Sociólogo holandês Ramon Spaaij fala à Ponte sobre ação de ‘lobos solitários’, o lugar das emoções na radicalização, a polarização política e como esta divisão ajuda a influenciar atos extremistas
Os recentes ataques em El Paso (Estados Unidos), Oslo (Noruega) e antes em Christchurch (Nova Zelândia) expuseram ao mundo a emergência de se antecipar ataques de agentes ligados à extrema direita. Em comum, todos esses atos tiveram seus manifestos expostos previamente em fóruns de internet, especificamente o 8chan, reconhecido hoje como uma das principais plataformas de radicalização de jovens para a direita radical.
Para o sociólogo holandês Ramon Spaaij, especialista em sociologia do terrorismo, professor da Victoria University em Melbourne (Austrália) e autor do livro “A era do terrorismo lobo solitário” (tradução livre), discutir tal realidade é urgente à sociedade democrática. Nessa entrevista, o autor explica como esses ambientes online ajudam na propagação desse tipo de atos terroristas, que por sua vez é reforçada pelo uso radicalizado de uma linguagem polarizada e replicada – e usada como arma – por atores políticos.
O sociólogo também apresentou um conceito que está chamando cada vez mais atenção dos estudiosos da área: o terrorismo estocástico, quando há manipulação da comunicação para gerar terror. Um exemplo é o do radical islâmico Anwar Al-Awlaki, morto em 2011. Por ter nascido e se formado nos EUA, o extremista conseguiu – através de seus sermões e vídeos disponibilizados via internet – alcançar um público islâmico e não-islâmico que outros radicais simplesmente não chegavam. Somado à sua oratória articulada, divisiva, convincente e que encorajava direta e indiretamente atos extremos, alguns terroristas presos disseram ver em Al-Awlaki um personagem central na sua radicalização.
Ponte – Você escreveu em um artigo em junho de 2010 chamado “O enigma do terrorismo de lobo solitário”, onde começa dizendo que o termo era ambíguo e enigmático e os limites do lobo solitário no terrorismo é confuso e arbitrário. Após quase 10 anos dessa publicação, como essa introdução que você fez pode ser modificada?
Ramon Spaaij – Muita coisa mudou. Se você pensa particularmente depois de 2010, tem havido muito mais pesquisas, muito mais análises, muito mais foco. Então eu acho que isso foi em parte movido por um número de casos de alto impacto midiático, como o de Breivik, na Noruega, e alguns outros que aconteceram no contexto americano que se concentraram muito mais a atenção do universo político e, portanto, também chama atenção sobre as pesquisa a respeito dessa questão.
Eu realmente diria que hoje em dia sabemos muito mais sobre as motivações, sobre o processo de radicalização, sobre a seleção de alvos etc. Então sabemos muito mais, mas ao mesmo tempo as definições são ainda um pouco imprecisas. Isso não impede o fato de que esses atos sejam difíceis de se definir ao mesmo tempo em que a opinião pública, a imprensa e os políticos corram para definir ataques dessa natureza. Na verdade há muita interpretação política envolvida nesses processos.
Ponte – Esta política se limita a certos grupos?
Ramon Spaaij – Por exemplo, historicamente quando há um ato feito por muçulmanos radicalizados, é bem mais provável que chamemos isso de terrorismo do que quando um extremista de direita comete algo análogo. Falam que é um “crime de ódio” ou algo do tipo. E muito do que se discute com relação a essas fronteiras é se a pessoa estava sozinha ou não no ato. É um continuum na verdade, então essas fronteiras são muito cinzentas.
Então o que acontece quando esses indivíduos veem ou ouvem material extremista de direita online, em que sentido eles não estão sozinhos? A ironia é que mesmo que eles tenham agido sozinhos, muitas vezes acreditam que fazem parte de um movimento, mesmo que imaginário. Mas o ponto é que na percepção deles há essa ótica de apresentar os problemas da sociedade e que é preciso resolvê-los com violência. Então eles se sentem parte de algo maior, então isso é bem paradoxal.
Ponte – Em entrevista de 2016 você relembra os anarquistas do fim do século 19 e início do século 20 que faziam propaganda pela ação através de lobos solitários. Levando isso em consideração, é possível dizer que esse tipo de terrorismo possa ser incentivado por grupos políticos?
