Policiais mataram homem de 30 anos em operação na Vila de Ponta Negra, na capital do Rio Grande do Norte, na quinta-feira (13/3). PM-RN alega que reagiu a ataque a tiros, mas versão é contestada por moradores

A Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PM-RN) matou um homem de 30 anos em uma operação na Vila de Ponta Negra, na zona sul de Natal, na última quinta-feira (13/3). Moradores expressaram preocupação com a recorrência de ações letais na comunidade — em janeiro, outros dois homens haviam sido mortos pela PM no local — e relataram ver como intimidatória a presença de policiais à porta do cemitério do bairro no último sábado (15/3), ocasião em que a vítima fatal da operação mais recente era sepultada.
A versão da PM-RN sobre essa última ação, conforme comunicou à imprensa local, é de que policiais da Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) teriam reagido a um ataque a tiros na ocasião em que faziam patrulhamento na comunidade. À Ponte, uma moradora que preferiu não se identificar afirmou, no entanto, que os agentes da Rocam já teriam chegando atirando, sem que houvesse qualquer confronto. Também disse que havia policiais da Tropa de Choque e um helicóptero em sobrevoo no local.
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O homem morto pela PM-RN na ocasião é Rayan Oliveira Dantas, de 30 anos. O sepultamento dele ocorreu dois dias depois, no Cemitério de Ponta Negra, também na região. Uma vigília de familiares e amigos acompanhou o corpo até o local, ocasião em que PMs armados com fuzis pararam com uma viatura em uma rua à frente do cemitério. A presença do agentes durou poucos minutos.
A PM-RN afirmou, também à imprensa local, ter apreendido duas armas de fogo e porções de drogas na operação. Disse ainda que Rayan fazia uso de tornozeleira eletrônica e seria suspeito de tráfico de drogas, assim como dois homens que acabaram presos durante a mesma ação na comunidade.
Gentrificação e especulação imobiliária
Um coletivo de moradoras da vila, o “Engorda Pra Quem?”, contestou haver desproporcionalidade na ação, que considerou uma injustificada “operação de guerra”. O grupo surgiu por ocasião de uma obra de alargamento da faixa de areia da Praia de Ponta Negra, à beira da comunidade, encerrada em janeiro deste ano. Para o coletivo, tanto o empreendimento quanto as operações letais se inserem em um contexto de gentrificação da região, que é alvo de interesses do setor imobiliário.
“Para nós que vivemos cotidianamente na Vila e que já estamos sofrendo com a especulação imobiliária, com os efeitos negativos da engorda e com o descaso contínuo do poder público, como a precarização das escolas e dos equipamentos de saúde, trata-se de um projeto de extermínio e expulsão, através da disseminação do terror por parte do Estado. Quem são os interessados? Quem está lucrando em cima deste cenário de guerra? Certamente não somos nós”, divulgou o coletivo.
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À Ponte, o educador e ativista Josimar Fernandes, integrante do Fórum Popular de Segurança Pública do Rio Grande do Norte (FPSP-RN), afirmou que a violência em Ponta Negra não é novidade, mas que o interesse de especuladores tem de fato se intensificado. A vila ali situada era habitada a princípio por famílias de pescadores e cresceu a partir dos anos de 1980 com a construção de conjuntos habitacionais populares. Hoje a comunidade é cercada de mansões e está inserida em um polo turístico.
“A Vila está cada vez mais esmagada. Existe uma proposta velada, principalmente com o plano diretor [de Natal, sancionado em 2022 pelo então prefeito Álvaro Dias (PSDB)] de limpeza sanitária, não só na Vila, mas também em Brasília Teimosa, na Praia do Meio, que é mais popular”, contextualiza Josimar.
Aposta em ações ostensivas
O ativista critica ainda que, apesar da redução da letalidade policial no estado nos últimos seis anos, o governo Fátima Bezerra (PT) segue priorizando uma política de segurança pública baseada em ações ostensivas e militarizadas que, segundo ele, são sempre direcionadas a comunidades mais pobres.
“Essa coercitividade exacerbada, às vezes, atinge pessoas que não têm nada a ver com aquela situação, como crianças, idosos, trabalhadores que moram ali”, denuncia Josimar.
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“No lugar dessas operações, por que não ações permanentes? Por que não mais escolas? Ponta Negra é também um berço de cultura, onde estão as rendeiras, patrimônio do Rio Grande do Norte. Por que não potencializar isso?”, questiona.
A Ponte solicitou esclarecimentos à Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social do Rio Grande do Norte (Sesed-RN) para saber se a pasta entende ter sido adequada a conduta da PM nas duas operações na Vila de Ponta Negra e por qual razão PMs estiveram à porta do cemitério na ocasião do sepultamento, mas não obteve retorno até esta publicação. Se houver, a reportagem será atualizada.