Uma garota de 13 anos e um rapaz de 15, ambos negros, foram seguidos e abordados dentro do supermercado em Diadema (SP) sob suspeita de estarem furtando mercadorias, mas nada foi encontrado com eles
A Polícia Civil de São Paulo não quis abrir um boletim de ocorrência depois que uma garota de 13 anos e um adolescente de 15, ambos negros, foram seguidos e passaram por constrangimento dentro de uma unidade do Carrefour, na cidade de Diadema, na região metropolitana da capital paulista. Segundo as famílias dos jovens, o delegado do 3º DP de Diadema afirmou que não havia elementos suficientes para que uma investigação fosse aberta para apurar um possível caso de racismo.
Na manhã do último domingo (11/9), os dois jovens foram até a loja da rede varejista que fica na Avenida Presidente Kennedy, no bairro do Jardim Remanso, para comprar areia para gatos. Com dificuldade para localizar o produto, a dupla pediu ajuda para o gerente da loja que, após indicar onde estaria a mercadoria, passou a seguí-los e falar através do rádio com a equipe de segurança.
Ao passarem no caixa e pagar pela compra, os jovens foram abordados por um dos seguranças do estabelecimento, que perguntou se eles tinham pegado alguma coisa escondida do mercado e, se tivessem feito isso, teriam que devolver ali mesmo.
“Pediram para minha filha abrir o casaco que ela estava usando porque estava muito frio naquele dia. Ela já tinha dito que não tinha pego nada e o segurança disse que um outro funcionário teria dito que eles tinham pegado algo da loja. Ele falou para ela tirar tudo que tinha nos bolsos”, conta a empresária Natália Lourenço Pereira, de 32 anos.
A revolta tomou conta da Natália assim que ela soube do ocorrido e, junto com uma irmã e a mãe do outro jovem, foram até o supermercado cobrar explicações. “Antes de irmos até lá acionamos a polícia. Quando chegamos já havia uma viatura da Polícia Militar no local e logo comecei a perceber que eles não estavam muito dispostos a fazer a ocorrência.”
A mãe da jovem conta que o gerente da loja foi chamado e argumentou com os policiais que o estabelecimento estava sofrendo com uma série de furtos recentemente e que a abordagem feita nos jovens era algo comum.
“Os meninos passaram por um constrangimento. Foram abordados na frente dos outros clientes, não levaram para um lugar reservado e mesmo depois que viram que eles não estavam com nada, os funcionários ainda ficaram fazendo pressão dizendo para eles confessarem que tinham pego algo”, explica Maria das Graças Martins Ferreira, mãe do adolescente de 15 anos.
O Cabo Moreira, do 24º Batalhão da Polícia Militar, conduziu o gerente e o segurança do Carrefour, junto com os familiares dos jovens, para o 3º DP de Diadema. Ao chegarem, um escrivão disse que o delegado não iria atender aquela ocorrência e só depois de muita insistência das mães é que o responsável pela delegacia decidiu atendê-las.
“Eu percebi desde o começo que o PM, um homem negro, estava de má vontade e alguns momentos foi até rude conosco. Ele concordou que aquele tipo de abordagem era comum no supermercado. Nós que exigimos que todos fôssemos para delegacia”, diz Natália Lourenço
“Depois de um tempo conseguimos falar com o delegado. Queríamos abrir uma ocorrência contra o supermercado, mas ele falou que ele não viu crime nenhum e se a gente quisesse abrir um processo teria que usar o relatório feito pela Polícia Militar para aquela ocorrência”, informou Maria das Graças Martins.
Abalo e racismo
As duas mães dizem que seus filhos estão diferentes após o episódio ocorrido no último domingo. Elas afirmam que é a primeira vez que eles passam por um caso de racismo e que se deixou consequências no comportamento deles.
“A minha filha ficou abalada, está mais calada do que o normal e evita falar sobre o assunto. É um processo traumático”, diz Natália. “Ele diz que não quer nunca mais voltar ao Carrefour e está com medo de ir em qualquer outro mercado e isso acontecer novamente”, conta Maria das Graças.
Tanto para Natália quanto para Maria das Graças não há dúvidas de que a atitude dos funcionários da rede varejista foi racista. Elas também concordam que houve omissão por parte dos agentes de segurança do estado.
“O pior é ir numa delegacia e ouvir de uma autoridade que ela se nega a abrir uma ocorrência. Eu duvido que duas crianças brancas seriam seguidas dentro de um supermercado. Eu sou uma mulher negra e sei como isso acontece. É muito doloroso e eu não sei como consolar a minha filha. Tem sido muito difícil para mim”, desabafa Natália.
“Se a gente deixar isso de lado, vai acontecer novamente com outras pessoas. na delegacia, o segurança, que também é negro, chegou a pedir desculpas para mim. Mas estamos reunindo documentos e provas para entrar com uma ação contra o Carrefour.”
Outro lado
Ainda no domingo, logo após retornar da delegacia, a mãe da garota de 13 anos fez um post no Facebook relatando o ocorrido com sua filha e o rapaz de 15 anos. Um dia depois, o perfil oficial do Carrefour fez um comentário na publicação informando que iria entrar em contato com Natália. Quatro dias após o ocorrido, a mãe afirma que não houve nenhum tipo de comunicação da empresa com ela.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo foi questionada sobre a recusa do delegado em abrir o boletim de ocorrência contra o supermercado e não atender o pedido das mães. Até a publicação desta reportagem não houve resposta por parte da pasta.
Através de nota, o Carrefour informa que lamenta o fota e que não corrobora com abordagens indevidas. A empresa também diz que vai procurar a família dos jovens para prestar acolhimento. Confira a íntegra do comunicado.
“A companhia lamenta que a cliente tenha se sentido constrangida e informa que buscou contato com a família e que gostaria de realizar uma conversa para o acolhimento. A empresa não corrobora com nenhum tipo de abordagem indevida e tem um modelo de prevenção como foco no acolhimento aos clientes, com diretrizes de inclusão e respeito”.
(*) Atualizada em 15/9, às 21h, para acrescentar o posicionamento do Carrefour