Ramon Spaaij – Absolutamente. O que eu acho interessante é que ao longo da história você vê conexões entre grandes conflitos e atos individuais, que refletem o campo político e social da época. Nos Estados Unidos, percebemos que os dados apontam que atos de lobos solitários espelham assuntos bastante quentes no momento. Por exemplo, durante a era dos movimentos pró-direitos Civis nós vimos muitos ataques aos afro-americanos por supremacistas brancos e pela direita extremista americana, mas também houve ataques por ativistas negros. Outro campo em que vemos esse tipo de ataque é o do aborto, que ainda é uma questão polêmica.
Então é interessante perceber que havia esse espelhamento assim como parece haver no ataque do Breivik, na Noruega, e mais recentemente em Christchurch. Esses, por sua vez, parecem ter sua raiz em um discurso polarizado e paranoico sobre o mundo islâmico e seu suposto interesse e capacidade de conquistar o “ocidente”. O ato terrorista em si pode ter sido individual, mas ele geralmente pega emprestado – de forma distorcida -problemas e questões bastante contemporâneas. Por isso que é necessário posicionar tais atos no contexto no qual ele ocorreu.
Ponte – O lobo solitário é hoje mais comum em que área do espectro político? Caso haja, quais as diferença?
Ramon Spaaij – Pode haver uma diferença, mas é preciso tomar atenção para não simplificar demais. Mas se você olhar os dados históricos, em especial nos últimos dez anos, podemos perceber uma predominância de lobos solitários na extrema-direita e no terrorismo islâmico. São esses que têm seus movimentos e discursos bem particulares. O Estado Islâmico (ISIS) teve um papel importante nesse espectro, inspirando e encorajando indivíduos que às vezes sequer têm relação com o grupo a cometer ataques por si próprios.
Algo muito semelhante ocorre no espectro dessa nova direita, que têm ambiente similar, além de uma retórica política próxima. Se olharmos para a Austrália, por exemplo, há uma preocupação muito recente sobre a ascensão de radicais de esquerda. Há essa expectativa que isso possa acontecer, apesar disso não ter acontecido ainda. Mas essa é uma área muito dinâmica, muito rápida e que muda dependendo do local no mundo em que acontece.
Ponte – Existe algum tipo de “modelo” de como as pessoas são radicalizadas?
Ramon Spaaij – Existe uma série de modelos disponíveis e o que tentamos fazer é pensar assim: esse é um tipo de radicalização que acontece com indivíduos, mas não é necessariamente um processo linear, de um Ponto A ao Ponto B, C etc. O comportamento humano é mais complexo que isso. Um dos componentes que achamos foi a presença de discordâncias políticas e pessoais que acabam se reforçando e retroalimentando. Um exemplo é você ser demitido do seu trabalho ou não conseguir ter um relacionamento. Uma possível explicação para essas pessoas passa por uma ótica de que “a sociedade está contra mim” ou algo semelhante. Basicamente é um mundo no qual a culpa nunca é sua, ela sempre é externalizada, e sempre com tempero politizado.
Outro conceito importante é o de permissividade – enablers, em inglês – que podem ser diretos, seja com ambientes virtuais radicais na internet, com livros, discursos, etc e outros e também os gatilhos indiretos. No nosso livro falamos um pouco sobre a Fox News (canal de TV americano) e a situação em que esse veículo afirmou que o governo americano da gestão Obama iria banir o uso de armas e diminuir o poder da segunda emenda (que autoriza o uso de armas no país). Essa campanha criou um ambiente de permissividade que validava e fortalecia um propósito e uma urgência a essa percepção.
Nós falamos também sobre afinidade com os simpatizantes, em especial no ambiente online. Há um ambiente propício de oportunidades e acessos a armas e planejamento. Ou seja, há capacidade de ação. Além disso, é possível que apareça um gatilho que os propaga para agir. É a gota d´água que leva uma intenção de agir para a ação em si. Então uma pessoa radicalizada é parada pela polícia no trânsito, vamos supor. Isso pode mandar a mensagem para essa pessoa que “o sistema” está vindo atrás dela. Nesse momento ela é “ativada”. Ela pensa: “agora é a hora de agir”. Outro gatilho possível são demissões. De repente, esses gatilhos mudam e fazem a pessoa agir. Isso geralmente acontece antes desses ataques. Podemos ver isso na Noruega e na Nova Zelândia. Óbvio que cada caso é específico, mas esses são características em comum
Ponte – Têm havido uma interpretação diferente no que tange a ataques vindos de elementos da direita radical?
