Viaturas e homens fortemente armados ocupam a comunidade depois que um PM foi baleado no dia 2 de janeiro. Temor dos moradores é de que ação da corporação vire represália e repita as operações Escudo e Verão
A presença de policiais com armas de grosso calibre andando pela comunidade tem causado tensão aos moradores de Paraisópolis, a maior favela de São Paulo e a terceira do Brasil, segundo o IBGE. O temor, explica Janilton Jesus de Oliveira, o China, liderança comunitária local, é que a violência se assemelhe à que ocorreu na Baixada Santista: há poucos dias um policial militar foi ferido dentro da comunidade. “Aqui não aconteceu nada ainda porque não houve revide. Se houver, eles [policiais] transformam Paraisópolis na Baixada. Saem matando aleatoriamente”, diz.
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No litoral paulista, duas operações policiais recentes — a Escudo em 2023 e a Verão em 2024 — deixaram, juntas, 84 mortos. O gatilho de ambas foi a morte de policiais em serviço.
Imagens obtidas pela Ponte mostram policiais militares em vielas de Paraisópolis. Outros aparecem armados em frente a comércios. Diversas viaturas ocupam ruas da comunidade.
PM que foi baleado matou jovem durante eleição
No dia 2 de janeiro, o tenente da Polícia Militar Ronald Quintino Correia Camacho foi ferido durante o serviço na comunidade. Segundo a Folha de S. Paulo, Ronald levou dois tiros de fuzil, um no braço e outro no ombro. Uma outra pessoa também teria ficado ferida. A Ponte questionou o estado de saúde dos dois para a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), mas não houve retorno.
Ronald já esteve envolvido em pelo menos dois casos de repercussão dentro de Paraisópolis. O primeiro ocorreu em outubro de 2022, durante a campanha eleitoral para o governo de São Paulo. O então candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos) visitava o primeiro polo físico de uma universidade dentro de Paraisópolis quando o evento foi interrompido por um tiroteio.
O jovem Felipe da Silva Lima, de 27 anos, foi morto por Ronald com um disparo de fuzil. A ação teria acontecido após dois homens, um deles supostamente com um volume na cintura, terem filmado uma viatura descaracterizada da PM. Felipe seria um deles.
Ronald declarou que foi informado pela equipe de segurança de Tarcísio sobre a situação e foi atrás da dupla. Avistado se escondendo atrás de um posto, Felipe foi alvejado. A versão foi rebatida por testemunhas. Ao Intercept Brasil, elas contaram que Felipe foi atingido por policiais à paisana (sem farda) quando estava desarmado.
A investigação foi arquivada em 2023 após tanto o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) entenderem que os policiais agiram em legítima defesa.
Em abril do ano passado, Ronald participou da ocorrência que terminou com uma criança de sete anos cega. A mãe e o menino iam para a casa de uma babá quando ficaram no meio de um tiroteio durante um patrulhamento da PM.
‘Paz e proteção’
Na mesma data em que Ronald foi ferido, o 16º Batalhão da Polícia Militar, no qual Ronald trabalha, publicou um vídeo falando sobre a “Operação Paz e Proteção”. As imagens estão disponíveis no Instagram e no YouTube vinculado ao BPM/M.
No vídeo, o tenente-coronel Vergílio Correa Mariano, comandante do 16º BPM/M, afirma que em razão “de uma série de eventos de perturbação de sossego surge a Operação Paz e Proteção”. O objetivo, diz Vergílio, é combater a perturbação de sossego e crimes como roubo, furto e o consumo de drogas.
A fala é intercalada com imagens de reportagens que sobre bailes funk. O vídeo diz que a operação começou em março de 2024, apesar de a postagem ter sido feita apenas neste ano. A Operação Paz e Proteção levou a Paraisópolis não só policiais do 16º, mas também da Força Tática, de unidades do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) e do policiamento de Choque.
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O material divulgado exalta os bons resultados da operação, como prisões em flagrante e apreensões de drogas. Ficou de fora do vídeo a ação que deixou cega uma criança de sete anos em abril do ano passado. Em julho, entidades de direitos humanos, parlamentares e a Ouvidoria das Polícias criaram um comitê de crise para apurar denúncias de violência policial na comunidade.
Foram relatados ao grupo denúncias de invasão de casas, além de abordagens agressivas e racistas por parte de policiais militares e toque de recolher.
“Não tem data para acabar e vai continuar de maneira a trazer esse compromisso da Polícia Militar com a qualidade de vida das pessoas que trabalham, moram e transitam diariamente naquela região”, completa Vergílio no vídeo.
China ressalta que há cerca de dez meses Paraisópolis não tem mais bailes funks. “A justificativa [para a Operação] é impedir o baile, mas que baile? Agora é para oprimir, retaliar”, avalia.
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A ação que feriu o policial gera medo pelo histórico em Paraisópolis. “Uma viatura levou um tiro, alguém vai levar um tiro. Policial levou um tiro, alguém vai levar um tiro”, comenta China.
O líder comunitário conta que os moradores têm se protegido registrando as ações policiais. Quando acontecem violações, as imagens são divulgadas em redes sociais e compartilhadas com a imprensa. “Isso tem salvado vidas”, afirma China.
O que diz a SSP
A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) pedindo um posicionamento sobre as operações em Paraisópolis e o caso do policial ferido. Sobre a ocorrência policial, a SSP informou que um jovem de 19 anos foi preso por suspeita de atirar contra o PM. O caso é investigado pele 89º DP (Jardim Taboão).
Leia a nota na íntegra
Um homem, de 19 anos, foi preso em flagrante por tentativa de homicídio após atirar contra um PM, por volta das 8h30 da manhã desta quinta-feira (2), na Rua Itajubaquara, na zona sul da capital. Policiais militares realizavam patrulhamento de rotina em Paraisópolis quando avistaram cinco suspeitos armados com fuzis e pistolas, que dispararam contra as equipes. Os policiais intervieram e um dos criminosos, de 19 anos, ficou ferido. Os demais atiradores conseguiram fugir.
Um tenente, de 50 anos, que foi atingido, e o infrator foram socorridos e permaneceram internados. Um fuzil e munições foram apreendidos. A autoridade policial solicitou exames periciais ao IC e ao IML. O caso foi registrado como tentativa de homicídio contra agente de segurança pública no 89º DP (Jardim Taboão) e é investigado. As apurações são acompanhadas pela Polícia Militar.