Na mesma data em que se completam 80 dias do assassinato da vereadora, Mônica Benício se uniu a milhares de mulheres LGBTs para marchar por justiça e pelo fim do genocídio da população negra
“Não tinha como ser outro tema se não Marielle Franco. Marielle é uma figura maravilhosa. Ela é uma síntese de todas as nossas lutas”, é o que diz Maira Mee, 40 anos, uma das organizadoras da ‘Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de SP’, que chega na 16ª edição com a temática ‘Somos Marielle: Contra a criminalização da pobreza, o genocídio e a intervenção militar’.
A arquiteta Mônica Benício, companheira de Marielle, esteve presente durante toda a caminhada. “Esse ato é político e de resistência, é onde a gente diz que o nosso corpo é uma representação política e a gente precisa continuar seguindo nessa luta”, disse a arquiteta em seu discurso, minutos antes de a marcha andar.
A concentração da caminhada começou por volta das 14h na Praça Oswaldo Cruz, na avenida Paulista, e seguiu rumo ao Parque Trianon às 17h – onde, às 19h, o ato deu espaço às apresentações musicais da rapper Luana Hansen e da banda Clandestinas. Mulheres lésbicas e bissexuais lembravam a importância da visibilidade dentro do movimento LGBT, além de pautas como o fim do genocídio negro e da intervenção federal. Também pediram justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes, já que os assassinatos completaram 80 dias neste sábado (2/6) e não se sabe ainda quem matou e quem mandou matar os dois. Segundo a organização, pelo menos 2 mil pessoas participaram do ato.
‘Fascistas, racistas, machistas não passarão’, ‘lésbicas e bissexuais, sementes de Marielle, lutarão todos os dias’ e ‘Marielle presente hoje e sempre’, entoava Mônica ao microfone, acompanhada pelas milhares de mulheres presentes no ato que repetiam suas palavras com empolgação.
Em entrevista à Ponte, Mônica relembra a importância de manter as lutas de Marielle vivas. “O fato da minha companheira ter sido brutalmente assassinada num crime político faz com que, mais do que nunca, para que ela se cumpra como disse que não será silenciada, a gente esteja ocupando todos os espaços, continue lutando pra continuar dando voz a luta dela. É fundamental que a gente não se cale. É legítimo que a gente sinta medo, mas é preciso que a gente continue seguindo de qualquer forma, porque é interesse do governo nos silenciar. A revolução está em curso”, enfatiza.
Desde o assassinato de sua companheira, Mônica deu poucas entrevistas. Estava vivendo a fase de reclusão a partir do luto. Agora, passados 80 dias do crime, ela garante que defenderá a legitimidade da sexualidade de Marielle. “Foi uma decisão minha não estar me posicionando porque naquele momento não era uma luta política, era o meu momento de dor. Eu tinha acabado de perder a mulher da minha vida e isso era muito difícil. Depois, eu comecei a me posicionar e dar uma continuidade a uma luta que eu nem vi que estava assumindo. Infelizmente a gente vive em uma sociedade LGBTfóbica [que invisibilizou a sexualidade de Marielle] e hoje estar me posicionando, estar assumindo o título de viúva, o título da companheira, é imprescindível para dar legitimidade. Assim como o Anderson tem uma viúva, Marielle também tem”, defende Mônica.
Maira Mee explica a importância de ter uma marcha para mulheres lésbicas e bissexuais. “A gente sentiu essa necessidade lá atrás, quando a Parada já tinha alguns anos, e a gente sente todos os anos, cada vez mais. A caminhada acontece através de um organizativo que se junta a cada ano, com pessoas diferentes que se juntam a cada ano, não é um coletivo, não é uma ONG, não é nenhum tipo de organização da sociedade civil. Sempre que a gente está ocupando espaços que são LGBT a gente sabe que esses espaços são mais dominados por homens, homens gays. É um ato muito importante, porque ele marca na militância de mulheres lésbicas e bissexuais e trata de nossas pautas específicas”.
Yasmim Nóbrega, 30 anos, que integra a Liga Brasileira de Lésbicas e esteve na marcha ao lado da esposa Márcia Balades, defende a temática da vivência LGBT de Marielle e o fim genocídio negro como fios condutores. “É importante trazer a vivência lésbica para o caso dela, porque muitas pessoas invisibilizaram a relação que ela tinha com a Mônica, parecia que ela não tinha sexualidade. Assim como é fundamental falar sobre o genocídio da população negra, contra a intervenção e em defesa da justiça do caso de Marielle e Anderson, assim como outros casos como Amarildo, a Cláudia”, opina.
A educadora Aline Anaya, 27 anos, também relembra o apagamento da sexualidade de Franco. “Marielle era uma mulher preta, lésbica e que foi morta, mas a mídia falou pouco sobre a sexualidade dela. Por isso acho que trazer a sexualidade dela e reverberar isso pras sapatões de quebrada é muito importante”.
Para a escritora Amara Moira, 33 anos, todas as lutas estão conectadas e ela reforça a importância de mulheres trans e travestis estarem presentes no evento. “A luta contra as pessoas trans, é também uma luta contra as mulheres, uma luta contra pessoas LGBTs, é uma luta contra pessoas negras, é uma luta de segregação de quais são os corpos considerados normais, quais os corpos que podem ocupar os espaços e quais não. A gente [mulheres trans e travestis] estar aqui presentes é também reconhecerem o nosso direito a ter orientações sexuais diversas. Estamos aqui presentes é poder reivindicar esse espaço como nosso também, é disputarmos o que significa ser trans, ser lésbica e bissexual”, argumenta.
Ela relembra que Marielle também lutava pela causa trans em seu mandato. “Marielle estava determinada em juntar todas as lutas em uma luta forte e potente. Eu lembro de uma conversa que tive com ela, que durou breves minutos, falando da luta para que sua assessora trans pudesse usar o banheiro feminino na Câmara de Vereadores do Rio”, diz Amara.
A professora Luiza Coppieters, 38 anos, acredita que Marielle era mais do que um símbolo e que a sua morte deve ter impacto na presença de mulheres LGBTs na política. “A perda da Marielle foi imensa, pois ela era representante de um segmento da sociedade que é que extremamente marginalizada. Representava as mulheres negras, periféricas e lésbicas. Espero que isso fortaleça outras mulheres lésbicas e bissexuais a irem para a política, para que a gente possa ter representação política institucional e não só nela, que a gente ocupe outros campos e marque posição em uma sociedade que é extremamente misógina e machista”, explica. A Ponte publicou recentemente reportagem em que mostra o “efeito Marielle”: mulheres negras e periféricas que, diante da trágica morte da vereadora, decidiram ir à luta através de candidaturas.
A filosofa Dalila Brito, 31 anos, argumenta que dar visibilidade às pautas exclusivas para mulheres lésbicas e bissexuais é o grande legado de Marielle. “Acredito que a força de todas as pautas que Marielle Franco carregava, por ser uma mulher, lésbica e mãe, com toda essa conjuntura política e opressora, dá esse fortalecimento. A voz dela era uma voz potente, as políticas públicas que ela carregava diante das vozes também. Essa é a força que a gente precisa nesse momento”, defende.
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