Para pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, ação no Cariri (CE) com 14 mortos foi mais um fracasso de uma política de segurança equivocada
“Estamos diante de uma ação em que a Polícia Militar do Ceará demonstra seu despreparo e seu pouco compromisso com a defesa da vida. Compõe o discurso da PM e do Secretário de Segurança o de que ação policial tem que ser ‘operacional’ e os ‘bandidos’ tem que escolher entre a justiça e o cemitério”, essa é a avaliação de Luiz Fávio Paiva, professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV).
A pedido da Ponte, o pesquisador analisou a ação policial que pretendia frustrar tentativas de ataques a bancos na região do Cariri, na madrugada de sexta-feira (7/12), que terminou com 14 mortos, 5 deles da mesma família. João Batista Magalhães saiu de Serra Talhada (PE) com o filho de 14 anos, Vinícius, buscar três parentes no aeroporto de Juazeiro do Norte. Na volta, na BR-116, passaram pelo bloqueio feito pelos criminosos e foram feitos reféns.
Paiva afirma que a PM vem acumulando fracassos esses anos todos, sempre com as desculpas de que recebeu informações a respeito da ação de bandidos, como foi o caso ocorrido próximo a pacata cidade de Milagres. Após a tragédia, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) em nota, o secretário André Costa e o governador Camilo Santana (PT) se uniram em coro para destacar que os ataques foram evitados e que “pelo menos oito integrantes da quadrilha estão entre os mortos e três pessoas foram presas”.
“Estavam preparados para assaltar dois bancos e não assaltaram nenhum”, disse o governador, segundo informou o portal de O Povo, que destacou também o fato de Camilo ter colocado sob suspeição a história dos reféns. “É a informação que você tem”, disse ao ser questionado por um repórter. “É estranho um refém de madrugada no banco”.
“O mais decepcionante é o fato de o Governo do Estado do Ceará parecer comprometido com a incompetência das suas forças policiais. Após uma ação desastrosa como a realizada em Milagres, a exemplo do que observamos em outras ações, secretário e governador se preocupam em justificar as ações policiais, legitimando o fato de ela ser violenta e atingir inocentes. Tudo isso em razão de uma ‘guerra ao crime’ que esses agentes públicos já perderam há muito tempo”, explica o professor Luiz Fábio Paiva.
O pesquisador do Laboratório de Violência da UFC lembra dois episódios ocorridos este ano em que a ação da polícia foi totalmente equivocada: uma mulher morta dentro do próprio carro pela polícia em Fortaleza, em junho, porque, supostamente, não parou e o veículo era semelhante ao de um suspeito, e um jogador de bilhar morto em agosto em Campos Sales, no interior do estado, porque, supostamente, o taco de bilhar pareceu uma arma. “Em nenhum desses casos aconteceu tiroteio, simplesmente, os policiais atiraram para matar”, destaca.
Para Paiva, o governo do Ceará escolheu a violência policial para resolver o problema da segurança, mas não se deu conta de que alguns problemas são muito maiores do que simplesmente “atirar em bandidos”. No caso do episódio da última sexta-feira, a operação era complexa e havia informação de reféns. “A polícia precisa entender que a sua missão constitucional é proteger e não trocar tiro com as pessoas que fazem o crime. É inaceitável a falta de planejamento e tranquilidade de policiais para agir em uma situação de crise”, critica o pesquisador.
Em coletiva de imprensa ainda nesta sexta-feira, o secretário André Costa moderou o discurso e chegou a admitir que, caso fique comprovado que houve um erro de procedimento, está disposto a rever condutas. “A gente confia muito no trabalho da polícia. É importante a gente aguardar a investigação. A conclusão desse trabalho é que vai poder dizer o que realmente aconteceu, como foi a dinâmica, e a gente poder avaliar se houve ou não alguma atuação que poderia ser melhor por parte da polícia e se houver aprender com isso. A priori a gente precisa ter responsabilidade, calma”, defendeu o chefe da pasta de Segurança Pública.
Ele também avalia a dificuldade enfrentada pelo agente da segurança pública que, no final das contas, é quem está na linha de frente e é também afetado pela política pública equivocada. “Não é fácil ser policial no Ceará e carregar a responsabilidade de garantir direitos em uma sociedade violenta e repleta de ações que envolvem agressões a cidadania. Contudo, não podemos aceitar que a troca de tiros e o assassinato sejam os meios de resolver os problema relacionados a violência. A vida das pessoas precisa ser a prioridade máxima e não a morte de bandidos, como se estivéssemos no meio de uma luta entre policiais e bandidos que atuam, ambos, sem regras. O policial não pode se rebaixar e precisar entender que em situações como a de Milagres a proteção vida de reféns é a prioridade máxima de toda ação”, pondera.
Sobre a redução no números de homicídios no Ceará, comemorada um dia antes da operação no Cariri pelo próprio secretário de Segurança Pública, André Costa, em seu Facebook, Paiva alerta que isso se deu ao que ele chama de “reacomodação das forças”. “Assistimos a uma continuidade de todas as práticas e do poder de pessoas e coletivos que praticam o crime. Isto significa que a redução não se deu por mérito de ações policiais, mas por uma reacomodação das forças em atuação no Estado”, conclui Luiz Fábio Paiva.