Luiz Carlos, 20 anos, que estava em moto roubada, foi atingido pelas costas em 16 de março após perseguição policial em comunidade na zona oeste da cidade
A família do ajudante geral Luiz Carlos Gil de Santana, 20, está inconsolável. Após 16 dias internado, o jovem faleceu nesta sexta-feira (1/4) no Hospital das Clínicas, na zona oeste da cidade de São Paulo. Ele foi atingido por dois tiros, um no ombro e outro nas costas, após uma perseguição policial no dia 16 de março, quando estava em uma moto roubada na comunidade da Serra, também na zona oeste.
Segundo a cunhada, que pediu para não ser identificada, Luiz morreu enquanto se recuperava de uma cirurgia da coluna que havia feito em 22 de março para retirar uma bala que ficou alojada. O advogado dos parentes, Rafael Moura, e a psicóloga Marisa Feffermann, articuladora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, acompanharam a família no hospital e no 89º DP (Jardim Taboão), onde foi registrada a morte do rapaz, e disseram que foram informados de que Luiz teve morte cerebral.
A causa da morte ainda não foi oficialmente esclarecida, já que o corpo de Luiz está no Instituto Médico Legal (IML) para ser examinado a pedido da delegada Daniela Brito de Lima e, até a tarde deste domingo (2/4), ainda não havia sido liberado para a família, que está angustiada sem entender o que aconteceu.
“Ontem [no hospital] disseram que era morte cerebral, depois que foi por conta da bala e agora, quando eu liguei para o IML para dizer que a gente ia para liberar o corpo amanhã, perguntei o que foi [a causa] e disseram que foi meningite”, disse a cunhada.
O velório e o enterro ainda não foram marcados. “Estamos buscando meios para dar um enterro digno para ele e ver se alguém tem cartão de crédito para parcelar os custos”, declarou.
A Ponte procurou o Hospital das Clínicas, mas a assessoria disse que não tem autorização para passar informações sobre pacientes. Também questionamos a Secretaria da Segurança Pública (SSP), que disse que o corpo do jovem foi liberado para a família nesta segunda-feira (3/4). “As investigações prosseguem. Detalhes serão preservados para garantir autonomia ao trabalho policial”, diz a nota.
Entenda o caso
Luiz Carlos foi baleado após uma perseguição policial em 16 de março por estar em uma moto que havia sido roubada na mesma noite. O advogado Rafael Moura disse à reportagem que Luiz lhe contou, enquanto esteve internado, que ouviu quatro tiros e caiu em seguida, virado para cima, ao ser atingido nas costas. E que, ao cair, não conseguia sentir a pernas e já pedia socorro. “Depois que ele caiu, [os policiais] só falaram que deu sorte de estar vivo”, disse. Moura confirmou que Luiz estava armado, mas o revólver, segundo ele, não funcionava.
Na ocasião, tanto a família quanto moradores das comunidades Jardim Esperança e da Serra, na zona oeste da cidade de São Paulo, afirmaram à Ponte que houve demora no socorro do rapaz e que, revoltados, alguns jogaram pedras nos PMs. Parentes e moradores que tentavam buscar informação também denunciaram que foram agredidos com spray de pimenta. Vídeos mostram policiais empurrando, chutando e agredindo pessoas no cruzamento da Rua Carlos Faria com a Avenida Engenheiro Antônio Eiras Garcia.
Além disso, a mãe e a irmã de Luiz apenas conseguiram saber sobre seu estado de saúde em 19 de março a partir de uma decisão judicial autorizando a visita depois de três dias de informações desencontradas e de serem impedidas de entrar no quarto do hospital ou de ter qualquer notícia do rapaz. O pedido foi feito pela Defensoria Pública a pedido da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que denuncia violações de direitos humanos nas periferias.
De acordo acordo com o boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil, por volta das 20h10 do dia 16 os soldados Heverton Rafael Rosa de Lima e William Tomas dos Santos, do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), estavam em patrulhamento pela Avenida Engenheiro Antônio Eiras Garcia quando viram duas motocicletas, uma preta e outra branca, “em alta velocidade e em atitude suspeita, uma seguindo a outra” e que decidiram abordá-las porque “há na região muitos roubos de motocicletas”.
Os PMs afirmam que o motorista da motocicleta preta conseguiu fugir, mas o da motocicleta branca, Luiz Carlos, virou para o sentido contrário e bateu em um carro e num poste. Em seguida, o jovem desceu da moto e tentou fugir a pé.
O soldado William Tomas diz que o jovem colocou a mão na cintura enquanto corria na sua direção. Segundo ele, Luiz Carlos teria sacado uma arma, por isso o policial freou sua moto e deu dois tiros contra o jovem, que caiu no chão. Ele afirma que não deu mais tiros depois porque havia “cessado a ameaça”.
Os policiais apresentaram no 89º DP (Jardim Taboão) um revólver calibre 38, com numeração raspada, com quatro munições, sendo uma picotada. Ali, verificaram que a moto tinha sido roubado uma hora antes. A vítima do roubo contou na delegacia que foi roubada por volta das 19h20, quando estava com o filho na garupa. Dois homens armados aproximaram-se dele e levaram a moto. Às 20h39, a vítima recebeu uma ligação da seguradora informando que o veículo havia sido encontrado “bastante danificado”.
Os PMs também disseram que não preservaram o local onde Luiz Carlos foi baleado porque teria sido “impossível, ante o risco para a equipe e para os moradores, manter a preservação para perícia”.
A delegada Sabryna de Souza Freitas entendeu que os depoimentos dos policiais têm “presunção de veracidade”, além da declaração da vítima e das circunstâncias dos itens apreendidos, e indiciou Luiz Carlos por roubo majorado (mediante grave ameaça por uso de arma de fogo) e tentativa de homicídio contra o soldado William Thomas. Depois, pediu a prisão preventiva (por tempo indeterminado) do jovem.
Apesar de o 16º BPM/M ser um dos contemplados pelo programa de câmeras na farda, o boletim de ocorrência não informa se os PMs em questão usavam os aparelhos no momento da ocorrência. A delegada também não solicitou acesso às imagens, não pediu perícia para o local e não considerou busca por câmeras de vigilância nem por testemunhas.
A juíza Celina Maria Macedo Stern, do Fórum Criminal da Barra Funda, determinou em 21 de março que o Comando da PM encaminhe, se existirem, filmagens relacionadas à abordagem a Luiz Carlos, que foram solicitadas pelo advogado da família.
Reportagem atualizada às 12h26, de 3/4/2023, para incluir resposta da SSP.