Parentes de Bárbara Querino, Igor Barcelos Ortega e Marcelo Dias caminharam do Tribunal de Justiça até o Ministério Público em repúdio às prisões dos três e à violência de Estado
Fotos, camisetas estampadas, punhos cerrados e , em uníssono, gritos por justiça. Os nomes de Bárbara Querino, Igor Barcelos Ortega e Marcelos Dias estavam unidos em faixas e nos abraços entrelaçados entre os familiares de cada um deles em frente ao Tribunal de Justiça do Estado, na Praça da Sé, nesta quinta-feira (13/9). O ato intitulado “Liberdade aos Jovens Negros Presos Injustamente” percorreu as ruas do centro da capital paulista em repúdio às prisões dos três.
A conexão dos casos se deu, principalmente, pelas mobilizações na internet. É o que explica a assistente social Mayara Vieira, idealizadora da página “Todos por Babiy” (apelido da jovem) no Facebook e responsável pela organização do protesto. “Eu sou amiga da Bárbara, mas essa é uma causa maior porque a gente percebe que essas prisões acontecem com frequência”, afirma.
A modelo Babiy, como é conhecida, foi condenada a 5 anos e 10 meses de prisão no mês passado sob acusação de ter participado no assalto a um veículo em 10 de setembro de 2017. De acordo com amigos e familiares, a jovem de 20 anos estava trabalhando no Guarujá como modelo no mesmo dia 10 e a acusação de um outro roubo de carro, no dia 26 do mesmo mês, teria se baseado no reconhecimento feito em 4 de novembro, quando ela foi detida.
“No boletim, a vítima conta que era uma menina de cabelo liso, depois, que era cacheado e que estava com o rosto virado para o chão e a reconheceu pelo cabelo. Eu vejo como racismo porque, das meninas que foram detidas, só ela é negra e é a que foi presa”, conta a mãe, Fernanda Regina Querino. “A Bárbara é uma menina esforçada, que sempre quis ser independente. Ela já fazia trabalhos de modelo e animadora de eventos há muito tempo. Era uma segunda mãe para os irmãos, é a única menina, a mais velha. Ela ajudava em tudo, com a escola e, quando ela foi presa, acabou comigo. Ela não é envolvida com crime”, enfatiza a mãe.
Com a movimentação e companhia de outras mães, a auxiliar de limpeza diz que se sente fortalecida. “Eu que me sentia perdida, agora estou sendo abraçada por várias mães, por muita gente”, desabafa Fernanda.
A família de Marcelo Dias tenta provar que o educador acabou abordado por policiais em frente à ONG que preside e foi confundido. As 15 mulheres, entre irmãs, tias, primas e crianças presentes, apontam que os policiais o abordaram por causa de uma sacola abandonada por suspeitos em um táxi. Segundo os familiares, Marcelo pensou que, por estar na frente da ONG, a sacola tinha objetivos furtados do local, mas nela havia 4,9 kg de pasta base de cocaína. Ele foi acusado de tráfico de drogas em junho.
“Nós temos que fazer barulho porque não podemos permitir que pessoas inocentes continuem sendo julgadas por causa da cor da pele, por morar em periferia”, afirma Rosangela, mãe de Marcelo, que aguarda esperançosa pela primeira audiência de instrução do caso, prevista para dia 1 de outubro no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
Morar em regiões periféricas da cidade também é um ponto em comum entre os presentes, além da dificuldade de arcar com os custos para enviar o jumbo, nome dado para as comidas e produtos de higiene pessoal levados por familiares aos presos. Os três acabam privados desses serviços. “Eu gasto quase 10h de viagem para ir ao presídio ver meu filho, preparar o jumbo é muito custo. Mas entrando em contato com o povo negro, contando a história do Igor, a gente vê que outras histórias também são parecidas”, conta Elizabeth Barcelos.
Igor foi condenado, no ano passado, a 15 anos e 6 meses de prisão acusado de participar de uma tentativa de latrocínio a um policial militar em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, em novembro de 2016. Os parentes haviam contratado uma perícia particular e solicitam que a Justiça reanalise as provas levantadas.
Para a presidente da Amparar (Associação de Amigos e Parentes de Presos e Presas), Railda Alves, as famílias de encarcerados sofrem “uma condenação dupla”. “Encarcerar negros é uma política de Estado, que quando não tortura fisicamente, tortura psicologicamente porque o dia de visita no sistema prisional é pior do que estar no inferno. A importância de estarmos num ato como este é mostrar para o judiciário que as famílias estão acordando para tudo isso”, pontua.
A fundadora do movimento Mães de Maio, Debora da Silva, também explica que a violência de Estado deixa marcas para além das grades. “A cultura institucional do judiciário é prender para depois matar. Os nossos filhos não são mercadoria e o sistema prisional como está promove o extermínio de vidas negras”, explica. “Meu filho passou pelo sistema, pagou dois anos sem dever e ganhou indulto, mas quando os policiais o abordaram em maio de 2006, perguntaram se ele tinha passagem. Quando ele disse que tinha, foi dada ali a sentença de morte dele porque existe a cultura de caça a pobres e negros dentro da formação da polícia”.
A manifestação teve como destino o prédio do Ministério Público, na Rua Riachuelo, no centro. As famílias recolheram assinaturas de movimentos e dos presentes para encaminhar um documento ao Tribunal de Justiça solicitando uma audiência pública sobre os três casos.