Vítima ainda enfrentou descaso por parte de policiais e teve que relatar o caso para cinco homens
Uma estudante universitária de 21 anos relatou que foi assediada sexualmente na tarde de quarta-feira (23/11), enquanto assistia a um filme no cinema do Shopping Boa Vista, região central de Recife, em Pernambuco.
A jovem afirma que chegou ao shopping por volta das 14h30, comprou ingresso para a sessão das 15h do filme “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, e entrou para a sala de exibição. Como estava sozinha, escolheu um lugar mais reservado para acompanhar o filme.
De acordo com a estudante, cerca de 20 minutos depois do início do filme, um homem entrou na sala procurando por lugar.
“Dava para ver que estava mal-intencionado. Chegou bem depois do início do filme e ficou caçando lugar e, então, sentou do meu lado”.
Desde quando o homem de 53 anos sentou, a jovem ficou incomodada, pois ele estava encostando o braço e a perna em seu corpo.
“Imaginei que se tratava de um homem espaçoso e me afastava. Mas ele continuava insistindo em roçar o braço, perna e afins”.
Aos poucos, a jovem foi percebendo que estava sendo vítima de assédio. Segundo a estudante, o homem colocou uma pasta em cima dos braços, e começou a fazer movimentos repetidos na altura do órgão genital. Nesse momento, a jovem afirma ter tido a pior sensação de sua vida.
“O chão sumiu, o coração acelerou, a mão tremeu, a voz sumiu”.
Não bastasse se masturbar ao lado da jovem, o homem colocou a mão por baixo da saia da estudante, conforme ela relata. Desesperada, enquanto as outras pessoas assistiam ao filme, a jovem começou a gritar.
Na sala lotada, a estudante lembra que todos “riam, filmavam e protegiam o homem dos berros e tapas, mandando eu me calmar”. Exceto um rapaz, que segurou o homem, o impedindo de sair sem ser percebido da sala.
Todos recusaram testemunhar sobre o que aconteceu à polícia. Segundo a estudante, depois do assédio, o homem começou a dizer que ela estava mentindo.
“Ele me xingava de louca, disse que eu tinha problemas mentais, que deveria me tratar. Mas não, eu não sou louca”.
Seguranças e funcionários do Shopping Boa Vista chegaram e encaminharam a jovem e o homem para uma sala reservada. De acordo com relato da jovem, a tentativa dos funcionários era de abafar o caso e acabar com o tumulto.
“A única coisa que me disseram foi ‘isso não pode dentro do shopping”.
A segunda parte da humilhação
Depois de cerca de 40 minutos, a Polícia Militar chegou ao local. A princípio, a tentativa dos polícias era que a jovem desculpasse o homem e todos fossem embora, sem registrar ocorrência. No entanto, a estudante estava decidida que iria fazer um B.O. (Boletim de Ocorrência) contra o homem que a assediou.
Quando viram que a estudante estava, realmente, decidida, os policiais encaminharam o homem e a jovem para uma viatura.
Os dois juntos, sentados um ao lado do outro no carro da Polícia Militar, saíram do shopping. O destino ainda era indefinido, conforme explica a estudante.
“Os PMs estavam completamente despreparados para atender mulheres nesse tipo de situação. Os policiais ficavam perguntando, via rádio, qual delegacia eles deveriam ir para atender caso de assédio”.
A estudante interveio na conversa entre os militares, e pediu para ser levada para a Delegacia da Mulher, no bairro de Santo Amaro, a cerca de 1,5 km do shopping, pois “tinha uma visão utópica de que lá só teriam mulheres atendendo”.
A jovem ainda reclama que, desde quando os PMs chegaram ao shopping, se sentiu incomodada com a forma com que tratavam a situação.
“O meu caso era tratado como ‘suposto’, ‘suposta tentativa de assédio'”.
Ela conta que se frustrou quando chegou à Delegacia da Mulher e teve que relatar o caso para cinco homens, antes de ser atendida por uma mulher. Depois de passar pelas seis pessoas, a jovem recebeu a informação de que não poderia registrar o problema no local, pois o assédio não se enquadrava na Lei Maria da Penha. Foram, então, para outra delegacia. Novamente, a jovem e o homem ficaram lado a lado na mesma viatura.
Segundo a estudante, após chegar a outra delegacia, surgiram novos problemas para dar prosseguimento à denúncia.
“Não tinha delegado, e a informação era que precisaria esperar mais de quatro horas pra ser atendida. Todo mundo tentava me convencer a não esperar. Um dos policiais, inclusive, me disse ‘sabe que isso não vai dar em nada, né?’ e a todo tempo reclamavam que o horário de serviço deles havia encerrado e teriam que ir embora”.
Já era 23h30 quando finalmente a jovem conseguiu registrar o Boletim de Ocorrência por assédio e foi liberada, juntamente com o homem.
Redes sociais
Assim que chegou em casa, a estudante relatou o assédio em seu perfil no Facebook. A publicação foi feita às 2h47 do dia 24 de novembro. O post chegou a ter mais de 49 mil curtidas e 14,5 mil compartilhamentos. No entanto, a vítima, por recomendação de sua advogada, pediu para não ser identificada na reportagem.
No dia seguinte, a gestora da DPMUL (Departamento de Polícia da Mulher), Inalva Regina, comentou na publicação do relato da jovem pedindo desculpas, e informou que estava à disposição e que as atitudes tomadas pelas estudantes foram corretas.
“Você está certíssima, desde os gritos até o fato de ter exigido ir para a Delegacia da Mulher. O erro foi nosso. Você teria todo direito de registrar, sim, o seu B.O na Delegacia da Mulher. Já estou tomando providências quanto a esse fato”, escreveu.
Procurada pela Ponte Jornalismo, Inalva explicou o porquê de a jovem não ter sido atendida na Delegacia da Mulher, mas reconheceu que foi um erro a forma como ela foi tratada.
“As mulheres que sofrem violência doméstica, por familiares, tem que ir, necessariamente, à Delegacia da Mulher. Já as mulheres que sofrem outros tipos de violência de gênero podem optar por ir à Delegacia da Mulher ou à delegacia comum”.
Inalva ainda explicou que não pôde pegar o caso, pois a jovem já havia registrado a ocorrência na Delegacia de Polícia de Boa Vista e, por isso, o DP ficou responsável pelo prosseguimento do caso. A gestora da DPMUL acredita, ainda, que a ocorrência já tenha sido encaminhada para a Justiça.
Até o fechamento desta matéria, o Shopping Boa Vista não respondeu aos questionamentos do Ponte Jornalismo acerca do caso.