Com apenas um editor e dois repórteres, a Ponte ajudou a libertar jovens negros presos injustamente, influenciou os maiores veículos do país, ganhou prêmios e denunciou o racismo da lei de drogas brasileira no Washington Post
Cobrir direitos humanos no Brasil quase sempre significa dar notícias ruins. Quase. A luta também tem lá suas vitórias para comemorar. No final de 2022, por exemplo, sabemos que a Ponte ajudou a garantir um feliz Natal para algumas pessoas. Luiz e Tauã, Julio Damasceno, Sergio Nascimento, Flávio Santos Silva: todos estavam presos com base em acusações sem qualquer prova — do tipo que apenas policiais, promotores e juízes são capazes de levar a sério, e apenas quando se trata de gente pobre e negra — e foram soltos após a Ponte contar suas histórias.
É difícil mensurar o quanto nossas reportagens foram determinantes para a libertação dessas pessoas, até porque você nunca vai ver um juiz escrevendo numa sentença “eu já ia condenar esse preto como sempre faço, só copiando e colando o que a polícia me falou sobre ele, igualzinho ao que o douto promotor também costuma fazer, mas aí vi que tinha uma matéria de uns jornalistas esquerdosos dizendo que aquilo era uma prisão sem provas, resolvi trabalhar um pouquinho pra variar, e, vejam só, descobri que a investigação policial foi mesmo uma merda e simplesmente prenderam o primeiro preto que acharam, então vou ser obrigado a inocentar esse cara, apesar de que eu gosto mesmo é de mandar gente pra cadeia”. Mesmo sendo difícil de medir, porém, sabemos que a influência não só existe como pode ser determinante.
E não foi só aí que desmascaramos o discurso racista oficial que justifica a violência estatal contra as populações vulnerabilizadas. Produzimos um documentário sobre os 30 anos do massacre do Carandiru, centrado no ponto de vista dos sobreviventes, premiado dois meses após o lançamento. Revelamos que o governo paulista deixou de registrar dados sobre raça nos homicídios. Enquanto diversos veículos embarcaram na tese de que Tarcísio de Freitas (Republicanos) será um “nome moderado” no governo de São Paulo, deixamos claro o caráter autoritário do seu posicionamento político e os tempos sombrios que nos aguardam. Diferente dos jornalistas que transformaram o delegado Roberto Monteiro num queridinho e estão pavimentando o caminho da sua ascensão política, dissecamos uma investigação que ele realizou e mostramos que o trabalho dele está mais para inspetor Jake Peralta do que para Sherlock Holmes.
E tem mais. Nossa reportagem sobre os ataques aos direitos humanos feitos por um desembargador mineiro levaram a uma denúncia no Conselho Nacional de Justiça pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). A Zara foi condenada a indenizar Flor de Lima, antiga funcionária vítima de perseguição e transfobia. Depois que denunciamos como os problemas em tornozeleiras eletrônicas estavam prejudicando presos em regime semiaberto no interior de SP, o governo reconheceu os problemas e os detentos tiveram suas faltas disciplinares revistas.
E não podemos reclamar que não estamos sendo reconhecidos pelo nosso trabalho. Ainda bem. Jeniffer Mendonça, uma dos dois repórteres da Ponte, foi indicada ao prêmio Troféu Mulher Imprensa na categoria “revelação”. E nossas reportagens sobre presos sem provas receberam o Selo de Direitos Humanos e Diversidade, concedido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
A Ponte, ao lado de outros veículos independentes, está ajudando a mudar, aos poucos, o modo como a mídia hegemônica cobre racismo e sistema de justiça criminal. A Record, por exemplo, foi atrás da pauta sobre as falhas nas tornozeleiras. E pautamos tantas vezes o “Fantástico”, por exemplo, que podemos não só pedir música, mas uma playlist inteira. Algumas vezes nos deram crédito, outras não, mas é a vida – se o mundo fosse sempre justo, nem existiria a Ponte. Seja como for, é uma grande coisa pensar que uma redação formada unicamente por um editor e dois repórteres consegue fazer tanto barulho a ponto de pautar os maiores veículos jornalísticos do país. Imagina o que poderemos fazer no dia em que tivermos mais recursos.
Também foi neste ano que, junto com o Alma Preta, a Marco Zero Conteúdo e o 1Papo Reto, realizamos em Salvador (BA) a primeira edição presencial do FALA! – Festival de comunicação, culturas e jornalismo de causas e ainda lançamos o Instituto FALA!, uma iniciativa bem especial que estreou lançando o projeto Edital FALA!, cujo objetivo é estimular a produção de conteúdos jornalísticos que dialoguem com narrativas e linguagens sobre arte e culturas, comprometidas com a diversidade e em defesa dos direitos humanos e da democracia a partir das vivências dos territórios periféricos.
Fizemos parcerias maravilhosas. Com o Terra, com quem publicamos mais de 50 histórias no “Visão do Corre”, um canal que busca amplificar as vozes e as iniciativas da população que vive nas favelas e periferias. E com o Território da Notícia, uma plataforma de distribuição de conteúdo que utiliza totens eletrônicos instalados nas periferias de São Paulo para levar informação a outros públicos.
Teve, ainda, uma parceria com diversos meios latino-americanos, liderada pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), para um especial sobre os paradoxos deixados por 50 anos da política de drogas na América Latina. Essa parceria ainda rendeu uma publicação da Ponte no Washington Post, denunciando o caráter racista da lei de drogas brasileira.
E preparamos os caminhos para fazer mais barulho. Como parte do programa Acelerando a Transformação Digital, uma parceria entre o International Center for Journalists (ICFJ), a Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e o Meta Journalism Project, nos associamos com a Lagom Data para treinar a nossa equipe em jornalismo de dados. O primeiro fruto da parceria foi uma reportagem em que denunciamos como o governo paulista deixou de incluir dados sobre raça nas informações sobre mortos pela polícia. Mas essa parceria deve render bem mais em 2023.
Acho que você também está encarando o novo ano com uma esperança como não tinha há anos. Não teremos mais um fascista no governo federal, e isso é uma grande notícia, não vamos esquecer. Por mais que o governo Lula (PT) tenha seus problemas, e a Ponte vai estar aqui para denunciá-los assim que aparecerem, é óbvio que será muito melhor do que tudo que tivemos desde 2016. É verdade que temos o pior dos mundos para lidar em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, e por isso precisamos estar “atentos e fortes”, como cantava uma mulher maravilhosa que, por sinal, disse adeus no ano que (felizmente) chegou ao fim.
Se quiser que em 2023 a gente tenha mais boas notícias para dar, só tem um jeito. Venha se tornar um membro da Ponte Jornalismo. Faça isso e dê um presente de Natal para você, para nós e para o Brasil.