Antes de novo júri, sargento acusado de matar Guilherme Guedes é expulso da PM

Adriano Fernandes de Campos foi desligado por possuir empresa de vigilância, o que a corporação proíbe; há uma semana, TJ-SP determinou que ele seja julgado novamente pela morte do adolescente negro de 15 anos, ocorrida em 2020

Protesto três dias após a morte de Guilherme Guedes, em 17/6/2020 | Foto: Rafael Vilela/@piravilela

O Comando-Geral da Polícia Militar de São Paulo expulsou da corporação, nesta quinta-feira (22), o sargento Adriano Fernandes de Campos. A decisão, publicada no Diário Oficial do Estado, acontece uma semana depois de o Tribunal de Justiça de São Paulo determinar que o agora ex-policial seja submetido a novo julgamento pela morte do estudante Guilherme Guedes, 15 anos, ocorrida em 2020.

A punição administrativa se baseia em duas infrações consideradas graves do Regulamento Disciplinar da PM: “exercer ou administrar, o militar do Estado em serviço ativo, a função de segurança particular ou qualquer atividade estranha à Instituição Policial-Militar com prejuízo do serviço ou com emprego de meios do Estado” e “ofender a moral e os bons costumes por atos, palavras ou gestos”. O comando considerou que o sargento cometeu “atos atentatórios à Instituição, ao Estado e aos direitos humanos fundamentais”.

Isso porque o policial era dono, juntamente com seu pai, o PM aposentado Sebastião Alberto de Campos, da Campos Forte Portarias Ltda., que era registrada como empresa para prestar serviços de zeladoria. No entanto, reportagem da Ponte revelou que a empresa na verdade prestava serviços terceirizados de segurança privada. Não é possível recorrer da expulsão na esfera administrativa. Se o policial quiser retornar à corporação, precisa ingressar com uma ação judicial que será avaliada pelo Judiciário.

Vídeo mostra sargento PM Adriano Campos com Guilherme pouco antes do jovem ser sequestrado | Foto: reprodução

De acordo com o Ministério Público, Campos e o ex-PM Gilberto Eric Rodrigues atuavam juntos como seguranças na região onde Guilherme foi morto. A dupla teria confundido o adolescente com uma pessoa que possivelmente havia roubado um canteiro de obras da Globalsan, empresa terceirizada da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em que Campos era responsável pela vigilância. 

A atividade desenvolvida pela empresa do sargento era proibida. O artigo 13 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, em seu item 27, proíbe que o militar da ativa tenha sociedades com fins lucrativos. A empresa de Campos também não constava nos registros da Polícia Federal como empresa ativa para prestar o serviço de segurança, já que é exigida a autorização do órgão para funcionamento. A Campos Forte Portarias Ltda. deu baixa no CNPJ no dia 4 de março de 2021.

Guilherme foi sequestrado na porta de sua casa, na Vila Clara, zona sul da cidade de São Paulo, no dia 14 de junho de 2020, e encontrado morto horas depois em um terreno no bairro Eldorado, na divisa entre a capital e Diadema. A morte do menino revoltou moradores da região, que fizeram protestos. Adriano foi preso três dias depois e só foi solto em outubro do ano passado, quando absolvido pelo Tribunal do Júri. Os jurados entenderam que ele não não foi o autor dos disparos que matou o adolescente, nem que os tiros causaram a morte. 

Contudo, o Ministério Público recorreu da sentença argumentando que os jurados decidiram de forma contrária às provas dos autos e, na quinta-feira passada (15), os desembargadores da 8ª Câmara de Direito Criminal do tribunal paulista acataram a argumentação do promotor e determinaram que o sargento seja submetido a um novo júri popular — ainda sem data definida, já que cabe recurso à essa decisão.

Imagens de câmera de segurança do dia do crime gravaram atuação dos suspeitos. A investigação da Polícia Civil apontou que um dos homens, que aparece nas imagens com as mãos para trás, é Adriano. O sargento chegou a confirmar que ele aparecia na filmagem, mas negou ter matado o menino. O ex-soldado Gilberto Eric Rodrigues também teria participado do crime. Ele foi preso no dia 13 de maio de 2021, após ser encontrado escondido em uma chácara na área rural de Peruíbe, no litoral sul de São Paulo.

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Os dois foram acusados pelo Ministério Público por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, com emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima) pela morte de Guilherme com tiros na cabeça. O processo de Gilberto foi desmembrado, ou seja, corre separadamente ao de Adriano, já que na época do crime ele estava foragido. O júri popular dele foi marcado para 18 de abril de 2023.

O ex-soldado estava foragido desde 2015 quando escapou do Presídio Militar Romão Gomes. Na época, a PM mentiu sobre a fuga, dizendo em documento enviado à Ponte que, dois meses depois do desaparecimento, Rodrigues ainda estava preso no local. Ele tem um extenso currículo de mortes desde 2013.

O que diz a defesa do PM

Procurada pela Ponte, um dos advogados do agora ex-sargento, Mauro Ribas, considerou a expulsão de Adriano “injusta” e “abusiva” porque “a decisão dos oficiais do Conselho de Disciplina foi pela manutenção do Adriano na PM”. Antes do comandante-geral emitir uma decisão, o procedimento administrativo disciplinar é avaliado por um conselho de policiais.

Ribas argumenta que Adriano não utilizou meios da corporação, como arma, viatura e outros itens de propriedade do Estado, para atividade de vigilância privada e, por isso, não caberia ser desligado da PM. “Na verdade, o Adriano ajudava o pai dele, numa empresa que era do pai do irmão falecido, e não era dono de nada, não era responsável por nada. Ele simplesmente estava lá para dar uma força para o pai dele, que é o verdadeiro dono da empresa e fazia os contratos e tudo mais”, afirma.

Para ele, a corporação pune de maneira desigual os praças (soldados, cabos e sargentos, que são a categoria mais baixa da PM) em relação aos oficiais (de tenentes para cima, que estão acima na hierarquia). “A Polícia Militar usa isso de subterfúgio para mandar embora alguém que por diversas outras vezes, em outros casos idênticos, foi mantido na PM”.

O advogado também relatou que está recorrendo da determinação de um novo julgamento contra Adriano por entender que os desembargadores não analisaram as provas compiladas pela defesa.

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