Homem estava na zona sul de SP quando foi abordado aos socos e pontapés: “Claro que não ia deitar no chão. Posição de humilhação”, diz advogado da vítima
Um agente penitenciário denuncia ter sido agredido e acusado de falsos crimes por PMs quando abordado no dia 11 de julho, no Capão Redondo, zona sul da cidade de São Paulo. Ele teria levado socos, chutes e sido enquadrado pelos crimes de disparo de arma de fogo, desacato e resistência.
O homem conversou com a Ponte sob condição de anonimato por temer represálias dos policiais. Ele conta que saía da casa da sogra quando foi abordado. De cara, relembra, os PMs já o mandaram deitar no chão.
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Ele explica que, por ser agente penitenciário, tem o costume de encostar na parede antes de entrar no carro e ir embora. É uma forma de garantir segurança, pois já cuidou de presos que moram na região. Por conta disso, anda armado.
Ao se apoiar na parece enquanto a esposa buscava o carro, um dos PMs teria se aproximado e mandado ele deitar no chão. Eram por volta de 18h20. “Tinha uma viatura da PM no fim da rua fazendo uma abordagem. O PM veio e me abordou. Levantei a mão, disse ‘sou agente penitenciário, estou armado’ e ele mandou eu deitar”, explica.
Segundo o agente, ele não se deitou. Levantou as mãos e foi em direção ao PM para dizer o motivo pelo qual não deitaria. “Cheguei mais perto e ele mandou ‘deita no chão, caralho’ e desferiu um murro na minha boca. Me algemou e jogou no chão”, prossegue.
Sua companheira, aniversariante naquele dia, e o filho de 10 anos presenciaram a cena. O garoto gritou “solta o meu pai” repetidas vezes enquanto os PMs o agrediam. “Dois policiais me deram socos, chutes no rim. Quando viram minha funcional, um deles disse: ‘Putz, é polícia!’. Eu estava todo ensanguentado”, diz. Dali, os três foram ao Pronto Socorro.
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“Foi quando o PM me disse que eu não obedeci a ordem e, por isso, levei o soco. Depois, falou que ‘já era, tem que arredondar a ocorrência'”, se referindo a criar uma explicação para as agressões. O agente conta que o argumento dos policiais é que ele teria dado quatro tiros com a sua arma para o alto.
Conforme boletim de ocorrência do 47º DP (Capão Redondo), os policiais militares explicaram ao delegado que foram acionados para atender ocorrência de “disparo de arma de fogo”. Eles não citam nenhuma abordagem anterior à feita ao agente penitenciário.
A versão dos policiais é de que o profissional do sistema prisional estava com uma lata de cerveja e um copo na mão e se exaltou quando abordado. Ele teria ignorado a “voz de abordagem” e colocado a mão na cintura para tirar sua arma.
Ainda na versão oficial, o homem não xingou os PMs depois de ter levantado um revólver preto, mas um dos PMs conseguiu desarmá-lo. “Os PMs, utilizando de técnicas policiais, usaram de força contra o mesmo e, com muito custo, conseguiram jogá-lo ao solo”, explicam.
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Segundo o agente prisional, além das agressões, os PMs também o ameaçaram. “Disseram que o motoqueiro fantasma iria na minha rua”, ao se referir a uma possível prática de chacina com homens em moto atacando moradores.
“Se ele, um policial penal, é tratado assim, imagina o resto da população?”, diz advogado
Segundo o advogado Ayrton Gabira, representante da vítima, os PMs cometeram uma série de irregularidades na ação. A primeira delas é de mandá-lo deitar. “Claro que não ia deitar no chão. Posição de humilhação. Tem imagem que o mostra com as duas mãos para cima”, justifica.
O defensor detalha que houve clara violação de direitos humanos e da “dignidade da pessoa humana” neste caso. Ainda questiona as acusações imputadas ao homem.
“Apontou suspeito de disparo de arma de fogo, resistência e desacato. Já é situação difícil desacato que é resquício da ditadura”, afirma. “Se ele, um policial penal, é tratado dessa forma, imagina a população como um todo?”, questiona.
Em dezembro de 2019, a Câmara dos Deputados aprovou a Emenda Constitucional 104, que aprovava a criação do cargo “policial penal”, uma nova nomenclatura para a função de agentes prisionais. Para integrantes da área, a visão sobre os agentes segue com teor de preconceito.
“Somos servidores da Segurança Pública, ganhamos pouco e precisamos morar nas periferias. Nossa realidade e a do preso é muito parecida”, explica Fábio Jabá, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo.
Segundo ele, o fato de os agentes morarem na periferia faz com que eles estejam “vivenciando tudo o que um morador comum vivencia” nas quebradas. Por conta disso, considerou um desrespeito sem igual a ação contra o profissional no Capão Redondo.
“Eu fiquei revoltadíssimo. Falta de respeito. Existe uma agressão policial, que tem esse modo de atuar na periferia. Pouco tempo atrás tivemos agressão de um PM a um policial civil negro“, relembra, em denúncia feita pela Ponte.
Jabá declara que o sindicato “irá até o fim” neste caso para ter uma resposta. “É o risco que todo mundo corre, mesmo risco que todo cidadão comum corre: de denunciar o policial e temer virar uma vítima. Vamos até ultima circunstância e queremos respeito”, diz.
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), chefiada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), sobre a ação contra o agente penitenciário e aguarda uma resposta.