Ramon Spaaij – Realmente têm havido uma diferença, uma vez que o número de ataques da extrema direita vem crescendo. Se olharmos o caso australiano e neozelandês, percebemos que há uma maior atenção sendo dada pelas agências de segurança à esse tipo de ataque. Isso pode não estar acontecendo nos EUA, uma vez que Trump [presidente americano] parece não levar esse assunto a sério, mas no geral eu tenho percebido uma mudança de abordagem no espectro político e de segurança. Obviamente isso depende de lideranças políticas para acontecer.
Após o que houve na Noruega e na Nova Zelândia, as respostas políticas foram moderadas e dominadas por uma abordagem inclusiva, reconhecendo as questões problemáticas, mas sempre com um norte aos ideais democráticos e a um discurso bastante homogêneo, voltado para um público médio. Até na Austrália comentaristas políticos de direita vieram à público reconhecer a dor e o luto das comunidades muçulmanas após o ocorrido em Christchurch, reconhecendo-os como parte da sociedade local.
Nós vimos algo semelhante em um ataque em Sydney em 2014, quando um extremista islâmico entrou em um café e fez vários reféns. Após a resolução do ataque, houve uma onda de ataques racistas contra muçulmanos inocentes, com uma justificativa de que a religião deles era por si só violenta. Por conta disso foi criado uma campanha chamada “Nós vamos juntos” para que cidadãos acompanhassem quem se sentisse ameaçado para mostrar que essa comunidade faz sim parte da sociedade australiana. Isso mostra o quão importante é romper a mentalidade “nós” contra eles que pode emergir em situações pós-ataques, mas isso acaba dependendo também da cultura local. Nos EUA há uma polarização muito maior.
Ponte – Recentemente tivemos no Brasil um massacre em uma escola de Suzano (SP). Nesse caso, os assassinos eram jovens, brancos e ex-estudantes da referida escola. Eles supostamente foram radicalizados em chans, fóruns anônimos de internet. Qual o papel que espaços online como esses têm para criar ambientes tóxicos?
Ramon Spaaij – Em termos de impacto, uma socialização que gire em torno de ideias particularmente conspiratórias pode levar a uma visão afunilada, de túnel. Por conta disso, começamos a perceber essas características negativas em casos de massacres em escolas. Eu não sei se já pesquisou sobre esse tipo de ato, mas eles têm algumas camadas em comuns, ainda que não necessariamente um componente político. É também um ato pessoal. O bullying pode ser um gatilho e acho que há isso nesse caso.
Em nossos estudos nós percebemos que um terço desses ataques de lobos solitários eram cópias de outros ou inspirações diretas. David Copeland, um neonazista responsável por ataques à bomba em Londres em 1999 se sentiu em parte inspirado pelo ataque promovido por Eric Rudolph durante os jogos olímpicos de Atlanta, três anos antes.
Quem comete esse tipo de ato quer ser famoso, então é preciso haver um debate, em especial na mídia, sobre como lidar com esses tipos de ataques afim de balancear o que há de interesse público. Há de se ter cuidado para não glorificar nem oxigenar os atos em si. Alguns jornais franceses decidiram que não iriam expor fotos dos terroristas, mas apenas das vítimas e suas histórias; quem elas eram, o que elas faziam, enfim, focar nas vítimas. Outros países têm discussões muito maduras.
Vale a pena mostrar a foto do terrorista de ChristChurch junto ao manifesto? O governo neozelandês proibiu o manifesto e as fotos do terrorista de serem expostas. Ainda que saiba que esse tipo de conteúdo circule livremente na web, é uma mensagem que eles estão passando. Uma mensagem política e simbólica forte que mostra que há uma tênue linha que separa censura, liberdade de expressão e segurança pública.
Ponte – Nos últimos anos têm havido a emergência do termo Incel para o grande público, ligando essa autocategorização a inúmeros ataques de cunho machista, racistas, homofóbicos etc. Essa comunidade realmente têm produzido mais extremistas?
Ramon Spaaij – Isso é um desenvolvimento bastante recente, mas entre homens desempoderados têm havido essa necessidade de se reafirmar. Isso os torna vulneráveis e passíveis de tentarem compensar isso. Eu acho que há um movimento grande rumo a equidade entre os gêneros, e por isso têm havido uma resposta. É um campo de batalha na verdade na sociedade ocidental entre homens sem poder eles estão se engajando e adentrando o “mainstream”, o discurso normal por assim dizer.
