Cléber Rodrigues Gimenez foi preso por suspeita de lavagem de dinheiro. Em 2021, a Ponte revelou que ele participou da prisão do jovem Kaick Santana, de 25 anos, com base num reconhecimento irregular feito por foto de WhatsApp

Um investigador da Polícia Civil de São Paulo preso por suspeita de integrar um esquema de corrupção participou, em 2021, da prisão baseada em reconhecimento irregular de um jovem negro. O caso foi revelado pela Ponte em 2022. Cléber Rodrigues Gimenez exibiu uma foto usada no perfil do WhatsApp de uma vítima de roubo, o que acabou sendo prova condenatória contra Kaick Lemes Santana, de 25 anos — que segue preso até hoje.
Cléber foi preso no fim de janeiro. Segundo revelou o UOL, o investigador é suspeito de comandar um esquema de corrupção, tendo arrecadado R$ 81 milhões por meio de desvio de drogas apreendidas com traficantes em operações policiais.
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A investigação, conduzida pela Corregedoria da Polícia, identificou que o grupo formado por Cléber e outros policiais tinha informantes que avisavam sobre a movimentação de carregamentos de cocaína com destino a São Paulo, conforme mostrou o UOL. Os caminhões com drogas eram abordados assim que chegavam a São Paulo e os policiais civis faziam a abordagem com base em falsas operações. A droga era desviada pelo grupo e revendida a traficantes.
Kaick tinha álibi, afirma família
Em 2021, Cléber foi figura central na prisão que levou à posterior condenação a 15 anos de reclusão do jovem Kaick Lemos. À época, a família do jovem contou que ele tinha um álibi para o dia do assalto do qual foi acusado.
À Ponte, Vanderlei Santana, 43, pai de Kaick, contou que, na noite do assalto, o filho estava em casa com a família. O jovem se sustentava fazendo trabalhos esporádicos como marceneiro para lojas de veículos e ajudava a cuidar da irmã mais nova. Depois de jantar, Kaick passou a receber ligações de um amigo que era vizinho. O pai contou que o filho saiu de moto para tentar encontrá-lo, mas não teve sucesso.
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“A minha vida é só chorar dia e noite, mal consigo trabalhar porque é difícil. Estou fazendo um apelo mesmo para todos porque a gente não tem mais o que fazer”, lamentou à época, a auxiliar de limpeza Carminda Lemes Farias, mãe de Kaick.
Reconhecimento pelo WhatsApp
O assalto ocorreu em dezembro de 2021, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. O investigador Cléber contou, em depoimento prestado ao 2º DP do município, ter flagrado um assalto: dois homens em uma motocicleta — sendo um deles armado — abordaram um casal em um carro.
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O investigador narrou uma troca de tiros e falou ter feito aproximadamente cinco disparos. A dupla que assaltava fugiu deixando para trás a moto, uma jaqueta preta com perfurações de bala, e um deles teria deixado cair a arma supostamente usada no crime. Cléber conseguiu localizar um dos suspeitos, que acabou preso ao ser reconhecido pelas vítimas.
Ele não tinha ferimentos, o que tornou uma incógnita a jaqueta perfurada já que Kaick também não tinha ferimentos ao ser preso.
Já no 2º DP de São Bernardo do Campo, as vítimas descreveram as características de ambos os homens que as abordaram e disseram que o rapaz que estava armado era “moreno, forte, trajava calça e camiseta preta e estava de capacete preto”. Segundo a polícia, ainda na delegacia, o celular do suspeito preso recebeu chamadas e mensagens no WhatsApp de um contato salvo como “Cebola”, que seria Kaick.
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Com o celular do suspeito em mãos, o policial Cleber mostrou a foto de Kaick no WhatsApp às vítimas, que reconheceram o jovem como sendo o segundo homem que participara do roubo. Quase um mês depois, Kaick foi levado para a delegacia e submetido a um reconhecimento pessoal irregular, ficando somente com uma outra pessoa diante das vítimas.
A família recorreu da sentença, mas Kaick segue preso e condenado.
Como deveria ser o reconhecimento
Diferentemente do que foi feito com Kaick, o artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) diz que o reconhecimento deve seguir algumas etapas. Entre elas:
- A pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada primeiro a descrever as características da pessoa que deva ser reconhecida;
- A pessoa cujo reconhecimento se pretender será colocada, então, se possível ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.
Em 2020, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que os reconhecimentos fotográficos não podem ser provas únicas para condenações. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou em 2022 um manual com recomendações sobre como o procedimento deve ser feito. As diretrizes consolidam o que prega o STJ.