Policiais civis e militares, promotores, juízes: o Estado precisa se responsabilizar por cada caso de prisão injusta que a Ponte denuncia — e nem deveria haver um dramalhão judicial nos pedidos dessas vítimas por indenização

Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Justiça. Todas essas instituições falharam com Vitor Oliveira Soares. Juntas, prenderam, acusaram e condenaram-no por crimes que ele não cometeu e pelos quais acabou absolvido. Não sem antes o então estudante de sistemas de informação passar um ano, cinco meses e cinco dias preso injustamente.
Foi a defesa do jovem, morador da comunidade Beira Rio, na zona sul de São Paulo, quem teve que “provar” sua inocência. E fez o trabalho que nem as polícias, nem o MP, nem a Justiça fizeram. Os advogados do jovem levantaram sua rota no dia dos crimes dos quais ele era acusado, imagens de câmera de segurança do momento do assalto e identificaram falhas no procedimento de reconhecimento da única testemunha que depôs em juízo contra ele.
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Na sanha talvez de mostrar serviço, os servidores públicos envolvidos na prisão, investigação, acusação e julgamento marcaram a vida de Vitor de forma indelével. Mesmo que ele ganhe a merecida reparação que está pedindo ao Estado — até agora negada —, dinheiro nenhum apagará o fato de que ele teve a vida destroçada por falhas de um sistema que é feito para moer carne de gente pobre.
Ler cada relato de prisão injusta a partir de reconhecimentos ilegais que a Ponte já publicou é sempre uma experiência que gera desalento nesta que vos escreve. A sensação é de que uma pessoa nem precisa cometer um crime para ser presa e condenada. É sempre uma falha atrás da outra como uma linha de produção fordista com sérios problemas. Falhas feitas contra a lei e quase sempre contra o mesmo alvo: pessoas pobres, pretas e periféricas.
Afinal, nesses casos, quem liga se hoje em dia existe câmera de segurança em todos os lugares ou que os celulares podem registrar a localização de uma pessoa? Ninguém parece se importar. É preciso a defesa fazer o papel de investigador. Em alguns casos é a família quem faz isso. A sanha por pegar uma pessoa, qualquer uma, e puni-la por um crime parece ser maior do que o desejo de seguir a lei.
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Quantos servidores do Estado foram necessários para perpetuar a injustiça do caso de Vitor? Policiais civis e militares, promotores, juízes. O Estado precisa ser responsabilizado por cada prisão injusta e nem deveria haver um dramalhão judicial nos pedidos por indenização. É o Estado e seu sistema que trata pessoas como metas ou meros números de processo. Será que não se entende que eles não estão brincando, mas marcando para sempre a vida de pessoas inocentes?
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