Apesar da demissão, hospital Dom João Becker, de Gravataí (RS), nega violência e injúria racial; caso é investigado pela Polícia Civil
O Hospital Dom João Becker, localizado em Gravataí (RS), demitiu três funcionários envolvidos no episódio em que o vigilante Everaldo da Silva Fonseca, de 62 anos, foi falsamente acusado de ter furtado um celular e, segundo ele, agredido e chamado de “nego sem vergonha”. Apesar disso, o hospital, em nota, negou que tenha praticado injúria racial.
A demissão foi resultado de uma sindicância interna na qual o hospital afirma ter investigado o que ocorreu em 18 de abril, quando Everaldo foi até o hospital visitar a esposa, Maria Gonçalves Lopes, 55, que estava internada por problemas no fígado.
No hospital, uma enfermeira e uma técnica de enfermagem acusaram Everaldo de ter furtado o celular de uma delas, chamando-o de “nego sem vergonha” e dizendo que “negro não é cidadão”. Segundo o vigilante de 62 anos, um segurança revirou todos os seus pertences e, como não encontrou o telefone, passou a agredi-lo com socos nas costas. Logo após a agressão, a enfermeira percebeu o equívoco e encontrou o celular.
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Segundo a família do vigilante, Maria Gonçalves ficou assustada após presenciar a abordagem ao marido e morreu. “Minha mãe partiu vendo meu pai apanhar”, disse a filha de Everaldo, Joyce Fonseca, 28.
A Polícia Civil está ouvindo testemunhas que presenciaram o crime.
Na nota divulgada, o hospital afirma que “o episódio não teve qualquer tipo de motivação racial, e tampouco houve injúria” e que a sindicância realizada confirmou que não houve “qualquer tipo de agressão física ou reação exacerbada do segurança que pudesse representar qualquer indício de ameaça física”. Ainda assim, o hospital decidiu, “diante do exposto”, pela “rescisão unilateral do contrato de trabalho de três funcionários”.
O hospital justificou a abordagem ao idoso, na nota divulgada, por conta do celular de Everaldo ter vibrado próximo a ele, “circunstância esta que desencadeou todo o lamentável fato que se sucedeu”. A nota diz ainda que um segurança foi chamado para verificar o vigilante, “o qual foi convidado voluntariamente para conversar em um corredor contíguo” e que, após a localização do aparelho em outro local do hospital, foi realizado um pedido de desculpas ao vigilante.
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Segundo o delegado Márcio Zaquelo, do 1° DP (Distrito Policial de Gravataí, da Polícia Civil, uma cópia da sindicância foi enviada ao departamento pela Santa Casa de Misericórdia, responsável pela administração do Hospital Dom João Becker. “Solicitamos algumas informações ao hospital como a relação de funcionários, pacientes e acompanhantes que estavam no local onde ocorreram os fatos. Desde a quinta-feira (30/4), estamos ouvindo os funcionários e os vigilantes e instruindo ainda o inquérito policial que apura os fatos”, afirma.
Apuração incoerente
Para a advogada de Everaldo, Eliane Chalmes Magalhães, há incoerência entre a negação do racismo e as condutas adotadas pelo hospital para punir os funcionários envolvidos. Para ela, não há como considerar que os fatos contados por Everaldo na delegacia “sejam considerados inverídicos”, mas ao mesmo tempo o hospital tenha optado por demitir os três funcionários.
“Em relação a não ter ocorrido racismo, depende do que os responsáveis pela sindicância entendem como crime de racismo. Talvez a definição deles sobre as condutas que se caracterizam como racismo, envolvendo agressões físicas, psicológicas e morais, sejam divergentes das que constam na Lei 7716/1989 [que criminaliza preconceito e discriminação]”, diz.
Segundo a advogada, o celular de Everaldo foi disponibilizado para perícia. “O objetivo é que a polícia apure se o celular recebeu algum tipo de chamada ou mensagem no momento que ocorreram as agressões. Mas a realização da perícia no telefone depende do responsável pela investigação”, explica.