Ana Cañas: ‘O país me fez olhar e pensar: não dá pra continuar falando só de amor’

    Em entrevista à Ponte, cantora fala sobre feminismo, sexualidade, como entendeu seu lugar de privilégio e o que pode fazer pela luta antirracista

    Ana Cañas falou sobre os assuntos que permeiam o seu dia a dia, como cantora e artista | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Na cena musical desde 2007, Ana Paula Hipólito Cañas Cañas, artisticamente conhecida como Ana Cañas, está em uma nova fase de sua carreira. Aos 39 anos, a cantora foi indicada ao 20º Annual Latin Grammy Awards na categoria “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa” pelo seu disco Todxs, lançado em 2018. Nesta sexta-feira (1/11), ela lança o clipe de “Tão sua”, uma das faixas do último trabalho, que fala sobre o a libertação de padrões do corpo.

    Ana ficou nacionalmente conhecida depois do dueto com o cantor Nando Reis, antigo integrante do Titãs, na canção “Pra você guardei o amor“, lançado em 2009. Dez anos depois, Cañas mostra que os rumos do país promoveram nela uma mudança significativa: “Eu vou falar de amor? Fazer uma nova Pra Você Eu Guardei o Amor? As pessoas estão morrendo, cara!”, crava Ana à Ponte.

    Era uma tarde chuvosa quando Ana Cañas encontrou a reportagem em um café, dentro de uma livraria na região dos Jardins, na região central de São Paulo, para falar sobre feminismo, sexo, sexualidade, militância, privilégios, luta antirracista e a sua nova fase musical.

    Cantora Ana Cañas durante edição especial do Slam das Minas-SP, em 18/08, em homenagem à Preta Ferreira, em frente à Penitenciária Feminina de Santana, zona norte de SP; Preta foi libertada no dia 10/10| Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

    A sua aproximação com o movimento hip hop e o entendimento das lutas do feminismo negro tomaram a maior parte do tempo da entrevista. Ana também falou sobre a importância da empatia nos dias de hoje e como entender o seu lugar de escuta nas lutas que assumiu. “Eu não nasci uma pessoa preta, eu não sou uma mulher trans, eu não sou gorda, mas eu não necessariamente preciso viver aquela realidade pra entender a luta desses movimentos, e na verdade eu estou em uma posição de privilégio, como mulher branca, bissexual, eu não sofro as mesmas opressões que mulheres lésbicas que são casadas, eu sou uma mulher super privilegiada”, ponderou.

    Confira a entrevista:

    Ponte – Muito se tem falado que Ana Cañas está diferente, mas a diferença já começa no estilo da sua música. Você surgiu sob a alcunha de “Nova MPB”, com uma música sofisticada que flertava diretamente com o jazz. Hoje, com o seu novo disco “Todxs”, sua música ressurge com batidas eletrônicas. De onde veio essa mudança?

    Ana Cañas – A virada mesmo foi com o single Respeita. Eu vi um documentário na Netflix, chamado Hip Hop Evolution, fiquei tão tocada e comovida com a história do hip hop, que eu sentei e falei: “Eu preciso escrever essa música, que eu tô pra escrever há 20 anos”, que era pra falar sobre o assédio que sofri, sobre violência contra mulher. Aí eu sentei e escrevi Respeita de uma vez só: foi uma letra de três folhas de sulfite, e inspirada pelos caras do hip hop dessa série. Eu procurei os manos do Instituto, o Rica Amabis e Tejo Damasceno, que trabalharam com Sabotage, Criolo e mais um monte de gente foda, e ali já foi uma mudança, ali já tinha beat eletrônico, um flerte com rap. Eu não sou uma rapper, eu sou uma cantora, a melodia é a minha vida, mas teve a mudança do flow, das ideias, umas letras maiores, politicamente. Fizemos o clipe com 86 mulheres, como Elza Soares, Maria da Penha, Eliane Dias… várias minas foda, então essa mudança começou aí.

    Um ano e meio depois da prisão do Lula, eu escrevi uma música, que era inspirada em uns sambas da Nara Leão, aquela coisa mais politizada, das parcerias que ela fez com o Zé Keti. A música se chama Viverei e fala sobre a prisão política, mas ali, naquele momento eu já entendi que não era mais aquilo. Eu fiz a música, a gente fez um clipe gravado na ocupação Nove de julho, a Preta Ferreira, minha mana, que produziu esse clipe. Filmamos na feira da Reforma Agrária do MST, no Parque da Água Branca, que hoje está proibida, o “Bolsodoria” proibiu.

    Quando eu parei pra gravar o disco, eu falei: “É essa parada eletrônica mesmo”. Eu tava trampando com um menino que não tinha feito disco nenhum, o Thiago Barromeo, ele tinha uma mesa MPC, eu comecei fazer umas demos e eu pirei pra fazer esse disco, eu fiz umas 60 demos, fiquei um ano gravando e encontrei essa linguagem nova.