Conteúdos como os feitos pelo psicanalista Jordan Peterson são hoje razoavelmente disseminados e chegando até mesmo a conteúdos mais radicais. Portanto temos um ambiente de intensas mudanças, o que abre espaços para que conflitos e ataques possam acontecer. Isso não é necessariamente ligado à direita extrema, mas está próxima e os quadros têm conexões.
Ponte – Têm aparecido no youtube alguns vídeos de pessoas comentando que o algoritmo da plataforma facilita que as pessoas caiam em um redemoinho ideológico que ajuda a radicalizar mais e mais pessoas. Os algoritmos de uma plataforma de distribuição de conteúdo podem efetivamente servir para radicalização?
Ramon Spaaij – Acredito que tenha a ver com uma necessidade de validação ou confirmação, que é ainda mais presente no ambiente online. Isso faz com que as pessoas se radicalizem ainda mais e fiquem cada vez menos abertas à perspectivas alternativas. Elas querem confirmar suas crenças. Sendo assim, realmente o algoritmo pode ajudar nesse reforço negativo. Talvez as novas tecnologias e seus avanços tenham alterado essa perspectiva e levado isso a um novo nível. Entretanto eu ainda não vi muitos estudos a respeito. Talvez haja algo realmente interessante a se pesquisar ai.
Ponte – Até que ponto empresas como Google, Facebook, twitter podem ser responsabilizadas por criar ou fortalecer ambientes radicalizados?
Ramon Spaaij – Essas empresas têm sim influência, mas acho que mais importante que as empresas são os indivíduos, em especial os políticos. Estes podem até se defender na linha de “nós não advogamos violência”, mas eles muitas vezes se utilizam de uma retórica com tons racistas, como anti-migração, por exemplo. Na Holanda temos um exemplo disso através do político Geert Wilders, que dizia que o “país estava cheio e não precisava de mais migrantes” ou que “os muçulmanos estavam invadindo a sociedade holandesa”.
Contudo, assim que um ataque extremista acontecia os políticos, ao serem questionados, diziam que “nunca haviam pedido que houvesse violência física. Nunca pedimos que matassem ninguém”. Esse é um exemplo clássico de terrorismo estocástico em ação. Você reforça um ambiente radicalizado e espalha mensagens de ódio através de um discurso polarizado. Você não sabe quem nem onde você vai atingir, mas alguns indivíduos irão se inspirar nas suas palavras e sair das ideias rumo à ação. É um quadro bem complicado, no qual todos têm uma parcela de responsabilidade, mas ao mesmo tempo é necessário balancear a liberdade de expressão que é primordial em uma democracia. Onde se marca essa linha?
Ponte – Como fazer isso?
Ativistas podem tentar entrar com processos contra tais agentes, que é uma ação judicial possível. Contudo, Breivik, o terrorista da extrema direita norueguesa, com suas falas online, acaba criando um “ambiente de eco” (echo chamber) que pode acabar invalidando ou diminuindo o poder desse tipo de ação. Realmente não sei como fazer com que isso diminua. Mas voltando à questão das empresas de tecnologia, a responsabilidade deve ser dividida entre os acionistas também. No caso do Facebook é possível perceber que ao menos eles têm algum tipo de responsabilidade moral em monitorar discursos de ódio e políticos. Talvez quando mais e mais pessoas fecharem suas contas no Facebook isso se altere porque a finalidade desta empresa e de outras é o lucro.
O discurso importa, palavras importam, esse é um resumo. Por exemplo, Barack Obama calculava muito cuidadosamente suas palavras para tentar não enquadrar seu discurso de forma que este alienasse ou radicalizasse segmentos da sociedade. A imprensa também têm papel e responsabilidade nisso. Não é incomum que especialistas deem uma contextualização pormenorizada de alguma situação e, de repente, no dia seguinte a manchete é: “terrorismo islâmico é inevitável” ou algo do tipo. Como eu disse, todos têm sua parcela de responsabilidade.
Ponte – Uma coisa interessante dos seus estudos é a percepção de que palavras e ações são interligadas. Muitas pessoas acham que suas ideias e palavras têm impacto no ambiente em que elas vivem. Como que o nosso discurso é importante ?
