Após reportagem da Ponte, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União solicitam que empresa estadunidense modere e fiscalize conteúdos semelhantes, e ainda requerem indenização de R$ 200 mil de cada canal
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) entraram com uma ação civil pública nesta terça-feira (30/4) pedindo a exclusão do YouTube de trechos e cortes de vídeos em que policiais confessam crimes. O pedido tem como base reportagem publicada pela Ponte no ano passado. Os órgãos solicitam ainda que o Google – responsável pela plataforma de vídeos – tenha que adotar medidas de moderação e fiscalização para esse tipo de conteúdo e pague indenização de R$ 1 milhão por danos morais coletivos.
Em abril do ano passado, a Ponte mostrou uma série de videocasts e podcasts onde policiais falavam de abordagens violentas com mortes e até mesmo contra adolescentes. Em um dos casos, citado pelo MPF e pela DPU no pedido, o entrevistado identificado como Sargento Britto contou ao canal CopCast, ter “dado uma porrada no moleque”, um jovem que ele mesmo falou ser menor de idade.
Em outra entrevista, também para o CopCast, o sargento Wagner, policial militar identificado pelo apelido de “Cachorro Louco”, contou ter matado quatro pessoas em uma operação em uma favela. “Aí eu progredi disparando, consegui pegar (…) joguei três ou quatro pro alto”, disse.
Para Júlio José Araújo Júnior, procurador Regional dos Direitos do Cidadão Adjunto, as falas são extremamente graves. “Nos preocupa porque, em um cenário de violência policial tão extremo como aqui do Rio de Janeiro, em que os índices de letalidade são extremamente elevados, é grave que nós tenhamos esse tipo de demonstração e de apelo elogioso a essas práticas por agentes do Estado”, diz.
Após a publicação da reportagem, o MPF instaurou inquérito civil para apurar os conteúdos. No âmbito das investigações, foi solicitado ao Google que se manifestasse sobre os vídeos, informando se as manifestações correspondiam aos termos de uso da empresa.
A resposta do Google foi que somente poderia ser responsabilizado pela retirada de um conteúdo hospedado em seus provedores por meio de ordem judicial. A empresa disse ainda que tirou do ar dois dos vídeos apontados pela Ponte por violação à política de conteúdo perigoso ou nocivo.
A Secretária da Polícia Militar do Rio de Janeiro também foi procurada. Foi enviada uma recomendação sobre o regulamento a respeito do uso de mídias sociais e aplicativos mensageiros por policiais militares. O pedido era que, em 30 dias, fosse estabelecido documento interno com essa finalidade.
Para o procurador Júlio José Araújo Júnior, a portaria criada pela pasta após o pedido foi insuficiente. “Ela não impõe limites claros e padrões de conduta, que no caso de militares é ainda mais sensível”, avalia. O MPF criticou o fato da secretaria fluminense também não indicar que iria apurar os casos narrados nos vídeos ou abrir processo disciplinar pela postura em tais podcasts e videocasts.
A ação impetrada nesta terça-feira (30) pede providências disciplinares e que a portaria inclua regulamento sobre discurso de ódio ou perigoso propagado por agentes da Polícia Militar.
Durante o inquérito, o MPF também questionou os responsáveis pelos canais. Foram identificados Glauber Cortes Mendonça (“FalaGlauberPoscast”), Danilo Martins Barboza da Silva (“Danilo Snider”) e Kauam Pagliarini Felippe (“Kauam Pagliarini”) e Jocimar dos Santos Ramos, responsável pelo “CopCast”. A todos foram enviados ofícios pedindo manifestação sobre os fatos revelados pela Ponte.
No pedido da ação civil pública, contam apenas as respostas de Kauam Pagliarini Felippe e Jocimar dos Santos Ramos. Ambos responderam que não têm controle sobre as histórias contadas pelos entrevistados.
O MPF e DPU pedem que os canais sejam fiscalizados e moderados pelo Google. Também é solicitada indenização de R$ 200 mil para os responsáveis pelos canais.
O pedido é que a ação civil pública trâmite em regime de urgência.
O que dizem os envolvidos
A Ponte procurou o Google, a Secretaria da Polícia Militar do Rio de Janeiro e os responsáveis pelos canais citados na ação civil. Até a publicação da reportagem, apenas Kauam Pagliarini respondeu.
Em nota, Pagliarini disse não saber sobre o pedido de exclusão e nem mesmo da indenização. Ele informou que o vídeo já estava fora do ar. “Eu acho isso tudo tão sem sentido que fica até difícil dar uma opinião. Eu desconheço em lei embasamento legal para um pedido desses, mas eu não sou expert da lei, o MP creio que sabe bem mais que eu o que estão fazendo”, escreveu.