Essa será a primeira vez desde a Conferência de Durban, na África do Sul, em 2001, que missão oficial brasileira composta exclusivamente por movimentos negros participa de um encontro para fazer denúncia internacional
A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos) vai receber 14 ativistas e militantes dos movimentos negros brasileiros para falar sobre o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que pretende modificar o sistema penal e denunciar violações dos direitos da população negra no Brasil. A comitiva será composta por 10 mulheres e 4 homens de 7 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Goiás, Pará e Maranhão.
Sediado na Universidade de West Indies, em Kingston, Jamaica o evento celebra o marco do 172º Período de Sessões e a participação do grupo brasileiro será em 9 de maio. A última participação em missão oficial brasileira exclusiva dos movimentos negros em fóruns de denúncia internacional aconteceu em 2001, na África do Sul, durante a Conferência de Durban – um movimento protagonizado por mulheres negras latino americanas, que, na época, teve como uma das líderes Sueli Carneiro.
Em entrevista à Ponte, Iêda Leal de Souza, coordenadora nacional do MNU (Movimento Negro Unificado), que participará da audiência pública, enfatiza a importância dos movimentos negros se unirem e construírem debates internacionais como este da OEA. “A luta contra o racismo não está sendo fácil no nosso país. Esse conjunto de mulheres e homens indo para essa reunião importante, não só fazer as denúncias da forma que o negro vem sendo tratado nesse país, mas, também para gente reunir forças para continuar lutando e decidir os caminhos que vamos traçar daqui pra frente”, defende Iêda.
Para ela, o caminho está na reorganização do movimento e na vigilância contínua. “Vamos redobrar a nossa vigilância, vamos continuar lutando, mas temos a necessidade de incluir novas parcerias e espaços pra gente denunciar e tirar situações bastantes positivas para ter um diálogo com o governo brasileiro e continuar reafirmando que o negro nesse país vai ter que ter muito respeito de quem dirige e a compreensão de que nós somos uma nação grandiosa, somos 60% dessa população, por isso a necessidade da nossa reorganização e desses diálogos internacionais”, argumenta a coordenadora do MNU.
Iêda explica também o que o pacote anticrime representa para o Movimento Negro Unificado. “De fato, ele representa a criminalização do povo. Não se apresentou nada de novo, não se tem nada pedagógico. O que tem, na verdade, é uma coisa punitiva. E esse punitivismo dá crédito para quem poderia ajudar na segurança das pessoas, mas na verdade diz para elas que elas estão autorizadas a continuar exterminando o povo negro. Nós não podemos concordar com isso”, critica Souza.
O documento protocolado à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), em fevereiro de 2019, teve assinatura de 39 entidades da sociedade civil organizada e representantes de movimentos negros e periféricos. O ofício pede um posicionamento do órgão sobre as medidas e que seja disponibilizado um observador internacional para acompanhar o caso no Brasil. Entre os pontos do projeto que mais colocam em risco a população negra, as entidades destacam a proposta de prisão em segunda instância, que aumentará o número de presos no país, e o menor rigor na punição e apuração de casos de homicídio cometidos por agentes de segurança do Estado.
“O conjunto de propostas, que visa alterar leis federais na área penal, processual penal e de combate à violência, tem gerado, desde sua apresentação pública em 4 de fevereiro de 2019, amplo debate e muitas críticas por parte de juristas, acadêmicos, especialistas e sobretudo das organizações da sociedade civil. A gravidade que tais modificações podem representar à segurança pública e à vida de milhares de cidadãos e cidadãs brasileiras, sobretudo da população negra e pobre, nos motiva a apresentar este documento a esta Comissão”, explica o texto do ofício, que começa com uma frase do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de incentivo à violência de Estado: “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim! O policial que não atira em ninguém e atiram nele não é policial.”