Bolsonaro é denunciado à ONU por desmontar grupo de combate à tortura

    Entidades de direitos humanos cobram que o órgão internacional se pronuncie sobre decreto do governo que inviabiliza funcionamento de prevenção e combate à tortura

    Hoje presidente, Bolsonaro declarou ser favorável à tortura durante entrevista em 1999, quando ainda era deputado | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    No mesmo dia em que a exoneração dos sete peritos do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) foi publicada pelo Diário Oficial, nesta terça-feira (12/6), a Justiça Global, junto do DDH (Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos) e da organização Terra de Direitos, denunciaram a ação ao relator especial em assuntos ligados à tortura da ONU (Organização das Nações Unidas, Nils Melzer, em Genebra, na Suíça.

    Na prática, o grupo não será encerrado. No entanto, todos os peritos que integram o atual quadro e recebem pelo seu trabalho serão exonerados. O lugar deles será ocupado por profissionais realocados para a função, dessa vez sem nenhum tipo de remuneração para exercerem o trabalho de fiscalizar as condições em presídios e hospitais psiquiátricos, por exemplo. A determinação está no decreto de número 9.831, de 10 de junho de 2019, assinado por Bolsonaro, que declarou “ser favorável à tortura” em entrevista concedida há 20 anos.

    As instituições informaram sobre o decreto que exonera os peritos do Mecanismo, solicitando que a ONU se pronuncie publicamente e peça esclarecimentos ao Estado brasileiro. A argumentação da Justiça Global está apoiada em um tratado que o Brasil é signatário desde 2005, em que o país se compromete a implementação de mecanismos preventivos e de combate à tortura, o Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura.

    Em entrevista à Ponte, Isabel Lima, coordenadora da área de Violência Institucional e Segurança Pública da Justiça Global, explica como a denúncia foi estruturada. “O Brasil tem um compromisso internacional assumido nessa pauta. Essa é uma medida que fere o compromisso internacional do Brasil, ao ratificar o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU e quando o Brasil ratifica o protocolo ele se compromete com a implementação de mecanismos preventivo. Isso é muito preocupante, é muito grave. Vemos um retrocesso enorme na política de prevenção e combate à tortura, de proteção de direitos humanos no país, que foi tão duramente construída”, argumenta a coordenadora.

    Isabel conta que a Justiça Global recebeu a notícia com muita indignação e preocupação, uma vez que o decreto acontece em meio a mais uma crise do sistema prisional, depois do massacre de Manaus em que 55 presos foram mortos em unidades administradas pela empresa Umanizzare . “Ele [o decreto] vem no meio de mais uma grave crise do sistema prisional brasileiro. Surpreende que justo em mais um momento de grave crise seja anunciado esse decreto que exonera e inviabiliza o trabalho, impede o funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”, pondera Lima.

    Para a coordenadora, o decreto funciona como desmonte de uma política fundamental para a garantia dos direitos humanos de pessoas em situação de privação de liberdade. “É uma construção de muitos anos e que lutou desde o início com a atuação ativa das organizações da sociedade civil. Ver nesse momento esse desmonte de uma política tão importante mostra como a gente vive num contexto em que a tortura é uma prática institucionalizada dentro dos centros de privação de liberdade. Todos os esforços do Estado brasileiro deveriam ser no sentido de erradicar a tortura, erradicar a barbárie que ainda é uma realidade dentro dos espaços de privação de liberdade e que é de conhecimento geral”, defende.

    Isabel também cita a nova política de drogas e o papel fundamental do Mecanismo de Combate à Tortura na fiscalização das comunidades terapêuticas. “Recentemente o Mecanismo lançou um relatório importantíssimo sobre as comunidades terapêuticas, revelando essa realidade de violação de direitos humanos nesses espaços que também são espaços de privação de liberdade. Então o Mecanismo fez esse trabalho, que é um trabalho reconhecido internacionalmente, pela sua qualidade técnica e pela contribuição à política de prevenção à tortura, de proteção dos direitos humanos e, de fato, vem sendo, justo por isso, atacado dessa forma”, pondera.

    Para a coordenadora da Justiça Global, a exoneração dos peritos e o enfraquecimento do MNPCT deve ser vista com muita preocupação. “O Mecanismo também teve esse trabalho muito importante para expor essa situação, não só dar visibilidade, mas documentar esse quadro de violações nas comunidades terapêuticas que tanto tem sido fortalecidas por essas novas medidas. A gente está vendo um retrocesso enorme na política de prevenção à tortura, de combate à tortura, de proteção de direitos humanos no Brasil, que foi tão duramente construída”, sustenta.

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