    Ponte – E como foi esse processo de mudança?

    Ana Cañas – Foi um processo difícil, porque transição de estética é uma coisa delicada. Pode dar muito errado se não tiver verdade, se você não estiver no seu propósito. Mas foi a primeira vez também que eu fiz um disco com processo aberto. Eu ia mostrando para os amigos, fazia umas cervejadas lá em casa e botava o disco. Eu fui sentindo que a galera tava curtindo muito, aí eu tive certeza que esse era o caminho. Trabalhei com o Munari, do grupo de rap SNJ, fui juntando o pessoal responsa do rap, que chegou pra fazer umas bases, e eu achei que a estética era essa meio minimalista, orgânica, mas com beats eletrônicos.

    Agora, nesse exato momento, eu estou vivendo uma revolução em relação a isso, porque eu estou fazendo show com DJ. Eu não faço o meu show com banda, até por uma questão econômica. Eu não consigo viajar mais com dez pessoas, não é possível no Brasil de agora, o contratante não tem como pagar dez passagens. Então tem a versão do meu show que é pocket com DJ, que conta com a Mônica Agena na guitarra, que tocou no grupo de reggae Natiruts por 10 anos, e com o DJ Nato, que é lá de São Mateus, da quebrada, um cara foda também, tocou com todo mundo do rap.

    Ponte – E como está a releitura do seu repertório antigo nessa nova roupagem musical?

    Ana – A gente fez alguns remix, tô levantando ainda Esconderijo e Tô na Vida. Fizemos uma versão pra Joana Dark, da Ava Rocha. Fui colocando umas versões de funk, alguns elementos de funk, porque eu tô muito interessada no movimento do funk e na linguagem do funk, na questão da sexualização dos corpos femininos na quebrada.

    Eu estou em um momento muito contente, de linguagem mesmo. Se você for ouvir as 100 músicas mais ouvidas no Spotify, nível mundial, não tem mais uma porra de uma música orgânica, não tem, é questão de linguagem. Essa música de hoje, do nosso tempo, da mente fragmentada da internet, é uma coisa eletrônica, e eu, particularmente, gosto muito, curto pra caramba esse som.

    Ponte – Nessa sua mudança musical teve também muita mudança de público?

    Ana Cañas – Tem um público novo chegando, que veio da militância, gente que não conhece a minha música, nunca foi no show, mas que tem afinidade com as minhas ideias, em relação ao ativismo das minorias. Por causa do meu trabalho na causa antirracista, muitas pessoas pretas vão ao meu show, e eu acho maravilhoso. Troco muito ideia com as pessoas pretas, com as pessoas trans, com as pessoas LGBT+, de entender quais são as pautas. Eu acho que a ideia de democracia verdadeira é essa, a ideia de empatia. Eu não nasci uma pessoa preta, eu não sou uma mulher trans, eu não sou gorda, mas eu não necessariamente preciso viver aquela realidade pra entender a luta desses movimentos, e na verdade eu estou em uma posição de privilégio, como mulher branca, bissexual, eu não sofro as mesmas opressões que mulheres lésbicas que são casadas, eu sou uma mulher super privilegiada, apesar de ter tido uma vida muito difícil, eu trabalhei muito duro pra construir a minha carreira, mas eu não sei o que é ser discriminada pela cor da minha pele, então eu tento fazer um exercício de conhecer as realidades, de ir no MST, de ir na quebrada, na Cooperifa, na ocupação, conversar com as outras pessoas, e usar a minha voz, a minha visibilidade, pra ajudar nas causas.

    Ponte – Você que fazia parte da MPB, era comum não ter negros na plateia dos seus shows antigamente?

    Ana – Era! Por isso que eu estou muito feliz com essa mudança de público. Tem muitas pessoas pretas, pessoas trans, travestis… Eu estou vendo uma diversidade na minha plateia, que é ressonância com as coisas que eu venho dizendo. Eu sempre questionei esse termo MPB, porque além da música não ser popular, ser uma música elitizada, esse termo é cunhado a partir de um violão de nylon e de um cancioneiro masculino, você tem ali Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco, João Gilberto. A minha geração, que era formada pela Céu, Karina Buhr, Tulipa Ruíz, Roberta Sá e Mariana Aydar, era tida como a “nova MPB”. Deveria se chamar a “Nova MPB branca” né? [risos]. Mas graças a Jah isso tá mudando muito, hoje temos muitos expoentes da música negra. A minha música vai refletindo o que eu estou vivendo. Tem artistas que fazem a mesma música sempre, mas eu tô pra ala mais do Arnaldo Antunes, do Ney Matogrosso, que são artistas que se desconstroem e reconstroem. O próximo o disco eu já sei que vai ser uma continuação do Todxs, em uma incursão ainda maior pela música eletrônica, provavelmente vão surgir elementos do funk. Eu quero trabalhar com o DJ Zé Gonzales, então já tô vislumbrando, já são novas esferas que vão entrar no trabalho. Eu tenho escutado muito funk periférico, como a Mc Carol. Eu assisti a série Sintonia [da Netflix] e eu amei. É a realidade como ela é, e essa é a grande virtude da série, mostrar a realidade da quebrada como ela é, mas no diálogo, nas histórias, nos acontecimentos… o KondZilla tem muito mérito em ter feito isso. 

