‘A memória de Marielle jamais vai ser apagada’

    Consideradas ‘sementes de Marielle’, candidatas negras repudiam atitude de candidatos do PSL que destruíram placa em homenagem à vereadora no centro do Rio

    Talíria, Marielle e Áurea em encontro dos mandatos em agosto de 2017 | Foto: Arquivo pessoal

    Na última quinta-feira (5/10), uma foto com dois candidatos do PSL e uma placa em homenagem a Marielle Franco repercutiu nas redes sociais. Na imagem, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira posavam com a placa, que continha o nome da vereadora, destruída. Apoiadores do presidenciável Jair Bolsonaro, os dois vestiam camisetas com o rosto do candidato do PSL e pleiteiam vaga no legislativo pela mesma legenda. Marielle foi assassinada em 14 de março deste ano e crime segue sem solução após seis meses.

    Para entender o simbolismo da imagem, a Ponte conversou com três candidatas ao legislativo próximas de Marielle, tanto na vida pessoal quanto política.

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    A educadora popular Áurea Carolina, candidata a deputada federal pelo Psol-MG, conta que o ato tem relação direta com o fascismo e os discursos de ódio. “Para mim, faz parte de uma reação muito violenta de homens que se sentem ameaçados com o avanço das lutas feministas, antirracistas, LGBT e com a presença de novos sujeitos ocupando a cena pública no Brasil, lutando para chegar ao sistema político. Então é uma reação de gente que se sente ameaçada por pessoas que estão conquistando direitos, conquistando voz, é um desespero de quem está perdendo uma identidade tradicional muito estabelecida, inquestionável historicamente, mas que agora não tem mais espaço, pelo menos com a ascensão desses movimentos democráticos de base feminista, antirracista e popular”, salienta Áurea.

    Marielle Franco e Áurea Carolina juntas em SP | Foto: Arquivo pessoal

    A professora Talíria Petrone, vereadora e candidata à deputada federal pelo Psol-RJ, concorda com a colega de partido. Para ela, o fato de os candidatos do PSL terem publicizado a ação mostra que não se sentem envergonhados em se assumir fascistas. “O fascismo saiu do armário e dialoga com um Brasil complexo, desigual, que não universalizou a educação nem a democracia. Nosso Estado, pela colonização, foi fundado numa lógica racista e machista”, avalia.

    Apesar disso, Talíria também acredita que os discursos de ódio acabam ganhando terreno como uma reação às lutas pelos direitos fundamentais, que cresceram bastante também nos últimos anos. “O avanço do fascismo é também resposta ao avanço de tantas lutas no último período. Mulheres que não aceitam mais ser submissas, negros que gritam que senzala nunca mais, LGBTs que amam e existem livremente, a favela que não aceita mais ser criminalizada. Pra mim o #elenão é um recado de que se o fascismo sai do armário, a gente já saiu dos nossos esconderijos muito antes. Tem luta há muito tempo e são as mulheres que vão derrotar o avanço fascista”, explica Petrone.

    Marielle ao lado de Talíria Petrone | Foto: Reprodução Facebook

    Para Mônica Francisco, ex-assessora de Marielle Franco e candidata a deputada estadual pelo Psol-RJ, o ato dos candidatos representa o que apoiadores de Bolsonaro vêm mostrando desde o começo da disputa eleitoral. “São atos violentos, atitudes de provocação. Agora, mais do que isso, é um sinal muito evidente do que é a dinâmica das pessoas que vêm apoiando esse projeto fascista, um projeto que é avesso ao diálogo, que se diz democrático, mas mostra muito desrespeito nessa atitude de quebrar a placa de Marielle, que é uma pessoa, uma mãe de família, uma mulher que foi executada barbaramente no exercício do seu mandato parlamentar, uma parlamentar legitimamente eleita”, diz Mônica, que também é pesquisadora e socióloga.

