Após 24 dias, Justiça inocenta jovem apreendido sem provas ao sair para comprar cortinas

    Estudante negro foi acusado de dois roubos em locais distantes quando saiu de casa para comprar cortinas a pedido da mãe. ‘Foi justo o E. estar aqui fora, mas não é justo que outros casos aconteçam por erro deles’, mãe desabafa

    E. saiu de casa, na Vila das Mercês, às 12h17 do dia 15 de janeiro e foi preso às 13h por realizar dois roubos às 12h30 e 12h50 em locais distantes | Foto: reprodução

    A atendente L., 32 anos, está aliviada após 24 dias de angustia com a prisão do seu filho E., estudante de 16 anos, no último dia 15 de janeiro. A juíza Andrea Coppola Brião, da 6ª Vara Especial da Infância e Juventude, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu revogar a internação provisória do adolescente decretada pelo juiz Airtom Marquezini Junior, do Tribunal de Justiça de São Paulo, durante audiência virtual, que ocorreu na tarde de segunda-feira (08/02).

    A Promotoria fez o pedido de anulação com base na falta de provas e nas contradições das versões apresentadas pelos policiais. Ele foi liberado da CAI (Centro de Atendimento Inicial) Gaivota, da Fundação Casa, no Brás, no mesmo dia. O caso teve acompanhamento da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.

    Relembre o caso

    No começo da tarde daquele dia 15 de janeiro, E. saiu de casa, a pedido da mãe, para comprar cortinas perto da casa do tio, na região da Praça Monte Azul Paulista, no Ipiranga, quando foi abordado por volta das 13h por dois PMs que patrulhavam o local. Ele foi levado para o 95º DP (Heliópolis) acusado de ter roubado uma mulher e um homem, dentro de carros estacionados. O primeiro roubo foi registrado às 12h30 na rua Ouvidor Peleja, Vila Mariana e o segundo foi às 12h50 na Estrada das Lágrimas sentido à rua das Juntas Provisórias, em ambos as vítimas relataram que um dos assaltantes estava armado.

    A defesa de E. apresentou gravações registradas pelas câmeras de segurança interna e externa do prédio e anexou a reportagem da Ponte sobre o caso. Na decisão, a juíza Andrea Coppola Brião afirma que “a prova produzida pela Defesa Técnica, consistente nos vídeos que foram acostados aos autos, retira o adolescente do cenário dos dois roubos”.

    A juíza reitera que os PMs não encontraram nenhum objeto roubado, e nem a arma relatada pelas vítimas, com o jovem na hora da abordagem. A magistrada destacou também que uma das vítimas voltou atrás no reconhecimento pessoal, “após visualizar o vídeo que simula o ato de reconhecimento”. Já pelas imagens apresentadas pela defesa, a juíza desconsiderou o reconhecimento da mulher vítima do assalto.

    Ela detalha os horários, a distância dos locais e onde estava E. até ele deixar às 12h18 o prédio em que mora na Vila das Mercês. “Logo, não poderia E. estar em outro bairro da cidade, às 12h30 […] o qual dista cerca de quase cinco quilômetros do local onde reside”, completa. As duas vítimas descreveram um dos assaltantes como um homem “pardo”, que vestia uma blusa de lã preta. No momento que foi apreendido, E. vestia uma blusa de moletom cinza.

    “Fizemos festa”

    Em entrevista à Ponte, L., a mãe de E., celebrou o fato de muitas pessoas terem ajudado, principalmente em ter pego as imagens das câmeras de segurança de dentro do prédio em que ela mora para provar a inocência do filho, assim como a repercussão da imprensa. “A gente está muito feliz e fizemos festa”, conta.

    A mãe do jovem contou que o filho relatou uma abordagem agressiva por parte dos policiais. “Ele [policial] falava assim ‘se você não dar conta dos objetos desse carro a gente te estupra com o cassetete’. Você já imaginou isso? Pra mim como mãe ouvir… eu sou uma mãe que não fala um palavrão na frente das crianças”, afirma. Segundo ela, uma policial que acompanhava seu filho falava para ele parar de gritar, pois nem ela, que era mulher, “ dá um grito desses”. “É revoltante, eu enxergo que eles são uma corporação sem caráter para estar na rua. Me machucou muito”, desabafa.

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    Durante os 24 dias, a atendente contou que perdeu 8 quilos e não dormia direito pela angústia de não ver seu filho. “Acredito que o peso maior foi pra ele. Ele conheceu outros meninos lá dentro que conversaram sobre as histórias deles, disse que está abismado com o que ouviu. Mas, ele não deixou de dizer que existe um regulamento que não é o regulamento de uma casa, de uma família. Eles acham que estão reeducando daquela maneira, infelizmente, é o que Estado permite eles fazerem”, relata.

    Após deixar a Fundação Casa com o filho, L. conta que está “preocupada ainda, quero olhar e conversar com ele pra ter certeza que não há um abalo psicológico muito grande e até que ponto isso vai prejudicar a saúde psicológica dele”. A mãe afirma se sentir insegura em deixá-lo sair sozinho a partir de agora. Ela conta que quer entrar com um processo contra o Estado, pois tem um “sentimento de justiça”. Segundo ela, “saber que as pessoas que permitiram a prisão do E. continuam soltas, entristece. Foi justo o E. estar aqui fora, mas não é justo que outros [casos] aconteçam por erro deles”.

    “Eu não posso deixar impune, pelo fato de que quantos E. virão depois? Quantos E. eles fizeram nesses últimos 24 dias? Quantos abordaram e levaram dizendo que roubaram alguém a base de mentira? A polícia não prende só culpado, a polícia prende inocente”, desabafa L.

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    Outro Lado

    A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo questionando sobre a abordagem feita pelos policiais e o que está sendo feito para que o reconhecimento siga o artigo 226, do Código de Processo Penal, e ações estão sendo tomadas para evitar as prisões sem provas. Até o momento, não tivemos retorno.

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