    Ponte – As pessoas andam dizendo que você anda muito feminista, mas o feminismo sempre esteve presente na sua música. Tanto que no disco Tô na Vida tem a música Mulher que é bem feminista.

    Ana Cañas – Mas isso tem desde o primeiro disco. Se você for analisar a música Devolve Moço, que é uma música ingênua, ela é feminista, ela fala: “Existe aqui uma mulher. Uma bruxa, uma princesa. Uma diva, que beleza! Escolha o que quiser. Mas ande logo, vá depressa. Nem se atreva a pensar muito, o meu universo ainda despreza quem não sabe o que quer”, é uma mensagem de cunho empoderador feminista. Eu sou várias, eu sou múltipla, eu não sou uma coisa só. Eu gravei também Super Mulher, do Jorge Mautner, gravei Volta, que é uma canção bastante sexual. Eu fiz um clipe, na época, totalmente nua e não pude lançar. O feminismo existe há séculos, mas eu acho que a primavera feminista que a gente vive de junho de 2013 pra cá é um epicentro de ideias feministas, como foi na década de 1970 e também em 1920.

    Ponte – E você saberia nos dizer em qual momento a artista Ana Cañas começou a se tornar mais ativista e feminista em seu trabalho musical?

    Ana Cañas – Foi quando eu gravei o clipe do Respeita. As várias mulheres que participaram do clipe são lideranças de movimentos sociais, então elas me convidaram pra ir nos movimentos. Eram diversos movimentos, tinha movimentos das catadoras e recicladoras de lixo, as casas que acolhem mulheres trans, entre outros. Fui conversar com a Elaine Dias, na Boogie Naipe, e foi ali que nasceu tudo. Mas eu acho que a racha mesmo foi quando eu cantei pro Lula, do lado dele, muito antes de ele ser preso. Eu acompanhei todo o processo, nem se falava em Lula preso, ainda tava rolando o impeachment da Dilma em 2016. Na época já tava rolando vários atos “Fora Temer” e eu queria participar desses atos, mas escolhiam um casting de artistas de grande visibilidade e eles nunca me chamavam. Até que um dia recebi um telefonema de um assessor do PT falando que iria ter um ato do Lula na Avenida Paulista e perguntou se eu queria ir, eu aceitei na hora. Nisso eu estava em cima do trio elétrico vendo as pessoas, tava o Fernando Haddad, o Guilherme Boulos, a Manuela D’avilla, o Eduardo Suplicy, o Ivan Valente. Aí chegou o Lula e ele veio na minha direção e disse: “Minha filha, o que você vai cantar?”, e eu respondi: “Eu não vou cantar nada, eu não estou com o violão aqui, eu não fui chamada pra cantar”, e ele continuou “Você vai cantar sim”, aí eu disse: “Olha, a única música que eu poderia cantar agora a capela é o Bêbado e a Equilibrista”. Foi aí que começou o movimento de prisão política do Lula e fui acompanhando tudo. No dia que saiu a condenação eu estava com o Lula em cima do trio elétrico na Praça da República (SP). E nesse dia só estava eu de representante da classe artística, e eu pensei: “Caralho, to enfiada nisso até o fim”, porque se teve um dia que era importante eu estar ao lado dele, era naquele dia. No dia que ele foi preso e chegou em Curitiba, eu estava lá e fiz um show na porta da Polícia Federal, cercada pela tropa de choque.

    Ponte – Existe no nosso país o que podemos chamar de antipetismo, ou, até mesmo, antilulismo. Essa sua aproximação com o Lula chegou a afetar negativamente a sua carreira? Você perdeu contrato de shows? Os fãs se voltaram contra você?

