Chico foi preso em agosto de 2018 depois de reconhecimento irregular e teve liberdade concedida após reportagem da Ponte; Carmem, sua esposa, critica: ‘a lei é para negros, pobres e que não podem fazer delação premiada’
Carmem tremia quando chegou em frente ao CDP III (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, por volta das 17h desta sexta-feira (29/3). Enquanto esperava a saída do marido, fumava um cigarro atrás do outro. Duas horas depois, chegou a hora de abraçar Chico, agora em liberdade. O pintor e ajudante de pedreiro Francisco Carvalho Santos, 60 anos, foi preso em agosto de 2018 depois de um reconhecimento irregular por funcionários de posto de gasolina. A acusação é de que Chico teria cometido dois roubos a mão armada e fugido a pé. Mas havia um detalhe que não podia passar batido: Chico é manco e tem câncer. A reportagem da Ponte foi citada na petição judicial para liberdade provisória do ajudante de pedreiro. O R7 foi o primeiro a noticiar a injustiça, em reportagem publicada no início deste mês.
Nesta sexta-feira, depois de 7 meses de prisão, Chico foi liberado da prisão. Sua companheira, Carmem, chegou ao CDP por volta das 17h, depois de mais de uma hora do trajeto de casa até o local. “O coração tá batendo acelerado, eu tô tentando dominar ele, pois não é fácil. Sete meses e 24 dias não foi fácil, foi pior que a morte”, disse Carmem à Ponte.
A empregada doméstica aguardou por quase duas horas a saída de Chico. Durante o tempo de espera, contou à Ponte como foram os meses tentando primeiro tirá-lo da prisão – vitória conquistada nesta sexta-feira – e depois provar a inocência do marido, uma luta que ainda vai continuar.
“A Constituição diz que a lei é para todos, mas isso é mentira. A Constituição tinha que dizer que a lei é para negros, pobres e que não podem fazer delação premiada. O resto é só hipocrisia. Se houvesse justiça, o Francisco, e outros Franciscos que já vieram pra esse calabouço naval, porque as prisões são isso e a lei só enxerga aquilo que quer ver, ele não estaria aqui”, salienta Carmem. E desabafa: “Se eu aguentei até agora e cheguei até aqui, eu saí das cinzas, só falta colar os cacos, mas preciso que tudo seja concretizado. Eu peço muito a Deus que haja justiça, mas justiça divina, porque a justiça do homem é falha”.
Em poucas palavras, assim que foi liberado, Chico definiu o seu sentimento. “Lá dentro é muito humilhante, torturante. Estou muito feliz de estar aqui fora. Foram meses difíceis, não foi legal, eu passei por que tenho muita paciência e muita calma. O que se passa lá dentro é muito triste. Mas eu passei e venci mais uma. Venci o câncer e antes de acabar essa luta veio essa outra, mas eu vou vencer todas”, desabafou o ajudante de pedreiro.
Carmem entona que outros Franciscos ainda vão aparecer. “Quantos Franciscos ainda virão pra cá? Quantos irão pagar com a própria vida? Muitos acabam morrendo e quando descobre a polícia diz que foi bala perdida. Será que foi bala perdida mesmo? Hoje eu não acredito nisso, porque se aquele policial puxasse aquele gatilho seria uma bala perdida. E quem ia provar o contrário, um policial da Rota? Eu não vou desistir, eu quero essas imagens. A família de uma pessoa quando é acusada injustamente quer provas, mas eles não querem provas, eles querem se livrar das provas. Só a lei, aquela que a gente chama de lei, que olhou e viu que Francisco era culpado”, argumenta.
[…] Knight: outros dois homens – negros e pobres – foram libertados após reportagens da Ponte apontarem inconsistências em inquéritos e processos que os levaram à prisão. E, em um caso que ganhou destaque nacional, o trabalho da Ponte ajudou a […]