    A candidatura de Mônica Francisco tem relação direta com o trabalho feito ao lado da vereadora Marielle. “Foi a minha experiência e trajetória no ativismo, na defesa dos direitos humanos, a minha relação com o movimento popular de favelas e o movimento de mulheres por quase 30 anos, que me legitimaram e me levaram ao mandato de Marielle. Ela via na minha figura uma possibilidade de quadro. É claro que a execução de Marielle precipitou muito esse processo e foi um dos principais elementos de fazer com que eu decidisse aceitar esse desafio e me candidatasse. A importância de ter trabalhado no mandato de Marielle é imensa. Era um mandato interseccional, feminista, feminino, majoritariamente negro, com a presença de mulheres diversas, com mulheres trans e mulheres cis, mulheres periféricas”, relembra Mônica.

    Mônica Benício, viúva de Marielle, ao lado de Mônica Francisco | Foto: Reprodução Facebook

    A representatividade de Marielle, para Áurea, reflete na resistências de movimentos sociais e, sobretudo, na luta diária de mulheres negras e periféricas. “Marielle representa de forma sublime a resistência desses movimentos, dessas lutas, em que nós mulheres negras e periféricas falamos por nós mesmas e buscamos construir outra foram de fazer política, de partilhar o poder, e isso abala as estruturas do poder de dominação que é a chave pela qual essas pessoas que se sentem ameaças entendem a política. Então é uma ameaça que atinge toda a sociedade de forma indistinta, todo mundo sofre com a ascensão desses grupos que não suportam a diversidade, não suportam essas vozes críticas que estão surgindo com muita força, é uma tentativa de barrar os nossos avanços”, diz Áurea.

    Talíria avalia que o resultado das eleições terá reflexo direto com o crescimento dos discursos de ódio. “Domingo vai ser expressão disso. Infelizmente acho que vai ter crescimento desse campo fascista nos parlamentos também, mas, ao mesmo tempo, não tenho dúvida de que vai ter uma bancada feminista, negra e combativa pra ser contraponto a isso. Existe um desejo de mais mulheres no parlamento e esse quadro vai avançar nessa eleição. Isso é uma necessidade”, pontua.

    A psolista adverte que, após as eleições, as lutas e a resistência terão que se fazer cada vez mais presentes e fortalecidas. “São tempos difíceis que serão expressos domingo, mas, vai ter, já está tendo, resistência. Marielle foi executada, num crime político, por tudo que representava no seu corpo e sua voz. Se seu corpo foi morto, mas sua voz ecoa no mundo no inteiro cada vez mais forte. Não há possibilidade da voz da Mari ser interrompida. Eles que passem com seu ódio, pois nós seguiremos lutando por liberdade. E liberdade é não ter medo”, defende a professora.

    Áurea Carolina também critica a ideia bastante difundida entre apoiadores de Bolsonaro de que ele é um “salvador da pátria” e manda um recado. “Que as pessoas fiquem atentas, alertas, e desconfiem desse discurso salvacionista de Bolsonaro, de que o Brasil vai mudar. E também que prestem atenção nessas alas que acabam legitimando a violência contra mulheres, contra pessoas negras, contra a população LGBT, que as pessoas não levem isso como um estilo, como força de expressão ou como brincadeira do Bolsonaro. Essas palavras que ele diz tem consequência na vida das pessoas e estimulam sim a violência, o preconceito. Já tem várias situações acontecendo no Brasil, e pessoas que estão sendo agredidas por pessoas que se dizem aliadas de Bolsonaro”, diz.

    Para Áurea, é preciso ter cuidado com o que se diz por aí, porque as palavras ferem e matam. “As palavras podem se tornar também violência física. A memória de Marielle jamais vai ser apagada. O mundo está mudando, essa reação desesperada de gente que quer preservar um mundo idealizado, em que a família tradicional e os valores tradicionais comandavam a vida das pessoas, isso não tem mais lugar, isso está em transformação e é preciso reconhecer a legitimidade de todas as formas de vida que têm apreço pela democracia”, finaliza.

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