Após reportagem da Ponte, promotoria apura morte de homem negro e gay que ficou 4 dias sem identificação no IML

    Inquérito civil vai investigar irregularidades no atendimento, no registro de óbito e na falta de comunicação à família de Diogo Paz, que foi agredido horas antes de morrer em dezembro de 2020

    Diogo da Silva Paz gostava de viajar e estar no mar | Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

    A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil com o intuito de apurar eventuais irregularidades no atendimento e no registro de óbito de Diogo da Silva Paz, 30 anos.

    Negro e gay, Paz morreu na tarde de 13 de dezembro do ano passado, horas após dar entrada no HSPM (Hospital do Servidor Público Municipal). Na mesma data, por volta das 10 horas, ele havia sido socorrido na Rua Pirapitingui, altura do número 207, na Liberdade, região central da capital paulista, por uma unidade do Resgate do Corpo de Bombeiros, após ser espancado. De acordo com a declaração de óbito, o homem morreu em decorrência de edema pulmonar bilateral.

    Consciente, enquanto era atendido no pronto socorro, Paz contou que havia sido agredido momentos antes de ser socorrido, além de fornecer seus dados pessoais, como endereço e nome dos pais, que moram em Rio Claro, no interior do estado. No entanto, pouco após veio a falecer. Mesmo identificado, sua família não foi contatada nem pelo hospital e nem pela polícia, o que fez com que seu corpo permanecesse por quatro dias no IML (Instituto Médico Legal). No mesmo período, sua família e amigos o procuravam acreditando que ele estivesse desaparecido.

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    Familiares e amigos só souberam da morte e que o corpo padecia no IML após campanha por sua localização na internet, conforme contou à Ponte o empresário Jared Baungartner, amigo de infância de Paz.

    Diante das circunstâncias, a promotora Anna Trotta Yaryd resolveu abrir um inquérito civil para apurar o que de fato aconteceu e analisar a responsabilidade de cada órgão público desde o atendimento prestado a Paz, a formulação do atestado de óbito e o andamento das investigações, tocadas pelo 5° DP (Aclimação).

    O inquérito civil foi aberto após provocação da vereadora Erika Hilton (PSOL), que pediu explicações sobre possível negligência do HSPM e do IML, que teriam tratado Paz como indigente, além da demora nas investigações pela Polícia Civil. Tais pedidos de Hilton, assim como a abertura do procedimento, tem como base reportagem da Ponte sobre o caso. Outra preocupação do Ministério Público é que possa ter ocorrido um “possível crime de ódio em razão da orientação sexual e da etnia” da vítima.

    “Não aceito e ninguém pode aceitar uma morte como essa. Diogo foi brutalmente assassinado. Wanessa e Keron, mulheres trans, foram brutalmente assassinadas”, lamentou a vereadora à Ponte.

    “Precisamos nos organizar e exigir resposta e justiça das instituições. Não aceitamos que nossas vidas sejam interrompidas por conta do ódio contra nós. Isso é profundamente assustador e revoltante. Exigimos ser tratadas como humanas”, completou Hilton.

    O procedimento aberto por Anna Trotta solicita ao HSPM “o encaminhamento das fichas clínica e de atendimento de Diogo da Paz, bem como de cópia da certidão de óbito expedida pelo nosocômio”. Ao IML foi solicitado “informações sobre os resultados da necrópsia, e se o corpo de Diogo da Paz foi encaminhado pelo hospital como indigente”.

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    Já para a delegacia que investiga o caso houve o pedido de “informações sobre a instauração de inquérito policial para investigar os fatos, e, em caso positivo, o encaminhamento de cópia integral do mesmo”.

    Em nota enviada à época, o HSPM informou que ” o serviço social do HSPM realizou o contato telefônico em dois números diferentes (obtidos através do cadastro do Cartão SUS), infelizmente, sem sucesso. O hospital notificou a Polícia Civil para a investigação do caso. O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) e a equipe médica do HSPM está à disposição para o que couber”.

    A reportagem da Ponte esteve na Rua Pirapitingui na semana passada. No local, moradores comentaram que tiveram conhecimento do ocorrido. Segundo um deles, que preferiu não se identificar, na manhã daquele domingo, por volta das 8h30, Paz foi agredido por duas pessoas, sendo um homem e uma mulher. O espancamento teria iniciado em frente a unidade do Hospital AC Camargo.

    No ponto indicado como início das agressões existem câmeras de segurança, mas todas as pessoas ouvidas pela reportagem informaram que elas apenas monitoram, mas não há um aparelho que as armazena. As pessoas que moram no local também foram unânimes em dizer que casos de agressão naquele local são comuns.

