Moradores da Favela Naval, em Diadema (SP), tentaram relembrar Kauan Gabriel Santos de Assis e Diogo Cristian da Silva, mortos em abril, e sofreram repressão da polícia
A tarde deste domingo (02/07) teve um clima tenso na Favela Naval, em Diadema, região metropolitana de São Paulo. Aconteceu nma reunião de moradores para homenagear os jovens Kauan Gabriel Santos de Assis, de 17 anos, e Diogo Cristian da Silva, de 20, mortos há três meses por dois policiais militares de folga.
A homenagem estava prevista para começar às 14h30. Neste horário, cerca de 50 moradores, vestidos com camisetas com o rosto dos jovens mortos, foram para uma das ruas da favela. No entanto, cerca de 10 viaturas do 24º Batalhão da Polícia Militar pararam no local e os policiais, com armas de grosso calibre em punho, intimidaram os moradores para impedir o início da manifestação.
Pouco antes das 15h, quando a reportagem da Ponte chegou no local, as viaturas deixaram a entrada da favela, mas seguiram fazendo ronda de forma hostil na rua que concentrava os amigos e familiares de Kauan e Diogo.
Imagens registradas por celulares de moradores mostram a ação de policiais, que partiram para cima sobretudo de mulheres, dizendo que o grupo não poderia seguir com a homenagem aos jovens. De acordo com a ativista Marisa Feffermann, integrante da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, responsável por organizar a homenagem deste domingo, durante a ação violenta, os PMs alegavam que não deixariam os manifestantes seguirem pois iriam atear fogo em ônibus. Essa possibilidade de ação violenta por parte dos moradores, no entanto, não existia, segundo os participantes do ato.
“Estávamos nos organizando para fazer a homenagem. Eram muitos jovens e moradores, quando de repente a rua ficou repleta de viaturas e de policiais armados, apontando as armas para nós. Foi tudo muito assustador. Sentimos uma impotência diante de tantas armas letais. E o que mais indigna é que os moradores disseram que isso acontece sempre”, conta Marisa. A Rede acompanha o caso e disse que vai apresentar para o Ministério Público.
Kauan e Diogo, que eram conhecidos e queridos pela população da comunidade, foram assassinados no início da manhã do dia 2 de abril, em uma avenida que margeia a favela. Na versão policial, Kauan e Diogo tentaram roubar o carro com dois policiais dentro. Os PMs reagiram e mataram os amigos.
A versão policial, no entanto, é contestada por amigos e familiares dos jovens. Com medo de se identificar, devido ao longo histórico de violência policial na comunidade, todos os moradores afirmam que os jovens foram assassinados na covardia. Segundo a mãe de uma das vítimas, seu filho nunca teve arma. Amigos do outro também afirmam desconhecer que o jovem portasse qualquer armamento.
Os amigos contam que Kauan e Diogo eram apaixonados por motocicletas e adoravam passar os dias nas ruas da comunidade, ouvindo músicas, dançando e andando de moto. No dia em que foram mortos, estavam voltando de uma balada quando os PMs, de carro, abordaram os amigos de moto. Os amigos foram baleados sem esboçar reação, e ainda foram filmados agonizando antes de morrer.
“Eu conheço o Diogo desde quando ele se mudou para cá. Frequentava minha casa sempre, ia comer, ficava lá. Sempre alertei sobre os perigos, e via nela muita vontade de vencer na vida. Infelizmente teve a vida interrompida por uma violência de quem deveria agir dentro da lei”, conta uma aposentada de 53 anos.
Assim como a aposentada, um empreendedor de 26 anos tem medo de ter o nome e fotos expostos na reportagem. Mas ele topou falar das vítimas, porque “foi muita covardia o que fizeram”. Segundo ele, “os moleques eram sonhadores, faziam de tudo pelo progresso, e foram mortos com tiros nas costas por esses coisas”.
Uma dona de casa de 45 anos explica os motivos dos moradores temerem ter a identidade divulgada na reportagem. “Aqui nós convivemos com a violência todos os dias. Não tem como andar seguro. Nossa segurança somos nós mesmo que fazemos, porque nos juntamos quando o filho de alguém está na mão da polícia e nós mesmas vamos para cima”, conta.
Em poucos minutos de entrevista, diferentes casos de mortes cometidas pela polícia, prisões ilegais e abordagens violentas até com crianças foram relembradas por moradores. Os mais velhos do bairro recordam, inclusive, da emblemática reportagem do Jornal Nacional, da Rede Globo, de março de 1997, quando a lente da câmera de um morador registrou policiais militares extorquindo, humilhando e espancando moradores que passaram por uma blitz na entrada da favela.
Outro lado
A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública do Estado, comandada pelo capitão Guilherme Derrite, sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), sobre a morte dos jovens e a ação da Polícia Militar deste domingo. No entanto, não houve retorno até o fechamento desta reportagem.