    Ana Cañas – Perdi contrato de shows sim, perdi muitos seguidores. Eu lembro que aconteceu desde a primeira foto que eu postei ao lado do Lula, e nem tava rolando o movimento da prisão e nem nada, mas o antipetismo estava crescendo. A gente tem que entender que esse antipetismo é uma coisa enrustida, eu vejo muito uma coisa da classe média alta querendo manter os seus privilégios também. Ela usa o antipetismo como desculpa para camuflar os seus preconceitos, porque essas pessoas tem ódio de pessoas pobres, de pessoas pretas, elas não querem dividir aeroporto, elas não querem ver essas pessoas ascendendo socialmente, então elas inventam esse antipetismo de que o PT roubou e acabou com o Brasil. Isso é um discurso enrustido, se você for sentar e estudar isso, vai ver que nada disso é real, é um discurso de preconceito, de ódio e funcionou, foi o que elegeu o Bolsonaro. E você vê como o machismo, o racismo, a misoginia e a homofobia é estrutural no nosso país, tá tudo na formação da nossa identidade, o sistema foi construído dessa forma. O contratante fecha um show teu, aí ele descobre que você é ativista, aí ele inventa uma desculpa do tipo: “Olha, o show não vai mais acontecer”, e faz o show com outra cantora que não faz militância. Perdi, provavelmente, muita oportunidade de negócios, de publicidade, coisa que nunca foi o meu forte também. Com o tempo, foi chegando uma outra galera, interessada em um artista que tava fazendo algo, até porque muitos artista ficaram calados e estão calados até hoje. Eu acho que eu tenho obrigação e o dever moral e espiritual de usar a minha voz pra denunciar tudo que está acontecendo aqui. Portanto, ao mesmo tempo que eu perdi algumas coisas, eu ganhei outras. Dias atrás eu fui fazer um show em Uberlândia (MG), aniversário de 131 anos da cidade, e já começaram nas redes: “Ana, é cidade bolsominion”, eu pensei: “Bom, gente, eu não posso fazer nada”. A prefeitura da cidade é de direita, mas aí eu penso, por que me contrataram? Talvez eles gostem de Esconderijo ou Pra Você Guardei o Amor, mas e se na verdade eles quiserem me dar um tiro? Era um show aberto para 5 mil pessoas, fiquei pensando se devia ir, mas fui. Peguei a van, fui pra lá, fiz o show e foi foda. Tinha um público enorme, um público jovem, aliás, e se fala no show na cidade até agora. Fiz uma hora de show cravado, fazendo discurso que os homens tinham que aprender a chupar boceta, falando de equidade, da legalização da maconha, denunciando o genocídio do povo preto. Todas essas frases têm no show.

    Ponte – Mas já te aconteceu algum caso recente de uma reação diante do discurso?

    Ana Cañas – Na Bahia teve um cara que jogou um ovo no palco, no meio da quarta música um ovo atravessou o palco. Poderia ter sido uma pedra, poderia ter sido um tiro, porque eu tenho cantado em lugares grandes, abertos, não tem revista de segurança, se o cara chegar lá com uma arma na bolsa, já era. A minha mãe acha que eu vou morrer todo dia, ela acha que alguém vai me dar um tiro, vai me calar, porque todo dia eu tô falando algo. E eu respondi que se eu morrer, vai ser com a certeza que eu estava fazendo o que estava no meu propósito. Do que adianta você estar rico ou milionário, sem fazer crítica em quem está nessas duas posições, mas sendo só um entertainer? Eu nunca fui uma entertainer, eu sempre fui uma pessoa que gosta de questionar o sistema. Dinheiro pra mim nunca foi o propósito, é lógico que é ótimo ter dinheiro, pra pagar o seu aluguel e ter comida na sua geladeira. Eu já distribuí muita comida na rua pra moradores de rua. Foi em 2016, durante o ano inteiro, eu fazia 100 lanches, colocava na mala, ia pra Paulista de madrugada, sozinha, a 1h da manhã e eu ficava ali duas, três horas, dando lanche, trocando ideia com os moradores de rua, entendendo um monte de coisa da realidade dessas pessoas, da adicção das drogas, porque o meu pai também foi alcoólatra, aí eu voltava pra casa e eu via que eu tinha água quente no chuveiro, uma cama e comida na geladeira e que eu podia pagar o meu aluguel, eu tinha o meu privilégio. Foi uma coisa de sair da minha bolha. Eu quero botar a minha voz a serviço de algo, mas, ao mesmo tempo, é difícil, porque tem que balancear, porque eu não quero ser vista só como uma ativista, como uma pessoa militante, embora todas as entrevistas que eu tenha dado, tenha sido só sobre isso, por causa do momento que a gente tá vivendo. Aí eu lancei um disco no ano passado, eu vou falar do quê? Eu vou falar de amor? Fazer uma nova Pra Você Eu Guardei o Amor? As pessoas estão morrendo, cara!

    Ponte – Você citou o fato de entregar lanche para os moradores de rua ressuscitou o seu ativismo pessoal, mas antes de você se tornar cantora, você fazia faculdade de artes na ECA e você morava em um pensionato só com garotas de programa. Talvez não seja ali que iniciou todo seu ativismo?

    Ana Cañas – Na verdade, acho que já começou na infância. A primeira peça teatral que eu escrevi na escola, com 14 anos, já tinha um ativismo. Era uma sátira do Jornal Nacional, de como eles eram arbitrários nas matérias, e tinha um quadro dentro dessa peça que era sobre o MST, foi um negócio 20 anos antes de eu parar dentro do MST e fazer um show na Escola Florestan Fernandes. Eu sempre fui uma pessoa questionadora. Eu tenho quatro irmãos homens, então eu sempre entendi a opressão dos homens. Eu saí de casa cedo, com 17 anos, primeiro eu fui morar com a minha avó na Cidade Dutra, só que lá levava três horas pra chegar de busão na ECA. Aí eu fui morar em um pensionato, que era mais perto da USP. Lá só morava garotas de programa e eu levei meses pra descobrir que as mina faziam programa, eu era tão ingênua, eu não sacava. Até que um dia eu tava na rua e uma delas estava na esquina fazendo programa, eu cumprimentei ela e perguntei o que ela estava fazendo ali, e ela respondeu: “Tô ganhando o pão, né, amiga”, e foi aí que eu comecei a trocar ideia pra caralho com ela, perguntar da realidade delas, como que era, todas eram abandonadas pela família, muitas acabam fazendo isso por questão de sobrevivência, muitas eram nordestinas.

