TJ avaliou não haver provas de que um agente do Estado é responsável pelo ferimento, em junho de 2013. Câmara revê decisão em primeira instância que considerava o fotógrafo culpado por se colocar na ‘linha de tiro’
A 9° Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo inocentou com unanimidade o Estado por cegar o fotógrafo Sérgio Silva, atingido por bala de borracha em junho 2013. O profissional, que movia ação em segunda instância, perdeu o olho esquerdo atingido quando cobria uma manifestação do Movimento Passe Livre nas Jornadas de Junho de 2013.
O Tribunal entendeu “não haver provas” de que o ferimento no olho do fotógrafo foi causado por uma bala de borracha e, portanto, não há “nexo causal com o comportamento danoso do Estado”. A decisão teve os três votos favoráveis ao Estado. Votaram os desembargadores Rebouças de Carvalho, relator do caso, Décio Notarangeli e Oswaldo Luiz Palu. Leia a decisão.
O trio respaldou decisão em primeira instância, porém, reconheceu que o fotógrafo não “teve culpa” pelo incidente e estava fazendo o seu trabalho. Contudo, inocentaram o Estado por consideraram as provas apresentadas insuficientes para ligar um policial, no caso, um agente do Estado, como causador do dano.
“Essa decisão é de quem protege o Estado, de quem está do lado da polícia. A ideia é ir para terceira instância, ir para um tribunal internacional onde haja humanidade”, garantiu o fotógrafo. “Com essa decisão, acho que fico mais revoltado. Eu sei e milhares de pessoas sabem o que aconteceu naquela noite, 13 de junho, quando a polícia reprime a manifestação contra o aumento da tarifa, atira em manifestante, em senhora passando na rua, na cara da imprensa… E o que se ouve em uma decisão dessa do Tribunal é de que você não tem prova de que foi bala de borracha que me cegou, que foi o agente do Estado que atirou… E fica a pergunta: quem manipula arma com bala de borracha? Quem promoveu a onde de violência naquela noite? Quais pessoas ficaram feridas? O que está acontecendo legitima a ação da polícia naquela noite”, continua.
O advogado de Sérgio questionou a decisão em entrevista à Ponte. “Basicamente, o juiz diz: ‘O laudo não afasta a possibilidade dele ter sido vítima, mas não é conclusivo’. Pedimos para incluir mais provas, não foi autorizado porque o primeiro juiz diz que a culpa é do Sérgio. O Tribunal diz: ‘A culpa não é dele, mas ele não provou’. Só que não dá a chance dele provar por não devolver à primeira instância para que possa fazer a prova. O lugar onde se prova ou não é no processo, no começo. E, no processo, não foi autorizado. Como vai provar?”, criticou o advogado do fotógrafo, Maurício Vasques.
Em 2016, o juiz Olavo Zampol Júnior, da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou que a culpa pelo ferimento era do próprio fotógrafo. O juiz afirma que foi Sérgio quem se colocou na “linha de tiro” e, portanto, era o responsável pelas consequências.
Sérgio Silva foi ferido no dia 13 de junho de 2013, na Rua da Consolação, enquanto cobria uma manifestação do Movimento Passe Livre como freelancer para a agência Futura Press. Na noite mais violenta das Jornadas de Junho, ele perdeu 100% da visão do olho esquerdo. No mesmo ano, o fotógrafo acionou a Justiça demandando a responsabilização do governo do Estado de São Paulo e a devida indenização pelo ocorrido.
A decisão em primeira instância causou indignação e diversas entidades da sociedade civil declararam apoio ao fotógrafo, que passou a representar a luta contra o fim da violência policial. O abaixo-assinado que pede a revogação da decisão já tem mais de 73 mil assinaturas.
Em 2000, um caso similar aconteceu: o também fotógrafo Alexandro Wagner Oliveira da Silveira foi atingido no olho por uma bala de borracha enquanto cobria um protesto de professores. Ele também perdeu a visão do olho esquerdo.
Silveira ganhou a ação que moveu contra o Estado em 1ª instância, mas a decisão foi reformada em 2ª instância no TJ-SP, onde os desembargadores entenderam que o fotógrafo era, na verdade, o único culpado pelo ferimento. Para os magistrados, ao não se retirar do local da manifestação quando esta tomou proporções agressivas, Silveira assumiu o risco e seria o responsável pelo acontecimento do qual foi vítima.
Balas de borracha em manifestação
A Ponte publicou um documento secreto que determinava as regras para o uso de bala de borracha pela Polícia Militar contra manifestantes e apontou que estavam sendo desrespeitadas impunemente pelos próprios agentes. Segundo o documento, que veio à tona em novembro de 2014, o uso da bala de borracha deve ser uma exceção e não é o procedimento correto para dispersar manifestantes. Explicita ainda que o disparo tem de ser feito a uma distância de pelo menos 20 metros do alvo, preciso e “direcionado para os membros inferiores do agressor ativo”.
O documento estabelece ainda o procedimento a ser adotado após o disparo excepcional: “isolar a área e retirar o indivíduo do meio da multidão (se possível), socorrendo ou providenciando o socorro aos feridos”. No caso do fotógrafo, nenhum suporte foi dado por parte do Estado; Sérgio foi carregado à pé por outro manifestante da Rua da Consolação até o Hospital 9 de Julho. Inclusive, as despesas com o hospital privado, no valor de R$ 3.894 reais, tampouco foi reembolsado pelo Governo de São Paulo.