrência só de mortes decorrentes de intervenção policial, como a Ponte mostrou.
O que diz o governo
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP) sobre a decisão e se os policiais voltaram às atividades de trabalho, mas, até a publicação, a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu. Também buscamos o escritório Fernando José da Costa Advogados, que representa o capitão e o cabo. Porém, também não tivemos retorno.