Prefeito de São Paulo afirma a rádio que a abordagem seguiu o protocolo da Polícia Militar e não da Guarda Civil. Dilma Rousseff deu poder de polícia às guardas municipais em 2014
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), disse na manhã desta segunda-feira (27) à Rádio Estadão que a abordagem dos GCMs (guardas civis metropolitanos) que causou a morte do menino Waldik Gabriel Silva Chagas, com um tiro na nuca, na manhã de domingo (26), na Cidade Tiradentes, zona leste da cidade, foi “equivocada”. A Ponte Jornalismo foi o primeiro veículo de comunicação a publicar a morte do garoto, às 17h50 do dia 26.
“Eu conversei longamente com o comandante da guarda (inspetor Gilson Menezes) e com o secretário de Segurança Urbana (Benedito Domingos Mariano). E os dois entendem que a abordagem foi equivocada. Não se justificava, talvez, a perseguição e muito menos os disparos”, afirmou o prefeito.
“Muitas vezes as pessoas entendem que a segurança pública, que é do espaço público, é uma atribuição da guarda, não é. Essa é a razão pela qual eu estou questionando a ação da Guarda Civil Metropolitana neste fim de semana na Cidade Tiradentes, onde houve morte de um menino de 12 anos”, declarou Haddad. De acordo com a Polícia Civil, o menino tinha 11 anos. O jornal Folha de S.Paulo, que entrevistou a mãe do garoto, afirmou que Waldik tinha 12 anos.
“A abordagem não deveria ser essa. Não estou pré-julgando o guarda, mas, pelas primeiras investigações, você nota que a abordagem não segue o protocolo de uma Guarda Civil. É muito mais afeita à Polícia Militar do que propriamente à Guarda Civil”, complementou Haddad.
O GCM Caio Muratori foi indiciado por homicídio culposo. Detido no domingo, ele já foi liberado, após pagar fiança. Segundo a prefeitura, Caio e os outros dois GCMs que estavam na perseguição ficarão afastados de suas funções até que se esclareçam os fatos. A SSP informou que, por envolver menor de idade, a apuração é mais rigorosa e, por isso, mais demorada.
Segundo o histórico do BO (Boletim de Ocorrência), uma viatura da GCM perseguiu o Chevette prata em que Waldik estava. Os guardas afirmaram que os suspeitos atiraram contra eles, mas foi constatado pela equipe pericial apenas um disparo, de fora para dentro do veículo, sendo que os vidros das portas estavam fechados. E não foi encontrada nenhuma arma.
A perseguição acabou na rua Regresso Feliz, 131, próximo de onde ocorria uma quermesse. Os frequentadores da festa cobraram os GCMs para que eles socorressem a criança que estava agonizando dentro do carro. O menino foi levado a um Pronto-Socorro da região, mas já chegou ao local sem vida. Um policial militar aposentado, identificado como Jackson, e que mora na região, testemunhou à Polícia Civil que presenciou a fuga e, ao perceber que havia uma criança baleada, preservou o local.
Dilma Rousseff deu poder de polícia às guardas municipais
A presidente afastada Dilma Rousseff (PT) concedeu às guardas municipais o poder de polícia em 8 de agosto de 2014. Dilma sancionou a Lei 13.022/2014, regulamentando o parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição Federal. Com isso, os guardas municipais passaram a ter também a missão de proteger vidas, com direito a porte de arma, e não apenas a de proteger o patrimônio público, como antes.
GCMs também podem atuar em conjunto com órgãos de segurança pública, agindo em situações de conflito, por exemplo. E ainda conseguem trabalhar com órgãos de trânsito, estaduais ou municipais, e até expedir multas. Os agentes têm direito à arma de fogo, mas podem ter isso suspenso nas hipóteses de restrição médica, decisão judicial ou justificativa feita pelo próprio guarda municipal.
Quando a Ponte Jornalismo revelou a sansão da presidente Dilma, o antropólogo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares alertou que, com a lei, haveria “mais disputas, mais conflitos e mais rivalidade”. Ele afirmou que a lei “busca valorizar o município e as guardas, o que é muito positivo, mas ignora sua inscrição em uma ordem institucional abrangente e negligencia os efeitos desse quadro sobre a nova realidade que pretende criar assim como as consequências dessa nova realidade sobre o quadro mais amplo (…) adicionando à disputa entre PMs e polícias civis, a futura rivalidade entre Guardas e PMs”.
Para o antropólogo, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 51/2013, que pretende reestruturar do modelo de segurança pública a partir da desmilitarização da PM, deveria ser votada e aprovada em vez da Lei 13.022/2014, porque a proposta “parte de uma compreensão sistêmica e encaminha uma transformação ampla”, diferentemente da lei sancionada por Dilma.
48 horas antes de Waldik, Robert
O adolescente Robert Pedro de Melo Oliveira Batista da Silva Rosa, de 15 anos, morreu de maneira muito parecida a de Waldik, na manhã de sexta-feira (24), em Guaianazes, bairro que faz divisa à Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Ele também estaria fugindo da polícia em um carro roubado. Até que ele perdeu o controle da direção e caiu com o veículo em um córrego. Quando foi sair do carro, pela janela, levou três tiros (2 no peito e 1 na boca) deflagrados por policiais militares da Força Tática.
O corpo de Robert, que estava no IML (Instituto Médico Legal) como indigente, só foi liberado à família por volta das 17 horas deste domingo (26). Os familiares tentavam retirar o corpo para fazer o enterro desde o sábado (25). Ninguém da família quis falar com a reportagem.
Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) divulgou na tarde desta segunda-feira (27) a seguinte nota: “O DHPP instaurou inquérito policial para investigar a morte em decorrência de intervenção policial ocorrida na Cidade Tiradentes, na zona leste da capital. O veículo roubado passou por perícia e foi devolvido para a proprietária. A investigação segue em andamento pela Divisão de Homicídios. A Corregedoria da PM acompanha, como é praxe neste tipo de ocorrência.”
24 dias antes de Waldik, Ítalo
Somados ao caso de Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, de 10 anos, morto com um tiro no olho por um policial militar no dia 2 de junho deste ano, já são três casos neste mês de agentes da segurança pública de São Paulo matando crianças após perseguição a carros roubados.
Quando foi morto pelos PMs, Ítalo vestia bermuda verde, blusa azul, camiseta amarela e calçava um par de chinelos pretos. Os dois policiais militares investigados pela morte de Ítalo, filho de uma família desestruturada (a mãe saiu recentemente do presídio e o pai está preso), são Israel Renan Ribeiro da Silva e Otávio de Marqui, ambos com 25 anos de idade.
A morte de Ítalo aconteceu às 19h daquele dia, na rua José Ramon Urtiza, na Vila Andrade, região do bairro do Morumbi, zona sul de São Paulo. Um outro menino, de 11 anos e amigo da criança morta pela PM, foi apreendido na mesma operação da Polícia Militar, que visava recuperar um carro ano 1998 furtado.
A criança de 11 anos, que estava com Ítalo, afirmou que o colega não estava armado, contrariando a versão dos policiais, e que foi baleado em fuga, mas sem reagir. O menino sobrevivente também disse que os policiais o agrediram e, com ameaças, obrigaram que ele falasse, num vídeo, que Ítalo tinha uma arma e havia atirado contra a polícia.
O advogado dos PMs afirma que o garoto está mentindo.