    Ponte – A importância da classe artística hoje é a mesma do período da ditadura?

    Ana Cañas – Nesse momento a gente tem internet. Eu fico pensando naquela época, as pessoas sumiam e não tinham informação de nada. A pessoa tinha que ligar pra minha casa, perguntar se eu estava lá, era muito fácil achar as pessoas, com linha telefônica de casa, e as pessoas sumiam, eram torturadas, estupradas dentro da sala do DOPS e DOI-CODI e você não sabia. Eu acho que hoje a internet dá um escopo um pouco maior de denúncia, do jornalismo, das mídias independentes. Mas eu fico pensando, como que foi na ditadura? O meu bisavô foi assassinado em praça pública na Espanha no governo franquista. Logo que o Francisco Franco assumiu o poder, em 1936, ele assassinou o meu bisavô. Ele era comunista e prefeito da cidade.

    Ponte – É essa a história que a sua avó veio para o Brasil como refugiada?

    Ana – Sim, ela fugiu pra França, mas era na época da Segunda Guerra Mundial, e ela passou fome, atravessou os Pireneus a pé no inverno. Ela comeu uma barra de manteiga e uma lata de atum durante semanas. É a história da minha família, dos meus ancestrais, eu tenho no meu sangue, eu cresci ouvindo essa história, de que a minha avó viu o pai dela ser assassinado em praça pública, ela tinha sete anos de idade. Então hoje talvez não possa mais matar como se matava sem a internet. Mas vocês viram a proporção que tomou, a semente que virou a morte da Marielle Franco? Por mais barbaridade que tenha sido, como isso se transformou em uma coisa positiva em sentido de luta, de militância negra, ela é um símbolo da militância negra, principalmente para as mulheres. A Marielle poderia ter morrido na ditadura e ninguém saberia. A internet dá voz às minorias e pra mim essa é a coisa mais positiva dela. Vozes silenciadas pelo sistema. Ainda mais hoje que temos policiais chancelados para atirar, o pacote anti-crime do Sérgio Moro chancela os policiais pra isso, o que o governador Wilson Witzel está fazendo no Rio de Janeiro, atirando de helicóptero em cima da favela. Sempre houve o genocídio do povo periférico, a gente sabe disso, mas agora existe uma fala do chefe de Estado dizendo que isso é uma coisa que defende o cidadão de bem.

    Ponte – Em entrevista ao Jornal O Globo você falou abertamente sobre bissexualidade, trouxe à tona comentários de homens que vê fetichismo na relação bissexual. E a bissexualidade dentro do escopo LGBT+ não tem visibilidade nenhuma, porque os bissexuais são vistos como oportunistas. Qual a sua importância, como representante da classe artística, em desmistificar isso?

    Ana Cañas – Eu voltei a me relacionar com mulheres há pouco tempo, não tem nem um ano. Na época de escola eu sofri um bullying violento, os professores me xingavam em sala de aula, me chamavam de sapatão, de canetão. A escola inteira me zoava, eu me lembro de andar no corredor e a escola inteira me chamar de sapatão, foi um negócio muito violento. Eu tinha entre 12 a 14 anos de idade, foi na época que eu comecei a namorar as meninas da escola. E hoje eu me considero uma pessoa bissexual porque realmente eu me relaciono com homens e mulheres. Eu me relacionei com homens durante muito tempo, fui casada com um artista plástico, mas, desde então, eu tenho saído com mulheres, com homens, com pessoas, seres humanos. Existe um movimento forte de bissexuais que eu tenho entrado em contato pelo Instagram. Eu gosto de homens e de mulheres, eu realmente tenho atração e tesão pelos dois, acho linda mulher e acho lindo homem, eu consigo ter relação sexual com os dois.

    Ponte – Você acha que o chamado “feminismo branco” é excludente com as mulheres trans ao afirmar que até elas assumirem a identidade trans, elas tiveram privilégios a vida inteira por ser homem?

    Ana Cañas – Eu não concordo com esse pensamento do feminismo branco. Eu pensei sobre isso hoje cedo enquanto tomava café na minha casa. Mulheres trans são mulheres. Mulheres trans morrem mais que mulheres não trans, sofrem estupro também. Então elas estão em uma linha de opressão muito maior que mulheres cis, e eu não concordo com essa linha do feminismo excludente em relação às mulheres trans. Eu, realmente, não estou de acordo com isso.