Ramon Spaaij – Essa relação têm múltiplos níveis. A desumanização é um primeiro passo. É muito mais fácil você cometer atos de violência contra vítimas que você não vê como humanos. Isso é perceptível em inúmeros contextos. Por isso que é preciso muito cuidado em como enquadramos, expomos e adjetivamos quadros vulneráveis da nossa sociedade. Um dos aspectos mais presentes dessa questão do discurso e sua finalidade é a diferença entre crenças radicais e ações radicais. É realmente complicado distinguir entre quem apenas fala e quem realmente pode vir a cometer um ato terrorista. Esse é um dos desafios primordiais.
Como fazer isso? Palavras, discurso, linguagem, tudo isso importa para construir a estrutura do pensamento das pessoas, principalmente no que tange às suas emoções. Muitas vezes estudiosos de terrorismo focam na questão cognitiva. Como eles pensam, suas ações, atitudes, enfim, quase uma abordagem psicológica. Nós sabemos através de nossas pesquisas com movimentos sociais que muita da ação é movida por emoções: ódio, surpresa, humilhação, mas também amor. Muitos dos jovens que foram recrutados pelo Daesh (Estado Islâmico) disseram que finalmente estavam sendo inseridos em uma “família”. Isso facilita para que sejam cometidos atos horríveis.
Então podemos perceber que essa emoção e a racionalidade, mesmo sendo diferentes, estão interligadas. Então, por exemplo, ao mesmo tempo que eles falam que “acreditam fortemente na causa”, eles também citavam o aspecto “cool” do jihadismo. Isso é, como se tornar um terrorista te faz ter um estilo de vida interessante, chama atenção das mulheres. Se você observar propagandas do Daesh você vai ver carros importados e coisas do tipo. Então muitos desses jovens fazem um custo benefício bastante racional ao mesmo em que ele é influenciado por propaganda extremista a apelar às suas emoções e seu senso de pertencimento.
Ponte – Você acredita que estamos vivendo, e viveremos, em uma era de terroristas lobos solitários?
Ramon Spaaij – O título do meu livro é obviamente meio provocativo. Não queremos dizer com essa obra que ataques se multiplicarão, mas é sim uma ameaça à sociedade. Não é a maior, mas é uma ameaça mesmo assim. O que isso pode representar é uma mudança de paradigma no que tange ao terrorismo em sua forma tradicional rumo a um terrorismo quase faça-você-mesmo, com uma ou duas pessoas agindo de forma descoordenada. É, portanto, uma forma diferente, fluida, e talvez por isso muito mais difícil de prever.
Nós temos visto menos e menos ataques grandes e coordenados e mais desses ataques em menor escala. Esses, por sua vez, tendem a matar menos pessoas, mas há exceções como o que houve em ChristChurch. No geral, indivíduos que fazem esses tipos de ação são amadores e não profissionais.
Ponte – Qual é a sua maior preocupação atual ao estudar esse assunto? Qual é a questão mais urgente que a sociedade e às forças de segurança precisam avaliar?
Ramon Spaaij – Acho que uma das questões que emergiram que é mais importante é uma aparente co-radicalização. Isso é, as respostas à radicalização de um ambiente. Por exemplo, vamos supor que o radicalismo islâmico está incentivando respostas na extrema direita, será que isso pode servir de legitimação para o outro lado? Nós vemos isso acontecer na Austrália com grupos de esquerda e de direita reagindo uns aos outros. Então o risco é que você entre em uma espiral que ajude um ao outro a crescer. Esse escalonamento mostra que isso não é apenas sobre ataques individuais, mas também como as vítimas interagem entre si, e isso é algo que sabemos pouco ainda.
Ponte – O que essa emergência do lobo solitário diz sobre a nossa sociedade?
Ramon Spaaij – Reflete uma individualização progressiva. Eu não diria que há uma perda no aspecto da comunidade, porque essa sempre muda. Eu acho que tanto em questão de individualismo e como as tecnologias influenciam no engajamento das pessoas com subculturas antes pouco acessíveis. Antigamente você tinha que fazer o contato com radicais pessoalmente, hoje isso acontece no quarto ou no celular.
Mas também há a questão da individualidade e o paradoxo da individualização junto com a necessidade de se juntarem para encontrarem algo maior que eles próprios em busca de um sentido. Eles pensam que talvez eles tenham agido sozinho, mas eles foram movido por algo maior. O motivo era maior que eu: seja salvar a raça branca, avançar a pauta islâmica radical etc. Isso reflete essa tensão entre individualismo e a necessidade de tentarmos ser parte de algo maior.