Familiares de presos denunciam maus-tratos e isolamento após motim em Avaré (SP)

    Relatos apontam ação violenta do Grupo de Intervenção Rápida (GIR): ‘bateram muito, entraram na cela e jogaram gás pimenta’, diz egresso; visitas ficaram suspensas por 20 dias

    Penitenciária de Avaré II, no interior de São Paulo | Foto: Divulgação/Arquivo SAP

    Enquanto os brasileiros iam para as urnas decidir o futuro do país no primeiro domingo de outubro (7/10), dentro da Penitenciária II de Avaré, no interior de São Paulo, presos amotinados exigiam melhores condições na prisão, o fim da violência nas ações do Grupo de Intervenção Rápida, o GIR, espécie de tropa de choque dos presídios, e um tratamento mais decente aos familiares em dia de visita. O grupo de rebelados pertencem aos raios 2 e 3 – a unidade tem 4. A resposta, de acordo com familiares e um egresso que saiu da penitenciária dias depois do ocorrido, foi uma violenta repressão do GIR, que permaneceu vários dias dentro das instalações prisionais e a suspensão por 20 dias de qualquer comunicação com os detentos. Até mesmo correspondências não estavam chegando e, ainda de acordo com familiares, não havia informações sobre o estado de saúde dos envolvidos no protesto.

    A mulher de um dos detentos afirmou que ligou para saber em que situação estava o marido e recebeu a informação de que a ficha dele estava com uma indicação de que ele teve uma “conduta prejudicada” e que, por isso, poderia ter participado da rebelião. “Foi uma agonia porque não pude nem saber se ele estava vivo ou morto”, desabafou.

    Segundo apuração da Ponte, os presos que foram machucados receberam cuidados na enfermaria do presídio e que nenhum precisou de cuidados externos em hospitais. De acordo com moradores da região, era possível ouvir gritos de presos durante a madrugada.

    A Ponte teve acesso ao relato de um ex-detento, que saiu da unidade alguns dias após o motim, que confirmou a violência, segundo ele, constante. “[Os agentes] bateram muito, entraram nas celas e jogaram gás de pimenta contra os presos”. Segundo ele, a alimentação era servida apenas uma vez por dia e que ainda há detentos que tiveram as roupas confiscadas como castigo.

    “O que falaram é que a gente quebrou tudo, inclusive a cozinha, mas isso não é verdade. Estão fazendo covardia com a gente”, afirmou. Além disso, o egresso também afirma que mesmo depois de o tumulto ocorrido naquele dia ter sido controlado, o GIR continuou no local e está agredido diariamente os presos. 

    Segundo a associação Amparar e os familiares dos presos, os relatos de maus tratos são comuns em Avaré. Em setembro do ano passado, a Ponte revelou que aconteciam espancamentos e humilhações dentro do local. Parentes afirmaram que no final de agosto do ano passado os detentos foram submetidos a uma sessão de espancamento que deixou ao menos 15 feridos.

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    A mulher de um preso, que pede para não ser identificada, afirmou que passa constantemente por humilhações na revista da visita, mesmo com scanner. “Mesmo passando por scanner, eles me fazem tirar a roupa toda. Toda visita. É quase uma sensação de que dificultam de propósito. Se tem o scanner, para que me fazer passar por isso?”.

    A mulher de outro detento conta que está amamentando e, por isso, os seios estão grandes. Recentemente, acabou ficando mais tempo do que o necessário na revista porque a agente queria saber o que ela estava escondendo nos seios. “Ela perguntou: mas você não tem nada aí? Respondi: sim, leite. Tive que tirar a roupa para mostrar também”. 

    De acordo com a mãe de um jovem preso por tráfico de drogas desde o ano passado, a ação violenta dos agentes e o impedimento das visitas não são justificáveis. “Eu comecei meus estudos em Direito, mas acabei abandonando. Mas sei que o advogado não pode ser privado de ver o cliente. E isso está acontecendo em Avaré. Eles estão escondendo o que? É claro que no meio da rebelião o cara não vai entrar, mas passado o momento tenso, qual a justificativa?”, questiona a mãe.

    Segundo a mulher de outro preso, o marido afirmou para ela que foi ameaçado pelo diretor do presídio, que disse que o conhecia e sabia que ele era “irmão” de um outro rapaz apontado como integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital). “Chamou de demônio. Como pode isso? Isso não é verdade”. O termo irmão é usado para designar que uma pessoa que pertence à facção criminosa.

    A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) afirmou que as denúncias não procedem. Segundo a pasta, “são oferecidas três refeições por dia em bom estado de conservação distribuídas para os presos e todas são devidamente elaboradas por nutricionistas”. De acordo com a SAP, a alimentação é balanceada e segue cardápio previamente estabelecido, com cereais, carne bovina e de frango, macarrão, feijão, frutas, legumes e verdura, respeitando a legislação.

    Ainda em nota, a SAP afirma que os advogados têm acesso a seus clientes e que os atendimentos de enfermaria estão sendo feitos normalmente. “Ressalvamos que as cartas, assim como as visitas de familiares do pavilhão envolvido no ato de insubordinação foram suspensas por 15 dias por questão de segurança”, afirmou.

    Porém, a pasta afirma que os demais pavilhões receberam visitas normalmente, assim como as demais alas da unidade funcionam sem alterações, dentro das normas de disciplina e segurança. “Todos os presos que se encontravam no local afetado receberam kit de higiene, sendo ainda que apenas entulhos e lixo estão sendo jogados fora”, diz a nota. 

    Além disso, a SAP também diz que “os objetos pessoais foram revistados e já foram devolvidos”. “Cabe observar ainda que foi instaurado procedimento de apuração preliminar e disciplinar para a devida elucidação dos fatos no ato de insubordinação”, finaliza o posicionamento.

    A Defensoria Pública recebeu a denúncia da associação e de algumas famílias dos presos. Além disso, também foram registradas denúncias anônimas sobre o caso que está em andamento para uma possível análise e vistoria no local dos fatos.

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