    Ponte – O que você acha sobre as feministas radicais?

    Ana – Existem várias linhas do feminismo, vários graus de atuação, e eu acho muito importante que ele exista porque quem rompe muros, quem faz o front, são as feministas radicais. Mas, às vezes, o que é perigoso se esse feminismo se estabelece, ele fala para um público nichado que são as mulheres que já são feministas.

    Ponte – Mas muitas vezes o feminismo radical não pode acabar sendo racista, porque fala que os homens negros são incluídos no mesmo balaio, e acabar sendo transfóbico também...

    Ana Cañas – Pra mim o feminismo é sempre antirracista, anti-transfóbico e anti-LGBTfóbico. Como diz o livro da Angela Davis, o feminismo nasce da luta abolicionista. Ela mesma diz: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. É inconcebível pra mim um feminismo que seja excludente, todas as causas são aliadas. Do mesmo jeito que nós somos uma minoria política, nós somos a maioria em corpo físico, como os negros, mas nós somos uma minoria política quanto ao acesso a direitos constitucionais. Então é inconcebível pra mim essa guerra dentro da própria militância, acho que, no final a gente tem que se unir.  É importante que esse feminismo exista, ele permeou muitas conquistas, momentos de decisões históricas. Até porque são as pessoas que estão no front que morreram e que promoveram mudanças. Isso em todos os movimentos. A própria Marielle era uma mulher do front, muito exposta, tanto que foi assassinada, e mesmo assim aconteceu uma coisa muito bonita, que ela se tornou um símbolo de luta. A deputada estadual Érica Malunguinho, pra mim, já é um grande acontecimento. Inclusive eu fui convidada pra fazer parte da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher, lá na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Só as mulheres da política e eu lá no meio [risos]. Mas eu fui, sabe por quê? Porque eu quero aprender sobre legislação e sobre tudo que está acontecendo.

    Ponte – Aliás, o que você acha da diferença do feminismo branco e do feminismo negro?

    Ana – Eu acho que o feminismo branco precisa entender e estudar o feminismo preto. Rolou durante muitos anos, décadas, um epistemicídio mesmo, a morte da produção cultural intelectual do pensamento preto. Eu acho que feministas, não só norte-americanas que a gente tem referência, como Angela Davis, Bell Hooks, Audre Lorde, tem a Chimamanda Ngozi Adichie, que é a africana, mas as brasileiras Djamila Ribeiro, Joice Berth, Juliana Borges, Conceição Evaristo… as mulheres brancas têm que reconhecer os seus privilégios, entender que enquanto a gente luta por várias questões, as mulheres pretas estão lutando pra sobreviver, uma causa primária. Se você estudar a fundo o feminismo, você entende que ele nasce do apoio das mulheres brancas da Casa Grande à luta abolicionista, quando elas percebem que são oprimidas pelos seus maridos, quando elas resolvem apoiar a liberdade da cultura escravocrata. O feminismo nem existiria se não fossem as mulheres pretas. Eu busco estudar, aprender, ler as feministas negras, e eu acho que elas são um alicerce fundamental para essa primavera que está acontecendo nos últimos seis anos. Isso precisa ser muito reconhecido, elas são o front do pensamento intelectual, e também da militância das ruas. É o povo que é preso ou morre por usar maconha, que é vítima do genocídio. Se você for estudar as políticas do encarceramento em massa no mundo, em 20 anos você tinha 300 mil presos nos Estados Unidos, e hoje você tem 2 milhões e meio de homens e 80% são pessoas pretas. 

    Ponte – E aqui no Brasil são mais de 800 mil pessoas presas…

    Ana Cañas – A informação está muito mais acessível, temos os sites, perfis no Instagram. Eu sigo vários Instagram não só da pretitude, mas de pessoas trans, pessoas gordas, pessoas que militam do body positive para entender tudo isso. Como diz a Preta Rara, você quer saber se você é preto? É só você correr na frente de um policial. O racismo é tão estrutural que é muito triste as pessoas brancas não reconhecerem os seus privilégios. Temos um dever de reparação histórica com o povo preto que sofreu quatro séculos de escravidão, a gente ocupa um lugar de privilégio. E como é que eu reverto isso? Empregando pessoas pretas. Na minha equipe, tem mulheres pretas, mulheres trans, mulheres lésbicas, entendeu? Empoderar economicamente é uma forma de reverter as estruturas de decisão e poder, porque sem independência econômica, a pessoa está atada, não consegue ter voz ativa.

    Ponte – Além do feminismo, você tem um lado espiritual muito forte, que fica explícito nas suas letras. Você segue alguma religião específica?

