Tiago Ferrari Pereira estava dentro de casa quando dois PMs invadiram o lugar sem mandado judicial; pedreiro afirma que foi agredido com um soco no rosto em Sorocaba (SP), mas PMs narraram na delegacia que ele se desequilibrou e caiu
Era por volta de 1h da manhã de 11 de junho quando o pedreiro Tiago Ferrari Pereira, 35 anos, estava em casa, no Jardim Wanel Ville V, em Sorocaba, interior do estado de São Paulo, com a família. Acompanhado pela esposa, irmã, cunhado e uma amiga da família, ouvia música enquanto sua filha brincava e dois sobrinhos brincavam.
Tudo estava bem até que ele se deparou com um policial militar dentro de seu quintal. “Ele não pediu licença para entrar, não tinha nenhum mandado [judicial]. Veio pelo corredor e apareceu nos fundos da minha casa”, contou Tiago à Ponte. O policial militar era o soldado Gustavo Soares, 25 anos, do 7º Batalhão do interior.
Segundo a versão policial narrada à Polícia Civil, registrado pelo delegado Frederico Urban Monteiro, como desacato e lesão corporal, o soldado Gustavo, acompanhado do cabo Elan Tabal Almeida e Silva, 42 anos, foram acionados para averiguar uma denúncia de perturbação de sossego.
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Chegando no local, na versão do boletim de ocorrência, ouviram um som alto. Acionaram a sirene da viatura, mas ninguém saiu para atendê-los. Foi quando o soldado Gustavo notou que o portão estava entreaberto e uma criança “de aproximadamente 2 anos” teria se dirigido até o portão, pegando na mão do soldado e o levando até as demais pessoas da casa.
Tiago contesta essa versão. Ele afirma que o som não estava alto e que os policiais não fizeram nenhuma tentativa de “pedir licença” para entrar. As crianças, afirmou o pedreiro, estavam nos fundos da casa com os adultos.
Os PMs disseram que, ao entrar na casa, foram recebidos de maneira hostil por Tiago, a quem o soldado Tiago pediu para acompanhá-lo até a rua para conversarem. Na rua, narrou o policial militar à Polícia Civil, ele teria conversado com Tiago sobre uma reclamação de perturbação de sossego e que ele não poderia deixar a criança sozinha. Neste momento, afirmou o policial, o pedreiro o teria desacatado com a frase “vai tomar no seu cu, filho da puta”, caminhando em direção do PM.
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Para afastar Tiago, o PM Gustavo teria o empurrado e o pedreiro caído “com o rosto ao solo, sofrendo lesão”. A versão de Tiago é bem diferente: o pedreiro conta que disse ao policial que ele era uma criança por invadir uma residência daquela forma e, na sequência, levou um soco no rosto.
Naquele momento, segundo Tiago, ele estava para dentro do portão de sua casa e o PM, na calçada. Com o soco, Tiago afirma ter se desequilibrado e caído no chão, permanecendo desmaiado por dois minutos.
Os policiais afirmaram na versão oficial que precisaram usar spray de pimenta porque os familiares de Tiago partiram para cima deles, inclusive dando um tapa no rosto do soldado Gustavo. O pedreiro também contesta essa informação, afirmando que sua irmã apenas tentou tirar a máscara do rosto do policial.
“Foi uma loucura, eu nunca esperei isso acontecer, ainda mais dentro da minha casa. Não tinha nada demais, a gente estava entre família, não era uma festa, não tinha aglomeração”, lamentou.
Tiago foi encaminhado para a UPH (Unidade Pré-Hospitalar) Zona Norte, onde foi atendido para cuidados médicos. Na delegacia, narrou o pedreiro, sequer pôde entrar para participar da elaboração do boletim de ocorrência. “Eu simplesmente fui embora para casa com o curativo na boca”.
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Há uma semana, contou Tiago, os policiais voltaram na porta de sua casa. “Eu estava ouvindo música em casa, ambiente de novo, e aí eles voltaram em três viaturas. Quando eu saí, minha esposa e minha filha estavam dormindo, eles estavam em cinco policiais na frente da minha casa. Uma coisa assustadora. Eu tô muito assustado, com bastante medo pela minha família”.
Em 3 de julho, a advogada Larissa Cristina Siqueira Lima, defensora de Tiago, denunciou a agressão à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo. No documento, ela apontou “não existir nenhum argumento que justificasse a violência utilizada, pois a vítima estava em sua residência, sem risco de fuga”.
Larissa Lima solicitou que um Inquérito Policial Militar fosse instaurado para apurar a ação dos policiais militares, assim como pediu à Corregedoria as gravações da comunicação do 190 do COPOM (Central da PM) para verificar se houve uma denúncia de perturbação de sossego.
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“Quem está investigando os policiais é o comandante direto deles e ele já me falou que não vai afastar [das ruas] os policiais militares porque não entende necessário”, denunciou a advogada.
Em 27 de agosto, o promotor Carlos Alberto Scaranci Fernandes, da 13ª Promotoria do Ministério Público de Sorocaba, arquivou o caso. Para ele, “realmente era perturbação de sossego, pois de fato havia uma reunião familiar e admitidamente ouviam música” e que “seria possível pensar no delito de lesões corporais, mas para sua comprovação seria necessário a presença de testemunhas isentas”.
Outro lado
Procuradas, a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Militar ainda não se manifestaram até a publicação desta reportagem. A reportagem também solicitou entrevistas com os PMs Gustavo e Elan, mas o pedido não foi atendido.
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