    A morte

    Diogo da Silva Paz, 30, foi socorrido por soldados do Corpo de Bombeiros por volta das 10h do dia 13 de dezembro na altura do número 207 da Rua Pirapitingui, na Liberdade, região central, e encaminhado para o Hospital do Servidor Público Municipal, localizado na mesma região.

    Segundo consta no Boletim de Ocorrência, Paz foi “vítima de agressão por terceiro”. Outro trecho do documento aponta que ele foi socorrido consciente, já que afirmou ter consumido álcool e drogas. Não há informações sobre o suposto agressor ou agressores.

    Mesmo com todos procedimentos médicos, Paz não resistiu e morreu às 15h15 do mesmo dia. De acordo com a declaração de óbito, o homem morreu em decorrência de edema pulmonar bilateral. No entanto, a causa da morte ainda não está esclarecida para a Polícia Civil. O boletim de ocorrência consta como morte suspeita, já que laudos produzidos pelo IML (Instituto Médico Legal) ainda não ficaram prontos.

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    De acordo com o empresário Jared Baungartner, 32, um amigo de infância da vítima, Paz sempre trabalhou com visual merchandising, mas estava desempregado após os trabalhos reduzirem devido à pandemia.

    Mesmo identificado ao chegar ao hospital, assim como consta no BO, com nome de pai e mãe, além do endereço em que residia, Baungartner conta que seu amigo ficou na geladeira do nstituto Médico Legal por quatro dias, enquanto seus amigos e familiares acreditavam que ele estivesse desaparecido. Seus pais moram em Rio Claro, no interior de São Paulo, enquanto o jovem morto morava em um flat na Vila Burque, na capital.

    Baugartner conta que, pensando que Paz estivesse vivo, pediu ajuda no Facebook para ele ser localizado. Foi quando um amigo, cujo pai trabalha no IML, contou sobre a permanência na unidade de um homem com aquelas características. Só assim soube que o corpo de Paz padecia no Instituto Médico Legal Central. Segundo Baugartner, Paz estava prestes a ser enterrado como indigente, mesmo tendo identificação.

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    O empresário afirmou ter recebido um telefonema do IML na tarde de sexta-feira (18/12) e através da confirmação do nome dos pais e de tatuagens descobriu sobre o real paradeiro de seu amigo. Assim, esperou o pai de Paz chegar do interior e se dirigiram até o IML. Lá, reconheceram, já à noite, o cadáver de Diogo da Silva Paz.

    “A Justiça e o funcionalismo público privilegiam pessoas brancas e heterossexuais. Ele foi largado numa gaveta como um indigente por ser gay, não branco e estar em uma região desvalorizada. Houve dois crimes: um pelos autores que o espancaram até a morte e outro pelo sistema que negligência a causa da morte e trata como indigente um homem com história, amigos e família”, afirmou Baugartner.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública para responder sobre as questões referentes às ações da Polícia Civil e do IML para falar do atendimento a Diogo. As respostas, se houverem, serão publicadas neste texto.

    Em nota, A Secretaria Municipal de Saúde informou que recebeu na noite desta sexta-feira (15/1) a notificação do Ministério Público e está à disposição para colaborar com a investigação.

    “A Prefeitura de São Paulo lamenta a perda do paciente Diogo Paz, 30 anos, que deu entrada no Pronto-Socorro do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM), no dia 13 de dezembro de 2020, às 10h45, conduzido pelos Bombeiros, sem acompanhantes”.

    “De maneira imediata foi atendido na sala de emergência onde passou por avaliação completa e exames, de acordo com os protocolos de suporte avançado de vida no trauma (ATLS). O Serviço social do HSPM realizou contato telefônico em dois números diferentes (obtidos através do cadastro do Cartão SUS), infelizmente, sem sucesso. O hospital notificou a Polícia Civil para a investigação do caso”, completou a pasta.

    Também em nota, a Polícia Civil diz que “a morte citada é investigada pelo 5º Distrito Policial desde o registro da ocorrência. Policiais da unidade estão agendando os depoimentos de testemunhas e analisam imagens apreendidas de um posto de combustível localizado próximo do endereço em que o rapaz foi socorrido. Os laudos são peça do inquérito e são analisados pela autoridade policial”.

    ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 13h45 do dia 16/1/2021 para incluir falas da vereadora Erika Hilton e posicionamento da Prefeitura de São Paulo

    ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 14h24 do dia 18/1/2021 para incluir posicionamento da Polícia Civil de São Paulo

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