    Ana – O alicerce grande da minha vida mesmo é a espiritualidade. Eu falo muito pouco sobre isso, porque ninguém se interessa, mas a espiritualidade é tudo pra mim e isso transcende religião. Eu adoro as religiões, eu respeito todas as matrizes africanas, espiritismo. Pra mim eu entendo que existe uma inteligência maior no universo, que orquestra as parada tudo, que as pessoas chamam de Deus, eu não gosto da ideia de Deus porque já começa que é uma palavra masculina, pra mim existe uma energia que opera as coisas, e pende mais pro feminino ou existe uma equidade entre as duas, não gosto dessa ideia de Deus porque já vem do patriarcado essa ideia de que um homem que cria as coisas. Se você entender que tudo que você planta, você colhe, que essa é a lei do universo, as pessoas vão repensar as suas vidas, desde falar mal de alguém a fazer mal pra alguém, tá tudo conectado. Se as abelhas morrerem, acabou a biodiversidade do planeta, a abelha é um bicho pequeno, mas são elas que poliniza o que a gente come, eu vejo tudo por esse prisma da interconexão, e a espiritualidade pra mim é isso.

    Ponte – Falando da capa do Todxs, que muita gente acha que é você, é uma imagem muito conhecida no submundo da pornografia. Ela tem alguma inspiração na criação do mundo e o fato do pecado ter entrado no mundo através de uma cobra?

    Ana – Na verdade essa imagem tem várias leituras. A cobra é um símbolo fálico, mas para a espiritualidade ela representa muitas coisas. A energia kundalini, por exemplo, que sobe pela coluna e chega até o chacras, ela é uma cobra. Aquele símbolo da medicina é uma cobra. Para o mundo cristão católico apostólico romano, careta, excludente e opressor, a cobra é um símbolo fálico, que representa um ser que entrega a maçã pra Eva, então a cobra tem tudo a ver com isso, e eu acho muito interessante que nessa imagem a cobra esteja dando o bote, porque o patriarcado quer vender essa ideia que a mulher ideal é a mulher passiva, é a mulher submissa, é a mulher que não pensa, a mulher que não age, a mulher que atura qualquer coisa, então nessa imagem a cobra está dando o bote, ela tá bem no lugar da boceta. Foi uma imagem que quando eu vi, logo pensei que essa imagem era tudo que eu estava dizendo nas letras, foi um achado e eu não sei de quem é a foto, eu liguei até na Suécia atrás do cara, mas não era.

    Ponte – Além do mais, essa cobra dando o bote é bem parecido com clitóris...

    Ana – Com certeza. Na verdade, os homens não comem as mulheres, a gente que come os homens, no sentido que a gente acolhe as coisas, a gente tem um útero, a gente gera vida, o útero está conectado aos ciclos da natureza. A gente ouve muito essa frase: “Vou comer a mulher”, “A mulher que eu estou comendo”. Não! Se tem alguém que está comendo alguém somos nós que estamos acolhendo o falo. E fora isso a gente precisa ressignificar toda relação sexual heteronormativa, porque a gente tem uma ideia que ela termina com o gozo masculino, por exemplo, isso precisa ser ressignificado, é um baita tabu na sociedade até hoje a mulher que goza, a mulher que sente prazer, falar de orgasmo.

    Ponte – Um estudo da Universidade de Chicago em 2010 afirmou que 80% das mulheres nunca tiveram um orgasmo na vida…

    Ana Cañas – A gente precisa divulgar essa informação, porque o orgasmo é libertação, tem tantos vieses: de libertação, empoderamento, autoconhecimento, consciência, de quebrar esse padrão sistemático de opressão do patriarcado. Uma relação sexual precisa ter equidade. Eu também gozo, o meu gozo é tão importante quanto o seu, você também tem que aprender a conhecer o meu corpo e a me fazer gozar, o tanto quanto eu sei fazer você gozar.

    Ponte – E por que os homens não sabem fazer sexo oral?  

    Ana Cañas – Porque crescem vendo filme pornográfico. Você já viu em algum filme pornográfico o cara chupar a mulher e ela ter um orgasmo? Além da sexualidade feminina não existir na pornografia, a mulher é tida como um objeto sexual igual a uma boneca inflável. A mulher não tem pensamento, não tem sentimento, não tem cognição, não tem fala e não tem articulação. Ela só serve pro cara enfiar a pica dentro dela. A pornografia é a destituição da humanidade, ela é o oposto do erótico. A Audre Lorde tem um ensaio genial sobre isso. A pornografia é a exaltação dessa objetificação máxima do corpo feminino. Quando você me pergunta “por que os homens não sabem chupar uma boceta?”. Eu te digo: porque eles são filhos do patriarcado. Crescem vendo pornografia e reproduzem esses mecanismos.

    Ponte – Os Titãs tem uma música chamada Isso Para Mim é Perfume, escrita pelo Nando Reis, que no refrão ele fala explicitamente sobre a ejaculação masculina. Por que isso é normal, mas a Ana Cañas cantando sobre o orgasmo feminino é chocante? 

