Histórico recente e letal deixa moradores e familiares de vítimas apreensivos. “Eu vivo assombrada, assustada”, conta mãe de jovem executado pela Rota em fevereiro — quando a operação da PM paulista deixou 56 mortos
A notícia sobre a volta da Operação Verão ao litoral deixou Beatriz da Silva Rosa, de 28 anos, apreensiva. Apesar da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) não ter divulgado informações oficiais sobre, por exemplo, o quantitativo de policiais empregados, algumas prefeituras do litoral já confirmaram a chegada dos agentes.
“Nós ficamos com medo”, diz a cozinheira escolar, que perdeu o marido Leonel Andrade Santos, 36, que usava muletas, em fevereiro. Leonel foi fuzilado por policiais militares no bairro onde morava, o Morro São Bento, em Santos, no litoral de São Paulo. A dor sequer tinha cicatrizado quando novamente Beatriz teve outra perda. O filho dela e de Leonel, Ryan da Silva Andrade, de apenas 4 anos, foi morto em novembro durante uma ação policial no mesmo morro.
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Em entrevista coletiva, o porta-voz da Polícia Militar de São Paulo, Emerson Massera, admitiu que o tiro que matou a criança provavelmente partiu da arma de um policial.
Beatriz conta que deixou de sair de casa por medo da polícia. A cozinheira não pensa mais no futuro, não faz planos. Antes, o sonho era deixar o Morro São Bento e construir uma casa para morar com a família. “Uma parte de mim foi embora. Eu estou sobrevivendo”, diz.
‘Operação de guerra’
A Operação Verão é um tradicional reforço no policiamento em alguns dos municípios da Baixada Santista. A ida dos policiais de outras regiões, segundo a SSP-SP, se dá pelo aumento populacional naquelas cidades durante o verão. Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, afirma que tudo mudou com a chegada de Tarcísio e Derrite.
O que antes era uma ação sem altos índices de letalidade “transformou-se em operação de guerra”, diz Rafael. “Elas [as Operações Verão] se tornaram esse modelo de altíssima letalidade, inclusive com morte de policiais, na gestão Tarcísio e Derrite, que escolhem fazer uma gestão que autoriza os policiais a matarem e, em algum momento, incentiva os policiais ao confronto, por meio de suas falas. E aí o que a gente tem operações de carnificina.”
A primeira ação da dupla começou em julho de 2023. A vingança pela morte do soldado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), força de elite da polícia paulista, Patrick Bastos Reis, de 30 anos, resultou em 28 mortes na Operação Escudo. Dos 27 procedimentos abertos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para investigar os casos, os promotores pediram o arquivamento de 23.
Entre os casos arquivados está o de Willians dos Santos Santana, 36, morto a tiros em casa no Guarujá, em agosto do ano passado. À Ponte, na época da morte, a família relatou que o encanador voltava de um bico quando foi abordado pelos PMs. Willians foi então arrastado para dentro do imóvel, onde foi baleado.
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A violência da tropa não impediu uma nova operação ainda mais letal. A Operação Verão começou em dezembro de 2022 e só foi encerrada no dia 1ª de abril deste ano. Durante os meses em que as tropas estiveram no litoral, o que se viu foi um recorde de mortes, principalmente após o assassinato do também soldado da Rota, Samuel Wesley Cosmo, 35, morto em serviço em Santos.
As polícias paulistas — civil e militar — mataram 88 pessoas em fevereiro deste ano. Isso representa um aumento de 137,8% em comparação com o período homólogo, quando foram registradas 37 vítimas. A maioria das mortes, 71,5%, ocorreu na Baixada Santista, área alvo dessas operações.
Em janeiro, a Baixada Santista já tinha puxado o aumento de mortes registrado em São Paulo. Em janeiro deste ano, as polícias mataram 20 pessoas na Baixada, o maior número já registrado para este mês em toda a série histórica disponibilizada desde 2013 no site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP).
Guilherme Derrite chegou a transferir o gabinete da Segurança Pública para Santos, na sede do Comando de Policiamento do Interior (CPI-6), e trabalhar de lá. Quando encerrou a ação, a SSP-SP divulgou um release que dizia que todos os 56 mortos entraram em confronto com os policiais. Contudo, ao menos em um caso a investigação demostrou o contrário.
‘Estrutura da minha família acabou’
A primeira acusação contra PMs envolvidos em mortes na Operação Verão ocorreu em novembro. O tenente Diogo Souza Maia e o cabo Glauco Costa se tornaram réus pela morte do roupeiro Allan de Morais Santos, 36. Segundo a denúncia, a dupla simulou confronto com a vítima, plantou armas e tentou dificultar a gravação das câmeras corporais que usavam.
O mesmo não aconteceu com a investigação sobre a morte de Hildebrando Simão Neto, 24, em que a investigação ainda engatinha. O jovem era uma “onda de emoção”, descreve a mãe, que pediu para não ser identificada. Hildebrando foi morto por policiais da Rota em casa.
O jovem tinha ceratocone, doença que pode levar à perda da visão e que, no caso dele, já afetava a capacidade de enxergar. A mãe conta que a casa onde moravam em São Vicente, no litoral, foi invadida. Ao ver a cena, ela gritou para que não o matassem — sem sucesso.
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A mãe conta que a morte a adoeceu. Passou a ter problemas de pressão e desenvolveu sintomas psicológicos. A ansiedade a faz perguntar aos filhos e netos várias vezes ao dia onde estão, se estão seguros. “A estrutura da minha família acabou”, diz.
Recentemente, ao ver uma viatura de perto, ela estremeceu. O medo a contaminou. A volta da Operação Verão, deixa a mãe de Hildebrando ainda mais aflita. “Eu vivo assombrada, assustada. Eu falo não deixa [as crianças] na rua, mas tudo aconteceu na minha casa”, lamenta.
Pressão da opinião pública
A repercussão recente de casos de violência policial em São Paulo tem gerado pressão sobre o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em novembro, o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, foi morto com um tiro à queima-roupa disparado por um policial militar.
No começo de dezembro, Marcelo Amaral, 25, foi jogado do alto de uma ponte por um policial militar. O menino Ryan foi morto enquanto brincava perto de casa. A mesma ação matou Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, e o laudo necroscópico apontou que o adolescente levou um tiro pelas costas.
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O cenário faz Rafael acreditar que a Operação Verão poderá seguir os moldes pré-Tarcísio e Derrite, já que o governador está pressionado. No começo do ano, a ação foi usada como plataforma política, analisa. O representante do Sou da Paz lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio e Derrite foram ao velório do soldado Samuel Wesley Cosmo.
“A expectativa é de uma Operação Verão mais controlada, no modelo que sempre foi e menos de uma ação de alta letalidade que serviu de palanque para esses políticos”, afirma.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Em nota enviada à Ponte na quarta-feira (18/12), a SSP-SP confirmou a operação:
A Polícia Militar inicia, nos próximos dias, a Operação Verão 2024/2025, com o objetivo de reforçar o esquema de segurança em pontos estratégicos como rodovias e praias dos litorais sul e norte. Policiais militares vão atuar com apoio do Corpo de Bombeiros e das polícias Civil e Técnico-Científica.
Já o MP-SP, ressaltou que ofereceu denúncia em três dos 56 casos de mortes na Operação Verão:
O MP-SP informa que, como faz rotineiramente, realizará o controle externo da atividade policial. O número de promotores do GAESP foi ampliado. A instituição ofereceu denúncia contra 03 policiais no âmbito da Operação Verão.