    Ana Cañas – Porque a sexualidade feminina é tabu. Porque nessa música o Nando está falando do esperma masculino, ele tá falando pros homens, ele tá falando do gozo masculino. E o contrário gera espanto. “Nossa, mulher goza”, sendo que o clitóris tem muito mais terminação nervosa do que a cabeça do pau, isso já é comprovado. O patriarcado quer a mulher submissa, caladinha, sentadinha, lavando a louça, a bela, recatada e do lar. Só que não, a gente tá aí no front, nós nos profissionalizamos, nós estudamos, nós votamos, nós lutamos pra ter todos esses direitos, as feministas lutaram pra poder estudar, pra poder trabalhar, pra poder votar, e a gente vai continuar lutando pelo direito de tudo, porque vocês homens têm esses direitos. 

    Ponte – Ser a dona do seu próprio selo, te deu mais liberdade pra fazer um disco tão político quanto o Todxs?

    Ana Cañas – Esse disco não sairia por gravadora nenhuma. Eles têm um processo de pedir demos, de ouvir o que você vai gravar. Eu já saí logo da Som Livre, porque eu tinha certeza que eles não iriam topar esse disco, nenhuma gravadora iria topar. Mas ele deu 1 milhão de streamings em três meses só no Spotify. E falta também a gravadora ter a mentalidade de entender o seu tempo. E outra: todas as decisões de poder, dentro de uma gravadora, tanto o diretor artístico, presidente, é tudo ocupado por homem branco e cis. Então como que o cara vai entender uma música como Lambe-Lambe, Todxs ou Eu Dou? Ele não entende. Então é foda. Mas tem fronteiras que você tem que cruzar sozinha. 

    Ponte – Hoje você tem uma equipe feminina te acompanhando nos shows?

    Ana Cañas – Sim. Um total de 70% de mulheres, ainda tem homens na minha equipe. E a minha ideia é não banir os homens da equipe.

    Ponte – Mas a parte artística musical é muito masculina, não é?

    Ana Cañas – Não é só o meu disco, é o disco de todas as cantoras. A Karina Buhr, que também é super feminista, quem que produz o disco dela? Um homem. Quem produz o disco da Céu? Um homem. Quem produz o disco da Gaby Amarantos, da Pitty? Tudo homem. Hoje a gente está na mão desse mercado que não forma produtoras. Agora que a gente tá vendo um expoente de minas produtoras que estão chegando, eu mesma já me informei de uma DJ, eu vou sacar qualé o som dela. Cabe a nós fortalecer as manas, fazer as manas.

    Ponte – No começo da entrevista você disse que mesmo sendo ativista não queria ser vista apenas dessa forma. Não chega um momento que te incomoda não falar de música e da sua carreira nas entrevistas?

    Ana – Não me incomoda, pelo contrário, eu sou agradecida por ter o espaço que eu tô tendo, pra dar voz a essas coisas que precisam ser ditas. Eu sei quem eu sou, eu sei da minha música, quando eu estou no palco, a música prevalece, por mais que eu tenha falas políticas, as pessoas cantam as minhas músicas. Eu sei que eu sou reconhecida como uma cantora, compositora, mas eu acho que pelo momento que a gente vive hoje, com esse governo fascista, ficaria até vazio eu usar um espaço dentro da Ponte pra falar só de música. Não que não seja um assunto suficiente em si, lógico que é, mas nesse momento que a gente vive, de todo recrudescimento de direitos, é importantíssimo. Eu prefiro ceder o espaço pra falar da minha música e falar de pessoas que estão sendo mortas, é muito mais importante eu falar sobre isso, nesse momento. É uma questão de você refletir os tempos que você vive. E eu considero até uma responsabilidade muito grande vir aqui e falar essas coisas, porque eu posso errar, eu não sou uma socióloga, uma antropóloga, apesar de eu estudar e ler bastante, eu não sou. Eu estou aprendendo, a desconstrução é um exercício diário.

    Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Por exemplo, eu aprendi alguns dias atrás que não se fala obeso, se fala gorda maior. Eu aprendi há seis meses que não se fala igualdade, se fala equidade. Que não é tolerância, é empatia. Tolerância é uma palavra que tinha que ser excluída, porque significa que você está tolerando alguém. Eu não falo mais “esclarecer” e nem “denegrir”, não falo mais também “olho gordo”, a gente tem que perceber as expressões, as fobias que estão expressas nas expressões populares. O próprio “Ei Bolsonaro, vai tomar no cu”, é uma expressão homofóbica. Deveria ser: “Ei Bolsonaro, vai se fuder”. Por isso da importância de reconhecer privilégios, as pessoas têm que entender que as coisas são estruturais, que muitas coisas foram dadas só pelo fato dela ser branca. O sistema privilegia pessoas brancas, magras, héteros… Então reconheça isso e transforme em uma ferramenta para se aliar as causas que precisa. Falta, às vezes, virar a chave da empatia, sair da bolha. A gente precisa fazer esse exercício de olhar para o outro mesmo, olhar pra outra realidade e se fazer parte dela.

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